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Oceanos viram depósito de lixo nuclear

Tim Schauenberg ca
12 de março de 2020

Nove anos após acidente que contaminou costa de Fukushima, restos de testes de bombas atômicas, lixo radioativo em barris avariados e até mesmo submarinos nucleares afundados continuam a poluir os mares.

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Tanques para água residual de Fukushima
Tanques para água residual de Fukushima deverão estar cheios em 2022Foto: Reuters/T. Hanai

Quase 1,2 milhão de litros de água residual radioativa da usina nuclear de Fukushima deverão ser descartados no mar: foi o que um comitê consultivo do governo japonês sugeriu nove anos após o desastre nuclear na costa leste do Japão, em 11 de março de 2011. Desde então, essa água tem sido usada para resfriar os blocos destruídos do reator, a fim de evitar mais derretimentos.

A água é mantida em grandes tanques, mas que deverão estar cheios em 2022. O tema é polêmico, porque o desastre nuclear em 2015 levou a uma contaminação extrema na costa de Fukushima. A água radioativa fluiu "diretamente para o mar, em quantidades que nunca vimos no mundo marinho", diz Sabine Charmasson, do Instituto de Proteção Radiológica e Segurança Nuclear (IRSN) da França.

Os níveis de radiação do mar perto de Fukushima superaram em 1 milhão de vezes o limite de 100 becqueréis. Até hoje, substâncias radioativas podem ser detectadas na costa japonesa e em outras partes do Pacífico. Até mesmo na costa oeste dos Estados Unidos elas podem ser medidas, mas em proporções muito pequenas e significativamente "abaixo da quantidade nociva determinada pela Organização Mundial da Saúde", afirma Vincent Rossi, oceanógrafo do Instituto de Ciências Marinhas do Mediterrâneo (MIO) da França.

Mas isso não deixa de ser perigoso, explica Horst Hamm, da organização não governamental Nuclear Free Future Foundation. "Um único becquerel que pode adentrar nosso corpo é suficiente para danificar uma célula, que eventualmente se tornará uma célula cancerígena."

Um estudo do Parlamento Europeu chegou a uma conclusão semelhante: "Mesmo a menor dose possível, um fóton que atravessa um núcleo celular, apresenta risco cancerígeno. Embora esse risco seja extremamente baixo, ainda é um risco."

E esse risco aumenta, porque a poluição radioativa dos oceanos em todo planeta não vem somente crescendo desde Fukushima.

Usina nuclear de Fukushima
Usina nuclear foi abalada por um tsunami seguido de terremoto em 2011Foto: Getty Images/AFP

Radiação provocada pelo homem

Em 1946, os Estados Unidos foram os primeiros a testar uma bomba atômica numa região marinha, o Atol de Biquíni, no Pacífico. Nas décadas posteriores, seguiu-se um total de mais de 250 testes nucleares em alto-mar. A maioria (193) foi realizada pela França na Polinésia Francesa, como também pelos EUA (42), muitos nas Ilhas Marshall no Pacífico Central.

Até o início dos anos 1990, no entanto, o mar não foi usado somente como área de treinamento para uma guerra nuclear, mas também como um gigantesco depósito de lixo radioativo de usinas nucleares.

De 1946 a 1993, mais de 200 mil toneladas de resíduos em parte altamente radioativos foram lançados nos oceanos, a maioria em barris metálicos, segundo relata a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Também foram afundados vários submarinos nucleares, incluindo munição nuclear.

A maior parte do lixo nuclear despejado nos oceanos veio do Reino Unido e da antiga União Soviética. Até 1991, os Estados Unidos afundaram mais de 90 mil barris e pelo menos 190 mil metros cúbicos de líquido radioativo no Atlântico Norte e no Pacífico. Bélgica, Suíça, Holanda e França também descartaram toneladas de resíduos radioativos no Atlântico Norte nas décadas de 1960, 70 e 80.

"No espírito 'longe dos olhos, longe do coração', o descarte de lixo nuclear foi a maneira mais fácil de livrar-se dele no início", aponta Horst Hamm. Até hoje, cerca de 90% dessa radiação provém de barris no Atlântico Norte, estando a maioria armazenada ao norte da Rússia ou na costa da Europa Ocidental.

"Os barris estão por toda parte", diz Jannik Rousselet, do Greenpeace da França. Ele estava presente quando, no ano 2000, a organização ambiental mergulhou com submarinos em busca de tonéis de lixo despejados a poucas centenas de metros da costa norte da França, e os encontrou a uma profundidade de 60 metros. "Ficamos surpresos com a proximidade da costa. Eles estão enferrujados e vazando, a radiação aumentou claramente."

Usina nuclear de Fukushima
Tepco garante que, exceto trítio, material radioativo será filtrado da água dos tanquesFoto: Reuters

Participação alemã

Segundo o relatório da Agência Internacional de Energia Atômica, a Alemanha também despejou 480 barris na costa portuguesa em 1967. Em 2012, Berlim respondeu a uma consulta dos verdes sobre a condição desses barris.

"Os barris não foram projetados para garantir a contenção permanente dos radionuclídeos no fundo do mar. Nesse sentido, deve-se supor que pelo menos alguns deles não estejam mais intactos", respondeu o governo alemão em relatório.

Nem a Alemanha nem a França querem resgatar os barris. Até o ativista do Greenpeace Jannik Rousselet diz não ver até agora "nenhum método seguro de içar os barris enferrujados para a superfície". Assim, os resíduos nucleares continuarão contaminando o fundo do mar nas próximas décadas.

Para Horst Hamm, as consequências de longo prazo são claras. A radiação é "absorvida pelos animais marinhos ao redor. Eles acabarão nas redes de pesca e finalmente nos nossos pratos", afirma.

No relatório, no entanto, o governo alemão classifica o risco de peixes contaminados para os seres humanos como "insignificante". Rousselet discorda: "Toda a área da costa está contaminada com radioatividade. Pode-se medi-la não apenas no mar, mas na grama, na areia, em todo lugar."

O descarte de resíduos nucleares em barris foi proibido em 1993 pela Convenção de Londres sobre a Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias. No entanto, a descarga de líquidos radioativos no oceano ainda é permitida internacionalmente.

Em Fukushima, a operadora da usina nuclear, Tokyo Electric Power Company (Tepco), garante que, antes do planejado descarte do líquido de resfriamento no mar, todos os 62 elementos radioativos serão filtrados da água a um nível seguro – exceto o isótopo trítio.

Em Tóquio, o grêmio consultivo diz considerar a descarga da água de resfriamento no mar como "mais segura" em comparação com outros métodos, como a evaporação da água. Quão prejudicial o trítio seja para os seres humanos é motivo de controvérsia. Segundo a Tepco, a quantidade de trítio nos tanques coletores é muito maior do que na água de resfriamento convencional de usinas nucleares.

"Os pescadores e residentes locais não podem aceitar o descarte da água", disse em comunicado Takami Morita, do Instituto Nacional de Pesquisa em Ciências da Pesca. Embora a poluição da pesca esteja hoje abaixo do limite, a demanda por peixes da região caiu para um quinto em relação à anterior ao desastre.

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