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O que vai ser da Lava Jato sob a procuradora Raquel Dodge?

18 de setembro de 2017

Indicada por Temer, sucessora e rival de Janot já sinalizou que será dura com vazamentos e mais cautelosa com delações. Num primeiro momento, ela terá pela frente a condução da segunda denúncia contra o presidente.

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Raquel Dodge será a primeira mulher a chefiar a Procuradoria-Geral da República do Brasil
Raquel Dodge será a primeira mulher a chefiar a Procuradoria-Geral da República do BrasilFoto: Agência Brasil/M. Camargo

A partir desta segunda-feira (18/09), a Procuradoria-Geral da República (PGR) do Brasil será, pela primeira vez, chefiada por uma mulher. Essa marca histórica deve, no entanto, logo ficar em segundo plano diante da tarefa hercúlea que Raquel Dodge terá pela frente: a herança de dezenas de denúncias criminais e inquéritos contra a classe política e a substituição de Rodrigo Janot, o mais barulhento chefe da PGR desde a redemocratização.

Leia mais: O fim da era Janot

Leia mais: Como Temer pode escapar também da segunda denúncia de Janot

Dodge também assume sob a pressão de reparar os danos causados à imagem do órgão na esteira da delação da J&F. O fato de ter sido escolhida pelo presidente Michel Temer levantou dúvidas sobre como vai ser sua postura em relação aos rumos da operação Lava Jato. Imediatamente, ela terá pela frente a condução da segunda denúncia criminal contra Temer, apresentada por Janot em seus últimos dias de mandato.

Mudança de estilo

A chegada de Dodge ao comando da PGR também marca o fim da hegemonia dos "tuiuiús", o apelido dado aos procuradores que se opunham à atuação do procurador-geral Geraldo Brindeiro (1995-2003), conhecido como o infame "engavetador-geral da República" devido a seu hábito de arquivar denúncias durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Entre 2003 e a chegada de Dodge, a PGR sempre foi comandada por um "tuiuiú".

Dodge, de 56 anos, apesar de ser uma veterana do Ministério Público Federal (MPF) – ela entrou em 1987 –, é parte de um grupo rival de Janot no órgão e já teve pelo menos uma briga interna com o antecessor. A escolha dela também quebrou uma tradição que prevalecia desde 2003: a do presidente escolher o primeiro nome da lista tríplice elaborada por votação entre os membros da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Dodge foi a segunda mais votada, atrás de Nicolao Dino, o candidato apoiado por Janot.

Antes mesmo da posse da procuradora-geral, já ocorreram movimentações na organização da PGR, em especial na composição da equipe responsável pela Lava Jato. Com a chegada de Dodge, apenas dois dos dez procuradores responsáveis pelos casos contra políticos com foro privilegiado devem permanecer. O restante será substituído por nomes já escolhidos pessoalmente pela procuradora-geral, vários deles veteranos de casos envolvendo políticos, como o mensalão.

Dodge também já explicitou outra diferença em relação ao estilo Janot: deve ser mais dura no combate a vazamentos. Em sua sabatina no Senado, ela propôs a criação de uma "cadeia de custódia" dentro da PGR sobre informações de investigações. Segundo o raciocínio, se alguma informação vazasse, seria mais fácil apontar os responsáveis.

Dodge afirmou ainda que quer mecanismos mais rígidos de verificação das delações premiadas, como um grupo de procuradores que será exclusivamente responsável por fiscalizar provas do que foi dito e o cumprimento dos acordos. A nova procuradora-geral tocou no assunto antes mesmo da revelação das suspeitas sobre a colaboração da J&F. Sua postura mais cautelosa deve influenciar casos que envolvem possíveis novos candidatos a delator, como o ex-ministro Geddel Viera Lima e o ex-deputado Eduardo Cunha.

Durante a fase de debates para a elaboração da lista tríplice, Dodge manifestou apoio à Lava Jato, mas também fez uma ressalva. "A Lava Jato tem demonstrado que ninguém está acima da lei, e o povo brasileiro já entendeu esse enredo. Mas é preciso um esforço para que ninguém esteja abaixo da lei", disse, insinuando que haviam sido cometidos abusos na gestão Janot, mas sem especificar quais teriam sido.

Controvérsia e dúvidas

Entre a indicação e a posse, Dodge se envolveu em pelo menos uma controvérsia: ela se encontrou com Temer em uma reunião não divulgada na agenda do Planalto, logo após a rejeição pela Câmara da primeira denúncia que pesava contra o presidente. Ela disse que na ocasião apenas tratou da sua posse com Temer.

À época da indicação, em junho, procuradores do núcleo da Lava Jato em Curitiba saudaram a escolha de Dodge. "Com certeza vai ser um estilo diferente, mas estamos confiantes de que ela vai manter o bom trabalho", disse à DW Brasil o procurador Paulo Roberto Galvão. No entanto, após o encontro com Temer, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, também da força-tarefa em Curitiba, adotou um tom mais desconfiado. "Eu tenho para mim que encontros fora da agenda não são ideais para nenhuma situação de um funcionário público", disse.

O jurista e ex-desembargador Walter Maierovitch, disse que, por enquanto, vê com preocupação o futuro da Lava Jato sob o novo comando, "especialmente depois do encontro fora da agenda com Temer".

"Ela precisa deixar claro o que pretende, e não só sugerir que enxerga coisas erradas na Lava Jato sem dizer quais são", disse. "Esse tipo de atitude, em um momento em que o Brasil consegue resultados concretos contra a corrupção, é desanimadora."

Já o professor de direito constitucional Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, afirmou que ainda é preciso esperar para ver como Dodge vai se comportar. Ele, no entanto, disse que, mesmo que quisesse, a procuradora-geral dificilmente conseguiria colocar em prática medidas para melar a Lava Jato.

"Houve uma cobertura negativa a respeito dela por se tratar da segunda colocada e, dentro da política interna do MPF, de uma adversária de Janot. De qualquer forma, seria difícil ela desmontar a estrutura de inteligência e investigação montada por Janot. Para fazer isso, não bastaria ser adversária do ex-procurador-geral, também teria que ser aliada de Temer. E não há indicação disso", afirmou.

O professor também lembrou que Dodge tem uma longa trajetória no MPF de atuação em casos de corrupção. Durante a carreira, ela atuou no caso que resultou na condenação do ex-deputado Hildelbrando Pascoal e na Operação Caixa de Pandora, que revelou o mensalão do DEM no Distrito Federal. Foi Dodge que pediu em 2010 a prisão do então governador, José Roberto Arruda.

A experiência de Dodge na área penal também é maior do que a de Janot na época de sua posse. Entre 2012 e 2013, ela atuou como coordenadora da Câmara Criminal do MPF e tem um longo histórico de atuação em causas ligadas aos direitos humanos.

Se só o tempo poderá dizer como serão todos os aspectos da Lava Jato sob Dodge, o mesmo não se pode dizer sobre o antagonismo entre ela e Janot, que ficou ainda mais claro nos últimos dias. Segundo os jornais O Globo e Folha de S. Paulo, o ex-procurador-geral não deverá comparecer à posse da sucessora nesta segunda-feira. Janot teria considerado uma descortesia o fato de seu convite para a cerimônia ter sido enviado por e-mail, enquanto outras figuras receberam notificações impressas entregues pessoalmente por Dodge.