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Greenpeace: Amazônia não deve ser internacionalizada

Geraldo Hoffmann23 de janeiro de 2006

Em entrevista à DW-WORLD, coordenador de política florestal internacional do Greenpeace, Martin Kaiser, fala da conferência da madeira tropical em Genebra e propõe um esforço mundial para preservar florestas nativas.

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Comércio de madeira tropical movimenta bilhões de dólaresFoto: dpa - Bildfunk

O comércio mundial de madeira tropical movimenta cerca de 10 bilhões de dólares por ano. O reverso dessa medalha é a destruição anual de 15 milhões de hectares de florestas nativas pelo desmatamento ilegal. Em Genebra, 150 representantes de 33 países produtores e 26 mercados consumidores de madeira negociam até sexta-feira (27/01) um novo acordo sobre comércio de madeira oriunda dos trópicos. DW-WORLD conversou sobre o assunto com o coordenador de política florestal internacional do Greenpeace, Martin Kaiser.

DW-WORLD – O que está em jogo na conferência de Genebra?

Martin Kaiser – Em Genebra, os países produtores negociam com os receptores – sobretudo Europa, EUA, Japão e China – sobre as fontes das quais a madeira tropical deve chegar ao mercado. Temos o problema mundial do corte, em parte ilegal, de madeira de florestas nativas tropicais, para a fabricação de móveis de jardim, janelas e portas. Isso precisa ser proibido.

O que está sendo negociado concretamente e onde há divergências?

Uma questão fundamental é chegar a um consenso sobre uma definição comum de legalidade e manejo sustentável. Já nesse ponto a conferência provavelmente vai fracassar. Um segundo ponto essencial é a questão se, de fato, a importação de madeira oriunda da destruição de florestas nativas será proibida por lei em regiões como a Europa e a América do Norte. Provavelmente também sobre isso não haverá acordo, o que não ajudará as últimas florestas nativas do mundo.

Que resultados trouxe até agora o Acordo Internacional sobre Madeira Tropical de 1994, que expira este ano?

Greenpeace in Frankreich gegen Urwaldzerstörung
Protesto contra importação de madeira tropical na FrançaFoto: AP
O componente essencial do acordo de 1994 foi estabelecer que, até o ano 2000, toda madeira exportada pelos países tropicais deveria vir do manejo florestal sustentável. Os signatários do acordo já reconheceram que essa meta fracassou completamente, e o Greenpeace não tem esperança de que a conferência de Genebra decida algo que melhore toda essa situação.

Afinal, a proteção ambiental tem chance de se impor contra os interesses da indústria madeireira?

A proteção ao meio ambiente tem uma chance contra os interesses da indústria madeireira, se os consumidores das grandes regiões econômicas, como aqui na Europa, na Alemanha, emitirem um sinal claro de que não vão comprar mais madeira oriunda da destruição de florestas nativas e, sim, só madeira vinda de um bom manejo sustentável, também dos trópicos.

A pressão dos consumidores tem efeito contra o desmatamento?

Há sempre mais consumidores que demandam madeira de manejo florestal sustentável, e isso naturalmente tem uma crescente relevância econômica. Mas, lamentavelmente, ainda chega ao nosso mercado um excesso de importação barata oriunda do desmatamento, de modo que os produtos mais baratos muitas vezes são preferidos. Os governos precisam criar condições legais para que a madeira de um bom manejo florestal, que também respeita os interesses dos povos indígenas, por exemplo, tenha uma chance real no nosso mercado.

Há mais de dez anos existe o selo FSC (Forest Stewardship Council) para madeira de manejo florestal sustentável. Esse selo já se impôs mundialmente?

O selo FSC foi uma campanha muito bem-sucedida até agora, justamente para promover a madeira oriunda do bom aproveitamento florestal. Ele é a prova de que também a ecologia e questões sociais foram consideradas na produção da madeira. E o bom é que esse selo realmente é encontrado nos pontos de venda tanto em móveis de jardim quanto em janelas e inclusive nas passagens de trem [na Alemanha].

A Alemanha apóia desde 1990 o Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7). Qual é o balanço que o senhor faz desse programa?

O PPG-7 tem aspectos positivos e negativos. Ele contribuiu para a demarcação clara de terras indígenas contra uma exploração industrial, o que foi útil aos indígenas que ali vivem. Outro aspecto positivo foi fomentar a participação da população local e da sociedade civil nos processos de decisão, contribuindo assim com a democratização de toda a região.

No lado sombrio, vemos com toda evidência o fato de que o programa não foi suficientemente focado nas regiões em que a floresta amazônica literalmente está queimando, onde conglomerados agroindustriais internacionais desmatam grandes áreas para a produção agrícola, onde também desmatamentos ilegais transformam a floresta nativa em estepe.

O Brasil registrou no ano passado novos recordes de desmatamento. O governo Lula fracassou no que diz respeito à proteção da floresta tropical?

Greenpeace gegen Urwaldzerstörung
Ativistas do Greenpeace picham navio carregado de madeira da Amazônia no porto de HamburgoFoto: AP
O Greenpeace está decepcionado com o governo Lula, quanto aos seus anúncios de 2002, de que realmente faria algo pela proteção da Amazônia. Por um lado, há belos discursos políticos e também anúncios de intensificação do combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e criação de novas áreas de proteção. Por outro lado, o governo Lula aposta muito fortemente na exportação de produtos agrícolas, como a soja e carne bovina, o que demanda áreas adicionais. Essas áreas são buscadas na última floresta nativa, na Amazônia, e contribuem para números extremamente altos do desmatamento, justamente no ano passado.

O senhor acredita que essa situação vai mudar neste ano, que é um ano eleitoral?

Sim, neste ano haverá eleições no Brasil, e o Brasil também será anfitrião de uma grande conferência internacional sobre biodiversidade, em março. Nesse encontro, esperamos do governo Lula e também dos outros governos a criação de áreas de proteção, tanto para a preservação da floresta nativa quanto para as pessoas que ali vivem. Além disso, esperamos que os países ricos aumentem seu apoio financeiro a nações como o Brasil e se possa, com isso, conter a dramática perda de espécies.

Durante a Conferência do Clima de 2005, em Montreal, o governo brasileiro lançou a idéia de criar um fundo internacional para a proteção da floresta amazônica. O que o senhor acha dessa idéia?

É necessário um enorme volume de dinheiro para conter a perda de espécies e a redução da diversidade ambiental. Sem um fundo correspondente, o Brasil e outros países muito mais pobres, por exemplo, na África Central ou Ásia, nada poderão fazer pela proteção das florestas. O vínculo que o Brasil estabeleceu em Montreal com a mudança do clima é óbvio, porque com a perda das últimas florestas nativas o ser humano contribuirá enormemente para acelerar a mudança climática.

A Amazônia deve ser internacionalizada?

A Amazônia não deve ser internacionalizada de jeito nenhum. O governo brasileiro tem uma grande responsabilidade internacional de preservar esta última grande área de floresta nativa. Mas é necessário um esforço internacional, não só no Brasil, para proteger as últimas florestas nativas do mundo e fazer tudo o que for possível para que futuras gerações também tirem proveito disso.

E a conferência de Genebra pode dar uma contribuição nesse sentido...

Sim, eu penso que a comunidade internacional, os governos, precisam realmente fazer tudo para que o comércio de madeira ilegal seja impedido e proibido por lei. O Greenpeace está muito cético quanto aos resultados dessa conferência, mas reivindica que os governos finalmente ponham um fim ao comércio criminoso.

As organizações não-governamentais têm voz em Genebra?

As possibilidades de participação no Acordo Internacional sobre Madeira Tropical são muito restritas, mas o Greenpeace tem reiterado suas reivindicações em campanhas e agora realmente está na hora de os governos agirem.