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Proteção da biodiversidade exige mudança de modelo econômico

Geraldo Hoffmann21 de março de 2006

Em entrevista exclusiva à DW-WORLD, o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, diz que a biodiversidade não pode ser salva só com medidas de preservação.

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Povos indígenas participam da conferência em CuritibaFoto: AP

DW-WORLD: Na abertura da 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que acontece de 20 a 31 de março em Curitiba, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reclamou da falta de implementação dos inúmeros tratados internacionais de proteção ao meio ambiente. Que ações concretas devem ser implementadas imediatamente para proteger a biodiversidade?

João Paulo Capobianco: É fundamental que haja mais engajamento internacional para uma efetiva conservação da biodiversidade. Desde a assinatura da convenção em 1992, embora tenha ocorrido um aumento dos investimentos nacionais nesse setor, diminuíram os recursos internacionais, inclusive agora com uma forte redução do GEF (Fundo Mundial para o Meio Ambiente), o que é contraditório com o compromisso assumido por 187 países – muitos deles ricos – signatários da convenção.

O Greenpeace pede em Curitiba um "muro verde", formado por reservas florestais, para proteger a Amazônia. O governo alemão quer uma rede global de reservas biológicas e a ONU propõe a proteção de santuários ecológicos. Essas medidas bastam para conter a extinção de espécies?

Joao Paulo Capobianco
Capobianco: 'Não basta preservar'Foto: Ascom MMA

Elas são extremamente importantes, mas não bastam. O que precisamos nos diferentes países envolvidos na convenção é de novas alternativas de desenvolvimento econômico. O desmatamento da Amazônia, do Cerrado e da Mata Atlântica é conseqüência de um modelo de desenvolvimento que depende da substituição de ecossistemas naturais por outras atividades econômicas. E essa lógica precisa ser invertida.

Como o Brasil pretende resolver o dilema da preservação do meio ambiente, crescimento sustentável e segurança alimentar, por um lado, e da ampliação de suas fronteiras agrícolas para exportação, por outro?

O governo brasileiro deu um sinal claro de que existem alternativas, através da Lei de Gestão de Florestas Públicas, já aprovada e sancionada. Nos próximos meses, esta lei terá seu primeiro grande teste na Floresta Amazônica, no eixo da BR 163 (Cuiabá-Santarém), uma região muito pressionada pelo desmatamento. O uso sustentável das florestas públicas, gerando empregos e renda, é a alternativa que o governo apresenta para a região amazônica. É a primeira vez que se tem no Brasil uma legislação que trata do uso sustentável e não apenas da proteção da natureza.

Na reunião do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, na semana passada, foi acertado que a obrigatoriedade de identificar e etiquetar os produtos transgênicos entrará em vigor só em 2012. Os governos se curvaram às pressões do agronegócio e das multinacionais da biotecnologia, como acusam ambientalistas?

International Umwelt Organisation Greenpeace protestiert in Brasilien gegen Gentechnik
Protesto do Greenpeace no RioFoto: DPA

De fato, esse tem sido um debate muito difícil, que tem gerado controvérsias e adiamentos sucessivos. No entanto, a interpretação dos resultados da reunião de Curitiba não está correta. Pela decisão tomada, a atividade de segregação para garantir a informação detalhada na exportação deve se iniciar imediatamente. Em 2010, será feita uma avaliação da implementação das atividades de segregação da produção entre transgênicos e não transgênicos, para que se torne obrigatório e definitivo em 2012. A decisão não foi postergada e, sim, foi pelo "contém OGMs" (Organismos Geneticamente Modificados), mas sua implementação não pode ser imediata. Se a informação detalhada nas cargas de exportação fosse obrigatória a partir deste ano, vários países seriam impedidos de exportar e haveria uma crise no comércio internacional de produtos agrícolas.

O Brasil já vinha identificando as cargas de soja transgênica exportada para a Europa e Ásia. O que muda nisso?

Ao lado de uma cadeia de soja transgênica, temos várias cadeias produtivas de soja convencional, que já estavam sendo segregadas e exportadas com a informação de que "não contêm OGMs". Dada a obrigatoriedade da informação detalhada no futuro próximo, o Brasil deve iniciar a implementação de um sistema de segregação, para que possamos chegar a 2010 ou 2012 capacitados para atender a essa exigência.

A indústria da biotecnologia pressiona pela flexibilização da suspensão de testes de campo e produção comercial das chamadas sementes Terminator (estéreis), proibidas no Brasil. O país vai propor uma proibição mundial dessas sementes em Curitiba?

O Brasil já proíbe as Terminator na sua legislação, porque entende que esta tecnologia não deveria ser adotada em nenhum lugar do mundo. Certamente vamos trabalhar, argumentando, para que esta possibilidade seja proibida em todo o mundo. Isso faz parte da agenda em Curitiba.

Na Alemanha e na Europa discute-se muito os riscos da "coexistência" entre transgênicos e plantas convencionais na agricultura. Quem deve arcar com os prejuízos, se uma cultura de transgênicos “contamina” um plantio convencional?

Traktordemonstration gegen Gentechnik
Agricultores alemães temem que OGMs contaminem plantio convencionalFoto: DPA

A responsabilidade no sentido de impedir a contaminação indesejada deve ser do produtor. Ele reivindica o direito de escolher a tecnologia que vai usar e, em contrapartida, deve assumir a responsabilidade pela segregação e a proteção das espécies nativas e das áreas de plantio convencional. Não seria correto o poder público, através da cobrança de mais impostos, arcar com os riscos de uma atividade que foi escolha do produtor.

Quase 14 anos após a Rio 92, o Ministério de Meio Ambiente acaba de anunciar que será enviada ao Congresso uma Lei de Acesso aos Recursos Genéticos. Quais são as medidas previstas nessa lei para combater a biopirataria?

Já há uma legislação sobre recursos genéticos em vigor, que originou de uma Medida Provisória do governo anterior. O que o governo pretende agora é enviar uma nova lei ao Congresso Nacional, com dois objetivos principais: estimular as atividades de bioprospecção e as cadeias produtivas que utilizam recursos genéticos, que hoje enfrentam muitas restrições legais; e definir uma série de penalidades para o uso indevido dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais, para desencorajar as atividades de biopirataria. Quem atuar de forma irresponsável, não observando as diretrizes legais, estárá sujeito a penas muito rígidas, incluindo até quatro anos de prisão.

Que resultados teve até agora a CPI da Biopirataria, instalada depois que um pesquisador alemão foi preso (e logo solto) em Brasília, traficando material genético de aranhas?

A CPI fez várias investigações, ouviu dezenas de pessoas e tem contribuído para por este assunto em debate. Ela demonstrou a urgência de que o Brasil tenha uma legislação mais rígida para punir esse tipo de crime de forma eficiente.

Em Curitiba discute-se também a divisão dos benefícios obtidos com o aproveitamento da biodiversidade e da biotecnologia? Existe uma fórmula mágica para esta partilha?

Não existe fórmula mágica. O que existe é um consenso de que os países detentores da biotecnologia não devem simplesmente utilizar os recursos da biodiversidade de outros países sem nenhuma repartição dos benefícios ou remuneração. Isso a Convenção já explicitou. E agora precisamos aprovar o chamado regime internacional de acesso aos recursos genéticos, para implementar uma legislação que preserve os interesses dos países que possuem grande biodiversidade, como é o caso do Brasil.