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PolíticaHungria

O alto custo da política pró-Putin de Orbán

Zsuzsanna Vegh, Politikwissenschaftlerin
Zsuzsanna Vegh
24 de agosto de 2022

Premiê húngaro Viktor Orbán está determinado a reforçar os laços com Moscou e chega a atuar como um porta-voz do Kremlin. Mas, isso poderá custar caro à Hungria, opina Zsuzsanna Vegh

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Premiê da Hungria, Viktor Orbán cumprimenta o líder russo Vladimir Putin em frente a bandeiras dos dois países
Premiê da Hungria, Viktor Orbán (dir.), um dos maiores aliados do líder russo Vladimir Putin na EuropaFoto: Kremlin Press Office /AA/picture alliance

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, fez um discurso no resort romeno de Baile Tusnad, em julho passado, que causou repúdio generalizado, ao criticar a mistura de raças europeias e não europeias. Em sua visão, isso poderia levar ao desfiguramento dos povos na Europa Ocidental e à formação de "povos mestiços" em um mundo "pós-Ocidental".

Essa terminologia, que remete à retórica nazista, gerou repúdio em todo o mundo. A fala de Orbán sobre a Rússia e a guerra russa contra a Ucrânia, por outro lado, causou menos rebuliço. Ainda assim, isso merecia, no mínimo, a mesma atenção.

Em Baile Tusnad, o premiê húngaro fez de si mesmo um porta-voz do Kremlin. Ele classificou como compreensíveis as preocupações russas com uma possível adesão da Ucrânia à Otan, embora tenha dito que isso não justificaria a agressão.

Ele também ecoou as ameaças do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, de que a Rússia posicionaria a frente de batalha mais para o oeste.

Desprezo à soberania da Ucrânia

Orbán sugeriu apenas de modo não muito sutil que o Ocidente – em particular, os Estados Unidos – seriam os responsáveis pela guerra, por terem ignorado as preocupações russas, enquanto pediam negociações de paz imediatas.

A seu ver, tais negociações não ocorreriam entre Rússia e Ucrânia, mas entre a Rússia e os EUA. Segundo o líder húngaro, isso se justificaria pelo fato de que os americanos seriam capazes de lidar com as preocupações de Moscou.

Mesmo que o premiê húngaro chegado perto de justificar a agressão russa, essas declarações – e o completo desprezo pelo direito soberano da Ucrânia de buscar a adesão à aliança de segurança de sua preferência – rejeitam qualquer direito da Ucrânia de agir. E, portanto, aderem à linha argumentativa russa, ao custo dos valores e compromissos internacionais sob as quais a Hungria fundamenta suas próprias alianças.

Ameaça de veto às sanções contra Moscou

Dar preferência à narrativa russa é algo que está diretamente em linha com a política que governo húngaro busca desde a invasão da Ucrânia em fevereiro, isto é, priorizar as boas relações com Moscou e desafiar em voz alta a política de sanções da União Europeia.

Em junho, a Hungria chegou ao ponto de ameaçar vetar a adoção do sexto pacote de sançõespara conseguir que o patriarca da Rússia [e líder dos cristãos ortodoxos russos]  Cirilo fosse removido da lista das sanções. Budapeste ainda teve sucesso em negociar uma exceção ao embargo da UE ao petróleo russo.

Mais do que isso, quando a UE propôs uma redução da dependência do gás russo no continente, o ministro das Relações Exteriores da Hungria, Peter Szijjarto, reuniu-se com seu homólogo russo em julho para negociar a entrega de 700 milhões de metros cúbicos de gás natural adicionais para Budapeste.

Premiê polonês Mateusz Morawiecki discursa em palanque
Premiê polonês Mateusz Morawiecki diz que caminhos de seu país e da Hungria "se divergiram"Foto: Wojciech Olkusnik/PAP/picture alliance

É importante ressaltar que, durante sua visita a Moscou em fevereiro, o próprio Orbán já havia discutido com Putin a entrega de um bilhão de metros cúbicos de gás, além dos 4,5 bilhões que já haviam sido acordados. Isso, na esperança – fracassada – de fechar um acordo antes das eleições parlamentares húngaras.

Políticas sociais sob risco

Orbán esperava esse acordo até meados de agosto, mas o pacto parece estar frustrando as expectativas. A quantidade adicional assegurada para agosto é de apenas 52 milhões de metros cúbicos, apesar das negociações estarem, supostamente, em andamento.

A Rússia não forneceu o volume previamente acordado em razão de restrições à entrega, que teriam de passar pelo território da Áustria.

Isso gera ameaças á política social de Orbán, que visa impor um teto aos custos de energia e serviços para a população. Durante sua visita a Moscou, em fevereiro, ele declarou que os preços baixos estariam garantidos de modo permanente se o abastecimento russo estivesse assegurado.

Mas, mesmo que os benefícios do posicionamento pró-Rússia de Orbán sejam altamente questionáveis, isso indica, acima de tudo, a improbabilidade de que a Hungria possa se aproximar de qualquer maneira de seus decepcionados aliados ocidentais.

Bem além das costumeiras críticas das instituições da UE e dos EUA a questões referentes ao Estado de direito que já marcaram a imagem da Hungria como a "criança problemática" da Europa, a proximidade do governo húngaro com o Kremlin ocorre às custas de seu mais importante aliado: o governo polonês liderado do Partido da Lei e Justiça (PiS).

Grupo Visegrad em crise

Segundo o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, os caminhos dos dois países se divergiram. Orbán até já chegou a falar sobre pausar a colaboração para até depois da guerra.

Os outros dois aliados de Hungria e Polônia no grupo Visegrado, a República Tcheca e a Eslováquia, já se afastavam do governo húngaro antes mesmo da guerra. O posicionamento pró-Rússia de Budapeste somente serviu para exacerbar as diferenças.

Orbán é aclamado em convenção conservadora Cpac, no Texas
Orbán é aclamado em convenção conservadora Cpac, no Texas, onde declarou apoio a TrumpFoto: Shelby Tauber/REUTERS

O rompimento entre o polonês PiS e o partido Fidesz de Orbán também ressaltou a ambição do líder húngaro de construir uma nova aliança de direita na UE. A legenda deve continuar a cultivar laços com outras agremiações europeias, na esperança de que um dia eles possam chegar juntos ao poder.

Cooperação das forças de direita

O discurso de Orbán na Conferência de Ação Política Conservadora (Cpac) no estado americano do Texas, em 4 de agosto, onde ele expressou seus apoio ao ex-presidente Donald Trump e defendeu sua volta ao poder em 2021, demonstra que ele está comprometido com uma cooperação internacional de longo prazo com as forças conservadoras.

O fato de Orbán colocar todos os seus ovos na mesa cesta, por assim dizer, sugere o abandono das tentativas de melhorar suas relações com o atual governo dos Estados Unidos.

Essa atitude, que também caracteriza sua abordagem em relação ao status quo na Europa, seria um preâmbulo de um futuro acirramento do conflito entre a Hungria e o Ocidente, além de um clima frio nas relações diplomáticas, em um momento em que a unidade importa mais do que em qualquer outra época, desde o fim da Guerra Fria.

Prejuízo à posição da Hungria

Ainda que uma saída da UE e, em particular, da Otan não esteja em perspectiva para a Hungria – uma vez que não é do interesse do governo – as queixas de Orbán sobre a decadência ocidental e seus recorrentes gestos aos seus oponentes – principalmente à Rússia, mas também à China – continuarão sendo parte do repertório húngaro. Isso é algo para o qual os parceiros ocidentais têm de estar preparados.

Enquanto Orbán demonstra querer ampliar a capacidade de manobras da Hungria, ele, na verdade, faz exatamente o contrário. Ao prejudicar a posição húngara como parceiro confiável no Ocidente, suas políticas relegaram o país a um papel de peão, útil para desafiantes externos que desejem enfraquecer suas alianças.

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Zsuzsanna Vegh é associada científica na Faculdade de Ciências Sociais e Culturais da Universidade Europeia de Viadrina e pesquisadora visitante no German Marshall Fund dos Estados Unidos. O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW ou das instituições para as quais ela trabalha.