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Opinião: Na economia, Berlim precisa descer do pedestal

Marcel Fratzscher
8 de junho de 2017

Nem o Banco Central nem os vizinhos europeus são responsáveis pelo superávit comercial da Alemanha. Berlim deveria abandonar sua dupla moral e cuidar da própria casa, opina o economista Marcel Fratzscher.

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Letreiro defeituoso do Banco Central Europeu
É questionável se o BCE conseguirá alcançar até o fim 2018 sua meta de estabilidade, afirma FratzscherFoto: picture alliance/dpa

A indignação na Alemanha pela recusa do Banco Central Europeu (BCE) de dar fim à sua política monetária expansiva volta a aumentar e deverá se acirrar ainda mais após a próxima decisão da instituição, no começo de junho.

Afinal, a economia floresce, a inflação cresce e os riscos diminuem – avaliam muitos no país. Será que isso procede? O BCE estará agindo errado e será até mesmo o culpado por grande parte de nossos problemas – por exemplo, por nosso superávit comercial, como afirmam alguns? Ou será que os críticos visam demasiado seus próprios interesses de curto prazo?

É cedo demais para puxar as rédeas monetárias, pois hoje a economia da zona do euro está pouco mais forte do que em 2008, e a taxa de desemprego ainda é alta demais. Por isso tampouco surpreende que o BCE não tenha cumprido seu mandato de estabilidade de preços.

Os novos dados sobre a inflação são, sem dúvida, encorajadores para a Alemanha, porém se baseiam em tendências de curto prazo. É questionável se o BCE conseguirá alcançar até o fim 2018 sua meta de estabilidade e, enquanto não estiver seguro disso, também não pode mudar o curso de sua política monetária.

Marcel Fratzscher é presidente do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW)
Marcel Fratzscher é presidente do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW)

É importante o segundo ponto de crítica da Alemanha, de que o BCE estaria agindo tarde demais e perdendo o momento certo para abandonar sua estratégia. Entretanto, no momento os riscos de uma guinada precoce são significativamente mais elevados do que os de uma ação atrasada.

O Banco Central Europeu já teve essa experiência em 2008 e em 2011, quando elevou as taxas de juros, para em seguida pegar a rebordosa das crises. Ele não pode ignorar os riscos que representam o Brexit, a política econômica do presidente americano, Donald Trump, a instabilidade de numerosos bancos e as turbulências geopolíticas.

Não há dúvida que a política monetária expansiva traz riscos para o pequeno poupador alemão e para diversas instituições financeiras do país. Mas também procede que é em nosso mais legítimo interesse o BCE contribuir, com sua política monetária, para possibilitar um fim da crise europeia, assim assegurando também crescimento e vagas de trabalho a longo prazo na Alemanha.

Um aspecto particularmente pernicioso da crítica alemã ao BCE é a dupla moral com que se expressa. Ao mesmo tempo em que rechaça as propostas de reforma do novo presidente da França, Emmanuel Macron, o governo alemão tem reiteradamente responsabilizado a instituição monetária europeia pelo elevado superávit econômico do país, a fim de desviar a atenção de seus próprios erros.

A política da Alemanha sabe muito bem criticar a falta de reformas estruturais e o endividamento excessivo de nossos vizinhos europeus. Com razão, critica o fato de muitos outros europeus não respeitarem as regras comuns do bloco. No entanto, ela própria não respeita essas regras.

Um exemplo é o superávit da balança de serviços da Alemanha, que ao longo de vários anos já ultrapassa os 8%. Em vez de reconhecer esse fato e de se empenhar ativamente pela solução do problema no país, Berlim tenta contornar as regras comuns, descartá-las, taxando-as de disparate, e negar os próprios erros.

Especialmente cínica é a tentativa de responsabilizar outros pelos próprios erros na política econômica. Fato é que nem o BCE nem a política de outros países europeus são os culpados pelo superávit econômico excessivo da Alemanha, mas sim, em primeira linha, a política alemã.

Os responsáveis pelo superávit não são as exportações, nem o euro, mas sim a grande carência de investimentos da Alemanha, causada sobretudo pela insuficiência de condições básicas para investimentos privados, assim como por uma burocracia inflacionada, insegurança regulatória, crescente falta de mão de obra e carência de investimentos públicos em ensino, inovação e infraestrutura.

E, no entanto, a Alemanha é quem mais lucraria com a redução do superávit por meio de maiores investimentos, pois isso fomentaria crescimento, rendimentos e a prosperidade das cidadãs e cidadãos alemães.

Se pretendemos melhorar nossa própria política econômica e reformar a Europa, precisamos em primeiro lugar descer do nosso pedestal alto demais e parar com nossa dupla moral. A Alemanha só terá credibilidade para exigir reformas de seus vizinhos se honrar, ela própria, as regras europeias.

Responsabilizar outros pelos próprios erros, como o governo alemão está fazendo com o Banco Central Europeu, em relação ao superávit econômico nacional, não é apenas errado, mas prejudicial para a Europa.

Marcel Fratzscher é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica (DIW) e professor de macroeconomia da Universidade Humboldt, em Berlim. O presente artigo foi publicado inicialmente pela revista de economia  Handelsblatt em 29 de maio de 2017.