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Um tiro pela culatra

Alexander Busch | Kolumnist
Alexander Busch
20 de novembro de 2020

Bolsonaro ameaçou divulgar países que compram madeira ilegal do Brasil. Depois recuou e mirou em empresas. O fato de o próprio presidente lançar luz sobre escusas relações de negócios é um prato cheio para seus críticos.

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Jair Bolsonaro
"Bolsonaro admitiu publicamente que o Brasil não controla a extração e o comércio da madeira tropical, como acusavam há tempos as organizações ambientais"Foto: Getty Images/A. Anholete

Jair Bolsonaro não poderia ter oferecido um flanco de ataque melhor para seus críticos no Brasil e no exterior ao anunciar que divulgaria uma lista de todos os países que importam ilegalmente madeira brasileira. A ameaça foi feita nesta terça-feira (17/11), durante a cúpula virtual do Brics, ou seja, o encontro anual dos presidentes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Os demais chefes de Estado devem ter se perguntado por que o brasileiro abordou esse tema. Ao que tudo indica, Bolsonaro pretendia assim expor a hipocrisia dos que, por um lado, atacam sua política para a Amazônia, ao mesmo tempo que compram madeira ilegal do país. Portanto, sobretudo seus críticos da União Europeia e Estados Unidos.

Nesse ínterim ele recuou e disse que vai divulgar só uma lista das empresas, e não dos países. Possivelmente o Itamaraty o advertiu sobre a crise de politica externa que ele desencadearia, caso cada país acusado ativasse seus diplomatas para responder às imputações.

É óbvio que desse modo Bolsonaro pretende agitar seu eleitorado. Mas o tiro vai sair pela culatra. Pois agora todos na Europa e EUA veem confirmado que o Brasil não está em condições de produzir e exportar de forma sustentável. Pois se não estão em ordem nem mesmo os documentos de exportação de suposta madeira tropical cultivada, então são justificadas as dúvidas quanto à carne bovina e de aves, soja, couro, cacau, látex... até suco de laranja, frutas tropicais, café, celulose, açúcar.

É longa a lista dos produtos agropecuários brasileiros sobre os quais os produtores devem se preparar, desde já, para ter que renegociar com seus compradores no Hemisfério Norte. Até o momento, os fazendeiros nacionais estão basicamente unidos no respaldo ao presidente. Mas o que vai acontecer se seus mercados e faturamentos despencarem?

O segundo ponto em que Bolsonaro se autoprejudica com suas bizarras ameaças é que, de um só golpe, expôs toda a cadeia ilegal da indústria madeireira que ele próprio favoreceu e incentivou.

Pois o que acontece não é as árvores da floresta tropical serem contrabandeadas em operações clandestinas, para serem descarregadas secretamente em Roterdã ou Los Angeles e transformadas em tábuas de assoalho: toda a madeira ilegal deixa o país com documentos falsificados, expedidos por funcionários corruptos.

Além disso, o governo federal chegou a decretar, por algum tempo, que até mesmo espécies de árvores ameaçadas de extinção poderiam ser exportadas sem necessidade de licença especial. Em 2019, o Ibama não impôs uma única multa por exportação ilegal.

Agora Bolsonaro admite publicamente que o Brasil não controla a extração e o comércio da madeira tropical, como acusavam há tempos as organizações ambientais. Em investigações minuciosas, elas provaram que o comércio de madeira ilegal é apoiado por conceituados financiadores, compradores e manufatores do Brasil e do Hemisfério Norte.

Porém agora é o próprio presidente a lançar luz sobre essas escusas relações de negócios – provavelmente para grande satisfação dos ambientalistas. Nenhum banco, cadeia de varejo ou fabricante de automóveis pode mais se permitir estar envolvido em algum ponto dessa cadeia de fornecimento.

Os primeiros a sentir os efeitos serão os adeptos de Bolsonaro – e os sentirão no bolso. Ou seja, os fazendeiros, madeireiros, proprietários de serras elétricas e funcionários cuja renda agora sofrerá um baque. Esse processo não se iniciará já, mas no médio prazo, sim.

Com o Natal às portas, o presidente do Brasil não poderia ter dado um presente de festas melhor do que esse a seus críticos.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

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Tropiconomia

Há mais de 25 anos, Alexander Busch é correspondente de América do Sul para jornais de língua alemã. Ele estudou economia e política e escreve, de Salvador, sobre o papel no Brasil na economia mundial.