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Uefa manda, federações obedecem e jogadores arriscam a saúde

Gerd Wenzel
Gerd Wenzel
17 de novembro de 2020

Para entidade que rege o futebol na Europa, prioridade é cumprir contratos lucrativos com a TV.  Saúde e segurança dos atletas ficam em segundo plano, como ficou claro na recente partida entre Alemanha e Ucrânia.

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Jogadores alemães se cumprimentam antes da partida contra a Ucrânia em Leipzig, em 14 de novembro
Partida entre Alemanha e Ucrânia em Leipzig ocorreu em 14 de novembroFoto: Maja Hitij/Getty Images

O melhor que se pode dizer da Liga das Nações é que se trata de um torneio com importância secundária cujo objetivo maior é encher mais um pouco o cofre das confederações nacionais. A Federação Alemã de Futebol recebe da Uefa aproximadamente 10 milhões de euros por jogo da seleção, seja uma partida oficial ou um mero amistoso. Para o secretário-geral da federação, Friedrich Curtius, jogos da seleção são "um tipo de seguro de vida financeiro porque garantem a sobrevivência da entidade durante a crise".

Do ponto de vista esportivo, a Liga das Nações é insignificante, além de sobrecarregar o já exaustivo calendário da temporada 2020/2021 do futebol europeu em tempos de segunda onda da pandemia que se espalha pelo continente. Isso sem contar o ritmo intenso imposto aos jogadores com evidentes riscos para sua saúde.

Para a Uefa, entretanto, "the show must go on", desde que haja 13 jogadores disponíveis para entrar em campo. Para a federação que rege o futebol na Europa, o mais importante é cumprir os contratos lucrativos que mantêm com a TV, especialmente os da Liga das Nações e os da Champions League. A saúde e segurança sanitária dos jogadores ficam em segundo plano, como ficou claramente demonstrado na recente partida entre Alemanha e Ucrânia.

Um dia antes do confronto em Leipzig, quatro jogadores da Ucrânia e um membro da comissão técnica testaram positivo para a covid-19. De acordo com relatos dos dirigentes ucranianos, esses infectados não tiveram contatos estreitos com seus colegas de time. A Secretaria de Saúde de Leipzig acreditou nessa lorota, mas ordenou que se fizesse um novo teste rápido com todo o elenco algumas horas antes do pontapé inicial, como se esse teste tivesse valor conclusivo e definitivo.

Após quase um ano de epidemia, já se sabe que o tempo de incubação do coronavírus no organismo é de 2 a 15 dias e existe a possibilidade de se obter falsos negativos caso os suspeitos de infecção tenham sido contaminados recentemente ou não tenham passado pela quarentena.

As autoridades sanitárias não levaram em consideração que os atletas em pauta jogaram anteriormente na Polônia, viajaram juntos com os colegas para Leipzig, ficaram hospedados no mesmo hotel, mas por obra do destino, e de acordo com o argumento dos cartolas ucranianos, ficaram sempre a um distanciamento físico dos companheiros da equipe de tal modo que não haveria necessidade de colocar o time inteiro em quarentena e, consequentemente, suspender o jogo. Por incrível que possa parecer, os sanitaristas locais acreditaram nessa história.

Já na Noruega, a história foi completamente diferente. O lateral-direito Omar Elabdellaoui, da seleção norueguesa, testou positivo antes do jogo com a Romênia pela Liga das Nações. A Secretaria de Saúde local determinou que toda equipe norueguesa ficasse de quarentena por dez dias porque outros jogadores poderiam estar infectados, apesar de terem testado negativo. O jogo foi adiado, e ninguém correu risco desnecessário, ao contrário dos colegas alemães e ucranianos, que se enfrentaram em Leipzig.

A decisão de dar sinal verde para o jogo em Leipzig foi equivocada sob todos os aspectos. Foi uma decisão que, a longo prazo, vai trazer prejuízo ao futebol como um todo, especialmente no que diz respeito à deterioração de sua imagem junto à sociedade.

Depois desse episódio lamentável de Leipzig, como justificar a necessidade de uma quarentena de 14 dias para aquele cidadão comum que teve contato com uma pessoa contaminada pela covid-19? E isso independentemente de seu teste ter dado positivo ou negativo.

Atualmente, a Alemanha está numa espécie de lockdown light. O cidadão comum não pode frequentar a academia nem a quadra de tênis. Restaurantes não podem abrir e, ao ar livre, pelo menos parcialmente, reina o uso obrigatório de máscaras.

De outro lado, jogadores profissionais viajam pela Europa de cima para baixo, atuando em jogos amistosos desimportantes e disputam um torneio insignificante como a Liga das Nações, um produto artificial do mundo do futebol.

Não se tem notícia de que jogadores tenham sido consultados sobre sua disposição de colocar a própria saúde em risco diante das atuais circunstâncias. São tratados como produtos que, custe o que custar, devem entregar sempre o que se espera deles.

Em seu podcast, Toni Kroos, que dispensa maiores apresentações, afirmou que, no atual cenário futebolístico mundial, jogadores são tratados como "marionetes da Fifa e da Uefa". As confederações "tentam explorar ao máximo os jogadores, não apenas financeira, mas também fisicamente". 

Nesta terça-feira (17/11), a seleção alemã joga em Sevilha contra a Espanha. Está em disputa o primeiro posto do Grupo 4 da Liga A, que garante a presença do vencedor na semifinal desse torneio caça-euros. O jogo é em Sevilha, hotspot da segunda onda de covid-19 em território ibérico. Toni Kroos deve jogar.

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. 

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Halbzeit

Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Na coluna Halbzeit, ele comenta os desafios, conquistas e novidades do futebol alemão.