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Angola: O subsídio do presidente da AN e a "gralha técnica"

14 de abril de 2020

O Parlamento garante: o seu presidente não recebe um subsídio de renda milionário, tal como avançado pelo jornal Expansão. Tudo não terá passado de uma "gralha técnica". Mas a explicação não convence os analistas.

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Angola Luanda Nationalversammlung
Foto: Getty Images/AFP/A. Jocard

É um caso que está a gerar polémica em Angola: um alegado subsídio de renda de 17 milhões de kwanzas por mês atribuído ao presidente do Parlamento, Fernando da Piedade Dias dos Santos, noticiado pelo jornal Expansão e já desmentido pela Assembleia Nacional. A casa das leis garante que o seu presidente "não beneficia de um subsídio de renda de casa, por se tratar de uma entidade que tem direito a uma residência oficial".

O caso surgiu na passada sexta-feira (10.04), numa notícia do Expansão que dava conta do corte de 4,3% imposto ao orçamento da Assembleia Nacional para 2020, incluindo a retirada de "mordomias aos deputados, como a abolição dos subsídios de renda ao presidente da Assembleia Nacional (AN) e deputados e supressão da compra de veículos protocolares". Segundo o semanário, entre estas mordomias incluía-se a supressão do subsídio de renda para  o presidente da NA, Fernando da Piedade dos Santos "Nandó", que passou de 3,7 milhões de kwanzas por ano (6.000 euros) em 2018 para 203,8 milhões de kwanzas em 2019 (330.000 euros), e para os deputados que receberam no ano passado um total de 565,2 milhões de kwanzas (914 mil euros).

Em nota de imprensa, esta segunda-feira (13.04), o Parlamento veio esclarecer que "nunca procedeu ao pagamento mensal de 17 milhões de kwanzas" ao seu presidente. O que ocorreu, diz a nota, foi "uma gralha técnica que resultou na inserção do montante ao qual está referenciado como sendo subsídio de renda de casa, quando deveria ser serviços de manutenção e de conservação".

Despesas não esclarecidas

A explicação não convence o analista político Joaquim de Andrade, para quem a nota levanta dúvidas sobre a gestão financeira da Assembleia Nacional: "O esclarecimento levanta outras inquietações, porque, na verdade, a explicação não recusa categoricamente que o presidente da Assembleia Nacional tenha usufruído de um bónus de 17 milhões".

"A única correção que esta matéria sofre é relativamente à finalidade da alocação das verbas. Essa verba não é alocada para a casa do presidente da Assembleia mas é para outras despesas. Estas outras despesas não foram esclarecidas", considera o analista.

Joaquim de Andrade questiona ainda como é que uma "gralha técnica" passou despercebida a tanta gente, incluindo o Presidente João Lourenço - que assinou o Diário da República - e aponta o dedo à oposição: "Vê-se aqui também a cumplicidade de outras bancadas parlamentares, porque o assunto não devia passar-lhes. Eles também são experimentados na matéria e deviam, pelo menos, preocupar-se com o valor".

Lembrando que se trata de 17 milhões de kwanzas "para outras remunerações", o analista político considera que "a justificação da gralha técnica não colhe".

"Tinha toda possibilidade de ser corrigida em qualquer altura. Nesses trâmites todos por que passou, tinha de ser observada", sublinha.

Regalias e desigualdade

Gralhas técnicas à parte, para Fernando Sakwayela Gomes, do Projecto Agir, os subsídios atribuídos aos dirigentes angolanos e outros  gestores públicos promovem a desigualdade social no país: "Quer os subsídios dos deputados, quer dos titulares de outros cargos públicos, no caso dos ministros, que têm subídios chorudos, o governador do Banco Nacional, os titulares da Administração Geral Tributária (AGT), são salários que promovem discriminação e desigualidade. São salários que permitem a uma classe muito reduzida acumular riqueza, enquanto uma maré de angolanos vive na pobreza".

O ativista aplaude, por outro lado, os cortes que o Executivo está a fazer nas regalias dos servidores públicos que considera bem-vindos mas que "não deviam ser circunstanciais".

"Os cortes nas regalias deviam ser estudados, para percebermos a razão de determinados subsídios. As pessoas têm que beneficiar por merecer", frisa.

Tribunal de Contas chamado a intervir

Na segunda-feira, a atribuição do alegado subsídio ao presidente da Assembleia Nacional mereceu o repúdio do grupo parlamentar da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), principal partido da oposição angolana, que questionou o valor da verba e pressionou o Parlamento a esclarecer a situação.

Entretanto, reagindo ao esclarecimento da Assembleia Nacional, o grupo parlamentar da UNITA apela à boa gestão e transparência. Os deputados do maior partido da oposição consideram mesmo que há necessidade da intervenção do Tribunal de Contas "para se apurar os factos sobre as contas da Assembleia Nacional, e outros fundos ligados ao erário".

Navita Ngolo, deputada da UNITA, considera que o caso escandalizou a população porque a maior parte dos angolanos não beneficia da riqueza do país: "Se a riqueza angolana fosse transformada em ativos tangíveis e distribuída por todos os angolanos, não estaríamos a perder tempo a inventar inimigos ou gatunos onde não há gatunos. Está esclarecido que há erro, que haja responsabilidade".

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