Talibã toma Cabul e volta ao poder
15 de agosto de 2021Os talibãs tomaram neste domingo (15/08) a cidade de Cabul, efetivamente estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão e dissolvendo o governo do país.
Cabul, que tem 4,4 milhões de habitantes, era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do governo afegão. O regime do país implodiu nas últimas horas após uma ofensiva-relâmpago dos talibãs, que agora voltam ao poder 20 anos depois de serem expulsos da capital por uma coalizão liderada pelos EUA.
Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades afegãs nas últimas duas semanas, Cabul foi tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. O Exército afegão evitou combates e tropas foram vistas fugindo para países vizinhos.
Os talibãs ocuparam Cabul pela primeira vez outubro de 1996 e pelos cinco anos seguintes lideraram um regime totalitário que ficou conhecido pela repressão brutal a mulheres - simbolizada pela imposição da burca - e pela aplicação de uma versão extremamente arcaica e tirânica do islã.
Com o retorno do grupo ao poder, aumenta o temor de que a situação dos direitos humanos volte a se deteriorar e que o Afeganistão seja mais uma vez usado como base para terroristas islâmicos. Há expectativa de que os talibãs anunciem uma mudança de nome do país para Emirado Islâmico do Afeganistão, a designação que o país teve entre 1996 e 2001, durante o regime original dos radicais.
A queda de Cabul também é uma humilhação para os serviços de inteligência americanos, que nesta semana ainda previam que a capital só cairia nos próximos três meses. Os americanos ainda estavam no processo de retirar suas últimas forças do país. O prazo final era 31 de agosto. O presidente americano Joe Bien também havia rechaçado em julho a hipótese de uma tomada de poder pelo talibã e na ocasião mencionou que o governo afegão tinha 300 mil militares bem equipados.
Neste domingo, o Talibã ainda tomou o Palácio Presidencial após a divulgação de que o chefe do Executivo, Ashraf Ghani, fugiu do país diante da iminente queda da capital. Uma unidade talibã compartilhou fotos do interior do palácio - aparentemente intacto, mas vazio e abandonado pelas autoridades afegãs - em uma mensagem no Telegram. Um vídeo postado nas redes sociais também mostrou combatentes chegando ao Palácio Presidencial.
Os talibãs divulgaram, entretanto, que entraram na capital afegã para controlar possíveis episódios de saque e pilhagem após o recuo e a fuga das forças de segurança do governo afegão.
"Para evitar atos de pilhagem em Cabul e para evitar que os oportunistas prejudiquem o povo, o Emirado Islâmico [como os talibãs se autodenominam] ordenou às suas forças que entrassem nas áreas de Cabul de onde o inimigo saiu", afirmaram os radicais num comunicado.
Na mesma nota informativa, os talibãs insistiram que a população "não deve temer os 'mujahedin'" e garantiram que os combatentes vão entrar na cidade "de forma calma" e não pretendem causar danos.
"Os militares e os funcionários civis do governo devem confiar que ninguém lhes fará mal. Nenhum combatente está autorizado a entrar em casas ou a torturar ou a perturbar", afirmaram os talibãs.
Essas garantias, no entanto, são vistas com desconfiança, considerando o histórico brutal do grupo.
A imprensa internacional também relatou que o hospital de Cabul divulgou, através da rede social Twitter, que "mais de 40 pessoas" ficaram feridas em confrontos nos arredores da capital afegã e que foram transportadas para aquela unidade hospitalar.
Em apenas duas semanas, os talibãs - que lançaram sua ofensiva em maio coincidindo com o início da retirada final das tropas americanas e estrangeiras - assumiram o controle de todo o país.
A derrota é total para as forças de segurança afegãs, que foram financiadas por 20 anos com bilhões de dólares pelos Estados Unidos, e para o governo do presidente Ghani.
Neste domingo, os talibãs também tomaram Jalalabad, que segundo relatos não ofereceu resistência. O parlamentar afegão Abrarullah Murad disse que os moradores mais velhos da cidade negociaram com o Talibã para que as forças governamentais se retirassem.
Presidente em fuga
Mais cedo, o presidente Ashraf Ghani deixou o país, conforme as tropas do Talibã avançam sobre a região central da capital, Cabul. Segundo as fontes do governo, Ghani deixou o país acompanhando do seu seu conselheiro de Segurança Nacional, Hamdullah Mohib e um segundo assessor. Ainda não está claro para qual país eles se dirigiram. Uma autoridade do Ministério do Interior afirmou que Ghani foi para o Tajiquistão.
Mais tarde, Ghani disse em uma mensagem no Facebook que deixou o país para evitar derramamento de sangue e para evitar confrontos com os talibãs que colocariam em perigo milhões de residentes de Cabul.
“O Talibã fazia questão de me remover, eles estão aqui para atacar toda Cabul e o povo de Cabul. Para evitar o derramamento de sangue, achei melhor ir embora”, disse Ghani.
"Os talibãs ganharam [...] e são agora responsáveis pela honra, a posse e a autopreservação do seu país", acrescentou.
Mais cedo, o ministro do Interior, Abdul Sattar Mirzakwal, anunciou uma "transferência pacífica de poder para um governo de transição", mas não deixou claro quais facções iriam compor esse governo.
Mohammad Ashraf Ghani Ahmadzai assumiu a Presidência do Afeganistão em 2014 e foi reeleito em 2019. Sem base política, Ghani havia vivido a maior parte da sua vida no exterior antes de retornar ao Afeganistão em dezembro de 2001. Como presidente, ele nunca chegou a controlar todo o território do país, que sempre permaneceu dilacerado entre chefes tribais e senhores da guerra locais.
Um dos antecessores de Ghani na presidência, Mohammad Najibullah, que governou o país entre 1987 e 1992, com apoio soviético, foi brutalmente assassinado pelo Talibã em 1996, quando o grupo tomou Cabul pela primeira vez. Na ocasião, Najibullah, que havia procurado refúgio numa instalação das Nações Unidas, foi capturado, torturado, castrado e teve seu corpo arrastado pelas ruas e pendurado num poste em frente à sede do governo.
Americanos evacuam pessoal
Funcionários da embaixada dos Estados Unidos em Cabul foram levados às pressas para o aeroporto da capital afegã, para onde milhares de soldados americanos foram enviados, informou o secretário de Estado, Antony Blinken.
"Transferimos os homens e mulheres de nossa embaixada para o aeroporto. Por esse motivo, o presidente enviou numerosos militares", explicou à rede ABC.
Apesar da retirada precipitada, o chefe da diplomacia americana rejeitou comparações entre a situação em Cabul e a queda de Saigon, no Vietnã, em 1975, reiterando que os Estados Unidos haviam "alcançado seus objetivos" na guerra do Afeganistão.
"Isso não é Saigon", disse o secretário de Estado à ABC. "Entramos no Afeganistão há 20 anos com uma missão e essa missão era confrontar aqueles que nos atacaram em 11 de setembro. Essa missão foi bem-sucedida."
Diante do colapso do Exército afegão, o presidente americano, Joe Biden, aumentou para o número de militares nobilizados no aeroporto de Cabul para evacuar diplomatas americanos e civis afegãos que cooperaram com os Estados Unidos e que temem por suas vidas. Segundo a rede CNN, os americanos conseguiram retirar 500 funcionários de Cabul nesse domingo. Pelo menos 4 mil pessoas ainda aguardam uma rota de fuga.
A embaixada dos Estados Unidos em Cabul também disse no domingo que a situação de segurança no aeroporto da capital afegã estava mudando rapidamente e que havia relatos de tiros enquanto as tropas americanas ajudavam na evacuação do pessoal norte-americano.
Já a Alemanha fechou sua embaixada em Cabul e iniciou a evacuação de seu pessoal.
Muitos afegãos, especialmente na capital, e as mulheres em particular, acostumados com um certo grau de liberdade desfrutado nos últimos 20 anos, temem um retorno ao poder do Talibã.
Quando governaram o país, entre 1996 e 2001, os talibãs impuseram sua versão extremista da lei islâmica. Mulheres tinham que cobrir até o rosto e eram proibidas de sair sem um acompanhante masculino e de trabalhar. Meninas não podiam frequentar a escola. Mulheres acusadas de crimes como adultério eram açoitadas e apedrejadas. Condenados também sofriam amputações, apedrejamento e execuções públicas.
jps (EFE, AFP, dpa, DW)