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Os EUA e o conto das "minas inteligentes"

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Felix Steiner
9 de fevereiro de 2020

Toda arma mata, mas algumas são pérfidas. Como as minas antipessoal, cujas vítimas costumam ser civis, anos depois das guerras. Trump quer revivê-las, mas elas são proibidas por bons motivos, opina Felix Steiner.

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Cartaz vermelho com caveira branca, alertando para perigo de minas
Foto: Imago

Irmgard Weisser, uma prima de meu pai, morreu em 22 de agosto de 1950, um dia após completar 17 anos. Plantando mudas de árvores, ela bateu com a picareta numa mina explosiva presumivelmente alemã, da Segunda Guerra Mundial. Na época muitos jovens trabalhavam na Floresta Negra: a intenção era replantar o mais rápido possível as florestas, derrubadas em grande escala como parte das reparações de guerra.

É claro que esse destino trágico em minha família também tem algo a ver com a minha raiva diante da decisão de Donald Trump de voltar a equipar as Forças Armadas americanas com minas terrestres. Pois as minas antipessoal não só contam entre as armas que provocam ferimentos especialmente cruéis – fato confirmado por qualquer médico que já tenha tido que cuidar de vítimas de minas. Não: elas são também armas especialmente burras.

Em quase 90% de todos os casos, suas vítimas são civis totalmente alheios às ações de combate – muitas vezes, anos mais tarde. Veja-se Irmgard Weisser. Ou os ainda milhares de vítimas, por exemplo no Vietnam, Camboja, Afeganistão, Líbia, Nigéria, Colômbia ou na ex-Iugoslávia. Muitas delas, crianças.

Por isso a Convenção sobre a Proibição de Minas Antipessoal, assinada em 1997 em Ottawa, foi um avanço civilizatório. Atualmente 164 países aderem ao tratado, abrem mão dessas armas e ajudam outros países a detectarem os vestígios de guerras há muito encerradas. E a coisa funciona: em comparação ao ano 2000, o número anual de vítimas em todo o mundo se reduziu mais ou menos à metade.

Os Estados Unidos não aderiram à Convenção de Ottawa, assim como a Rússia, China, Índia e Paquistão. Mas pelo menos em 2014 o presidente Barack Obama se comprometeu a implementar o acordo, só excluindo a Península Coreana da proibição.

Nesse sentido, seria de esperar que Trump – que durante um tempo caracterizou como seu "amigo" o ditador norte-coreano Kim Jong Un – tomasse um curso oposto a seu antecessor, na outra direção. Agora, contudo, com as novas minas antipessoal, ele quer "dar aos militares a capacidade e flexibilidade necessárias à vitória".

Washington tenta convencer os críticos, sobretudo apontando a "inteligência" das armas mais avançadas: as novas minas se tornam inofensivas dentro de 30 dias, no máximo, além de poderem ser desarmadas apertando-se um botão. Isso, pelo menos, seria um ponto positivo em algo que é péssimo.

Por outro lado, nunca um sistema armamentista da história mundial funcionou absolutamente sem falhas. Portanto as novas minas também farão vítimas: crianças brincando, lavradores que simplesmente querem arar a própria terra – ou, justamente, plantar árvores. E cada uma dessas futuras vítimas é uma vítima demais.

Permito-me uma última observação: eu mesmo ainda aprendi a instalar minas, como soldado da Bundeswehr nos anos 80. Duas frases do sargento permaneceram inesquecíveis para mim: "A instalação de minas tem que ser sempre o último recurso. Vocês nunca podem estar seguros de que não vão ter que passar novamente pelo mesmo trecho."

A reviravolta de Trump também representaria perigo de vida, atrás de um campo minado. Só que, no caso, o perigo é só para os outros.

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