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Opinião: Acordo UE-Turquia sobre refugiados é só hipocrisia

Daniel Heinrich av
18 de março de 2018

Dois anos atrás Bruxelas fechou pacto para que Ancara recebesse de volta parte dos refugiados sírios. Furado de todos os lados, o acerto não passa de um erro de 6 bilhões de euros, opina o jornalista Daniel Heinrich.

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Miséria e sofrimento no campo de refugiado Moria, na ilha grega de Lesbos
Miséria e sofrimento no campo de refugiado Moria, na ilha grega de LesbosFoto: Getty Images/AFP/A. Messinis

O acordo sobre os refugiados sírios entre a União Europeia e a Turquia expõe a hipocrisia com que a política europeia lida com a crise migratória. Oficialmente, ele é vendido como sucesso, mas a realidade é bem diversa.

O pacto autoriza a UE a devolver à Turquia um sírio ingressado no bloco ilegalmente, em troca de cada um que receba do país por vias legais. Até aí, tudo bem. Na realidade, porém, a coisa não funciona em nenhum nível, como mostram os números oficiais da Comissão Europeia: desde a entrada em vigor do acordo, a UE acolheu quase 12.500 refugiados vindos da Turquia. Em contrapartida, porém, Ancara só recebeu de volta cerca de 2.100 imigrantes ilegais.

Daniel Heinrich é jornalista da DW
Daniel Heinrich é jornalista da DW

Trocando em miúdos: em vez da regra de "um para um", os europeus receberam quase seis vezes mais migrantes do que enviaram de volta à Turquia. No entanto, a culpa não é de Ancara, e sim de Bruxelas: a UE simplesmente não dá conta de processar todos os casos nos acampamentos nas ilhas do Mar Egeu.

Os turcos, por sua vez, tampouco cumprem integralmente os compromissos assumidos no acordo. Até o começo de 2018, a União Europeia transferiu 3 bilhões de euros para a Turquia, a qual, em contrapartida, deveria impedir que um volume crescente de refugiados ingressasse sem controle na UE. Dinheiro em troca de sossego, sem mais perguntas – por mais duro que possa soar, assim funciona a real-política.

O problema é que nesse ponto o pacto não funciona. A Turquia adotou, de fato, medidas como erguer cercas de arame farpado na fronteira com a Síria, evitando que grande parte dos migrantes sequer chegue a entrar em seu território. No entanto, todas as fronteiras seguem permeáveis, e atualmente o número de imigrantes ilegais volta a subir na UE.

O assessor político Gerald Knaus, considerado "inventor" do acordo UE-Turquia, é forçado a admitir que, apenas no segundo semestre de 2017, quase 20 mil migrantes chegaram à Grécia pelo Mar Egeu, mais do que o dobro do primeiro semestre.

Dizendo querer evitar uma "catástrofe humanitária", em 2015 a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, decidiu não fechar as fronteiras do país aos refugiados sírios. Diante do sofrimento humano resultante do acordo com Ancara, essa declaração soa mais do que cínica.

Segundo a organização humanitária Caritas, no momento são mantidos nas ilhas gregas mais de 13 mil homens, mulheres e crianças, cuja situação é desesperadora, nos acampamentos irremediavelmente lotados. Recentemente, por exemplo, voltaram a ocorrer choques entre os refugiados e a polícia no campo de Moria, em Lesbos.

O estado de coisas na Turquia não parece muito melhor. Organizações de direitos humanos têm repetidamente noticiado que os soldados turcos das fronteiras chegam até a atirar nos refugiados.

Em vez de melhorar a situação dos migrantes, nos últimos dois anos Merkel e seus colegas da UE têm, na realidade, tudo feito para manter o sofrimento fora das portas da Europa, onde esteja bem longe do foco constante das câmeras.

Apesar dessas falhas absolutamente gritantes, no momento não se procuram alternativas para esse acordo, seja em Bruxelas, Berlim ou Atenas. Pelo contrário: a Comissão Europeia acaba de aprovar o pagamento de novos 3 bilhões de euros à Turquia. Até o fim de 2018, portanto, a UE terá investido um total de 6 bilhões de euros para que o país vizinho mantenha longe dela ainda mais refugiados.

Repetindo: o pacto entre a União Europeia e a Turquia não resolve nenhum dos problemas reais. Ele unicamente expõe a hipocrisia da política europeia no lidar com a crise dos refugiados.

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