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Os Estados Divididos da América

Carolina Chimoy
Carolina Chimoy
27 de junho de 2022

A decisão da Suprema Corte dos EUA de derrubar o direito constitucional ao aborto marca uma virada histórica num país cada vez mais dividido e um declínio da tradição liberal americana, opina Carolina Chimoy.

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Manifestantes empunham cartaz pelo direito ao aborto em Boston
"Esta é uma guerra contra mulheres", diz cartaz de manifestante pelo direito ao aborto em BostonFoto: Brian Snyder/REUTERS

Em uma decisão histórica de 1973, a Suprema Corte dos EUA decidiu que a Constituição garante o direito ao aborto em todos os estados americanos. Conhecido como Roe versus Wade, devido ao caso que levou à decisão, o veredicto derrubou muitas restrições ao aborto estabelecidas por estados do país.

Mas na última sexta-feira (24/06), os juízes da Suprema Corte anularam essa decisão, tornando novamente prerrogativa dos estados decidir sobre a legalidade de abortos. Espera-se agora que cerca de 20 deles proíbam a prática, alguns até mesmo em casos de estupro. Arkansas, Kentucky, Louisiana, Missouri, Oklahoma e Dakota do Sul já proibiram a prática.

Há quase 50 anos, a Suprema Corte era um ambiente diferente, onde visões de mundo políticas desempenhavam um papel bem menos importante na configuração de veredictos. Naquela época, havia um senso maior de responsabilidade de manter o país unido.

Eram os tempos dourados. Os EUA eram conhecidos por suas reformas modernas e liberais. Eram um país ocidental exemplar. Mas agora tudo isso está em ruínas. Estamos testemunhando uma virada histórica.

Primeira peça do dominó caiu

Um dos maiores símbolos das guerras culturais dos EUA é a questão sobre a legalidade dos abortos. Durante seu mandato, o ex-presidente Donald Trump nomeou três juízes conservadores da Suprema Corte, fortalecendo a maioria conservadora e politizando mais o tribunal.

A histórica derrubada da decisão Roe versus Wade pela Suprema Corte aprofundou ainda mais o abismo que divide a sociedade americana: veremos ambos os campos políticos protestando. Mulheres que precisarem fazer um aborto terão que viajar para estados onde isso ainda é possível. As que não têm dinheiro para ir poderão vir a recorrer ao aborto autoinduzido, o que aumenta o risco de complicações médicas ou morte.

E a Suprema Corte pode vir a tomar ainda mais decisões divisivas, algo que um dos membros do tribunal, o juiz Clarence Thomas, sugeriu em seu voto durante o julgamento. Agora há o temor que a corte possa optar por derrubar o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que tem gerado controvérsia em muitos estados dos EUA.

Tudo isso marca uma virada histórica, com consequências difíceis de prever. E vem num momento em que os EUA deveriam lutar pela unidade em meio ao desafio de política externa representado pela guerra da Rússia contra a Ucrânia. Com uma sociedade cada vez mais polarizada, os EUA não podem liderar o mundo ocidental.

Os Estados Unidos da América se tornaram os Estados Divididos da América. Os EUA liberais estão em declínio. Em vez disso, estamos testemunhando a vitória dos conservadores e evangélicos do país, que acabaram com o direito das mulheres à autodeterminação. E estamos testemunhando a Suprema Corte assumindo cada vez mais o papel de um órgão tomador de decisões políticas.

Eleições de meio de mandato

No entanto, a anulação da Roe versus Wade também poderia motivar muito mais americanos a votar nas eleições legislativas de meio de mandato de novembro, que normalmente têm comparecimento mais baixo e que vinham sendo encaradas como uma oportunidade para os republicanos retomarem o controle sobre as duas casas do Congresso.

A decisão da Suprema Corte pode tirar os cidadãos americanos de sua apatia política e produzir um resultado eleitoral inesperado. Isso poderia até ajudar a fortalecer o presidente democrata Joe Biden –  algo que até mesmo o ex-presidente Trump teria dito considerar possível.

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Carolina Chimoy é jornalista da DW. O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.