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Proibir celulares nas escolas deve ser só o começo

Philipp Lichterbeck
Philipp Lichterbeck
7 de fevereiro de 2024

É necessário fazer ainda mais para proteger as crianças dos sérios danos cerebrais e sociais que podem ser causados por esses aparelhos.

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Celulares numa mesa de sala de aula, com alunos ao fundo
A simples presença de um celular já tem efeitos negativos sobre a capacidade de concentraçãoFoto: Hauke-Christian Dittrich/dpa/picture alliance

Quem já ouviu falar em nomofobia? Trata-se de um fenômeno relativamente novo: o medo de ficar impedido de usar o smartphone, por exemplo, por causa de má conexão com a internet ou bateria fraca, ou porque o celular estragou, foi roubado ou porque é proibido usá-lo.

A nomofobia pode causar sensação de medo ou ansiedade, além de perda de sono, problemas de concentração ou dificuldades na escola, no trabalho ou nas relações sociais.

O Brasil é o segundo país no mundo em uso de smartphones. Há mais celulares do que habitantes. Em média, cada brasileiro passa 5 horas e 28 minutos por dia na internet pelo celular. Só nas Filipinas a média é maior.

O brasileiro, portanto, passa duas vezes mais tempo no celular do que um alemão. Na Alemanha, a média de uso é de 2 horas e 29 minutos.

Um motivo é que a digitalização está muito mais avançada no Brasil do que na Alemanha. Isso vale para o setor público, para o financeiro (mesmo brasileiros que vivem na Alemanha não sabem o que é o Pix) e também para os inúmeros serviços que podem ser feitos pelo WhatsApp, como, por exemplo, marcar uma consulta médica.

Mas, apesar desses usos que facilitam a vida cotidiana, existe o outro lado: o consumo indiscriminado das redes sociais como TikTok e Instagram. Milhões de brasileiros assistem a uma enxurrada de imagens, mensagens e clipes descontextualizados. E depois não se lembram de mais nada do que viram. Ou ainda pior: confundem esse simulacro de realidade com a vida.

Nas redes sociais, não há qualquer contextualização ou interligação entre o que se vê. Portanto, não é necessário qualquer esforço mental: o cérebro fica em stand by. Provavelmente, nunca houve na história uma tecnologia que tenha sido usada de forma tão inútil e sem propósito por milhões de pessoas.

Probição em escolas

O celular pode ser muito útil quando usado de forma produtiva e consciente, ou extremamente prejudicial se o usuário se deixar seduzir por ele. Quer dizer, quando o celular domina o seu dono, e não o contrário. Estudos já mostraram como isso pode trazer efeitos brutais, especialmente para as crianças.

É, portanto, absolutamente correto que o uso de celulares tenha sido proibido em escolas da rede municipal do Rio de Janeiro, e não só durante as aulas, mas também no recreio ou fora da sala de aula. Regra semelhante vale no estado de São Paulo, onde o acesso a redes sociais via wi-fi foi bloqueado.

É um passo necessário, pois o número de crianças e adolescentes com celular continua aumentando. Estimativas mostram que 44% das crianças brasileiras até 12 anos têm um celular próprio, e 35% usam um aparelho dos pais. Elas passam em média 3 horas e 53 minutos diários neles, principalmente no YouTube. Os pais dizem que a principal razão para dar ou emprestar um smartphone ao filho é entretê-lo.

Nos Estados Unidos, um estudo mostrou como é perigoso ter um celular como babá: se uma criança ficar olhando para uma tela por mais de uma hora, sua massa branca cerebral encolhe. Ela serve para o desenvolvimento das habilidades de linguagem e escrita, de acordo com um estudo publicado na revista JAMA Pediatrics.

Crianças que passaram mais de uma hora por dia diante de uma tela tinham estruturas cerebrais menos desenvolvidas. Ou seja, o telefone celular contribui para um gradual emburrecimento. 

Ele gera, ainda, déficits de atenção, atrasos cognitivos, aumento da impulsividade e piora o controle emocional. Além disso, há os efeitos puramente físicos: miopia, problemas auditivos e de postura. Um estudo até comprovou que a simples presença de um celular num ambiente já tem efeitos negativos sobre a capacidade de concentração.

Contra o abismo social

É uma ironia que a internet e os smartphones, que deveriam levar a um maior acesso à informação e a mais inclusão e participação, estejam tendo o efeito oposto. E os menos favorecidos sofrem duplamente com suas consequências negativas.

Um estudo inglês mostrou que o desempenho de alunos de 16 anos melhora em média mais de 6% se eles não têm permissão para usar telefones celulares na escola. Mas desempenho de crianças de famílias mais pobres melhora até mais de 14%. São eles que estão particularmente vulneráveis aos efeitos negativos dos smartphones, pois há menos supervisão dos pais.

A proibição de telefones celulares, como no Rio e em São Paulo, pode, portanto, contribuir para que o abismo social não aumente ainda mais. Tomara que mais estados e municípios sigam o exemplo e isso se torne a regra no Brasil.

A propósito, os ricos já reconheceram há muito tempo o efeito entorpecente do uso desenfreado de telefones celulares. No colégio interno de elite Salem, na Alemanha, os telefones celulares só podem ser usados entre 14h30 e 21h30.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Cartas do Rio

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio de Janeiro, em 2012. Na coluna Cartas do Rio, ele faz reflexões sobre os rumos da sociedade brasileira.