Delta do Níger
13 de outubro de 2011
Há anos a Nigéria luta contra a poluição causada pela produção de petróleo no Delta do Níger. Trata-se de uma catástrofe ambiental em grande parte ignorada pela opinião pública mundial. Gasodutos com vazamentos, minirefinarias ilegais e a queima de gás poluem até hoje o meio ambiente.
"A cada ano é despejado no Delta do Níger petróleo equivalente ao desastre do Exxon Valdez no Alasca", estima o ambientalista nigeriano Nnimmo Bassey, que este ano participou da conferência LitCam (Literacy Campaign), evento que faz parte da programação da Feira do Livro de Frankfurt.
Segundo um relatório divulgado em 2011 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), o solo da região de Ogoni, no Delta do Níger, está contaminado até uma profundidade de cinco metros, e as águas subterrâneas de muitos lugares estão cobertas com resíduos de petróleo.
Muitos manguezais morreram porque estavam cobertos por uma camada de resíduo betuminoso. Em muitos locais a água que as pessoas bebem está contaminada com resíduos cancerígenos, que, em parte, ultrapassam 900 vezes os limites da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os custos de uma campanha de limpeza seriam provavelmente os maiores da história da humanidade: 100 bilhões de dólares, segundo estimativas da ONG nigeriana Environmental Rights Action (EEI), presidida por Bassey. "Não acredito, porém, que possamos reparar o dano em todos os lugares, provavelmente vamos ter que conviver com zonas ecológicas mortas", disse o ambientalista.
Mas Bassey não luta pela conservação do meio ambiente apenas na Nigéria. Em cooperação com outras organizações ambientalistas, ele criou várias redes para acompanhar a produção de petróleo na África e em outros continentes. Pelo seu engajamento, ele recebeu em 2010 o Prêmio Nobel Alternativo.
Bassey, que é também presidente da Amigos da Terra Internacional, foi entrevistado em Frankfurt pelo jornalista Johannes Beck, chefe da redação Português para a África da Deutsche Welle.
Deutsche Welle: Sabemos que a alfabetização pode contribuir para proteger o nosso clima e o nosso meio ambiente. Os países industrializados, como a Alemanha, têm um nível de alfabetização elevado, mas nós ainda somos responsáveis por uma grande quantidade de emissões de dióxido de carbono. O que nos falta?
Nnimmo Bassey: O mundo industrializado perdeu em grande parte – e digo isso com todo o respeito – a conexão com a natureza. Eu poderia lhe perguntar: quando foi a última vez que você olhou para o céu à noite para ver as estrelas? Se você estiver numa cidade com muita luz elétrica, em todos os lugares, provavelmente não sabe como é um belo céu noturno. E isso é apenas um pequeno exemplo.
Nós precisamos trazer o conhecimento para um nível popular. Nossos cientistas têm que ser retreinados para comunicar o seu trabalho de uma forma popular, falar a língua que o povo na rua pode entender. Porque se você continuar produzindo estatísticas e coisas que soam estranhas para as pessoas, isso é válido como um achado científico, mas não tem nada a ver com as pessoas.
Elas querem aquilo com que podem se relacionar, aquilo que elas possam entender. Então é necessário fazer com que aqueles que estão analisando as situações se conectem num nível popular, de igualdade, com aqueles que estão sofrendo os impactos.
Você diz que os países industrializados perderam a conexão com a natureza. Mas quando eu viajo para a América Latina, África ou Ásia, sinto que, ao menos nas grandes cidades do mundo em desenvolvimento, as pessoas também têm uma ligação muito frágil com a natureza. Muitos países ainda não alcançaram o nível de emissões de dióxido de carbono que temos aqui nos países desenvolvidos, mas eles estão caminhando para isso, além de causar enorme quantidade de poluição com garrafas ou sacolas plásticas, por exemplo. É realmente um problema apenas dos países industrializados ou será que nós precisamos de uma "reconexão" mundial com a natureza?
Precisamos de uma reconexão mundial, mas não podemos esquecer a base histórica do conflito e dos desafios que estamos enfrentando. Quando os cientistas nos dizem que 80% do espaço atmosférico para o carbono já foi ocupado, isso não foi feito pelos países em desenvolvimento.
Sabemos de algumas entidades muito poluentes, que pegaram para si e ocuparam a atmosfera. Elas não querem negociar como os 20% restantes podem ser compartilhados. Elas realmente não se importam com o que vai acontecer no dia seguinte, porque elas têm melhores condições de enfrentar a tempestade que inevitavelmente vai confrontar todos nós.
Mas, de novo, se generalizamos, é bom olhar para os detalhes: também temos o norte global no sul, e o sul global no norte. Porque há também pessoas muito ricas nos países pobres que vivem vidas muito dispendiosas e que produzem tanto mal quanto os outros.
Eu estou pessoalmente empenhado na aproximação de pessoas em todo o mundo para confrontar o poder, porque o poder corporativo conquistou estruturas públicas em todo o mundo.
É o poder corporativo que não deixa vir à tona muitas das histórias sobre a poluição pelo petróleo no Delta do Níger? Por que as pessoas falam tanto sobre a poluição de petróleo no Golfo do México ou no Alasca, mas esquecem o Delta do Níger?
O vazamento de petróleo no Golfo do México foi em grande parte – e eu lamento dizer isso – uma coisa "boa" porque ajudou a mostrar a dualidade de critérios da mídia de massa, por exemplo sobre como ela cobre desastres ambientais.
Quando o vazamento de petróleo no Golfo do México ocorreu, em abril de 2010, o mundo inteiro estava focando nele. Até câmeras submarinas foram instaladas para que pudéssemos ver os esforços para impedir o vazamento. E nenhum esforço foi poupado, até mesmo pelas estruturas políticas.
Esse fato nos revelou o poder da indústria e também as práticas da indústria: nos Estados Unidos foi revelado que não foi feita uma avaliação ambiental específica antes que eles começassem a perfuração. Eles não estavam preparados para situações de emergência.
E a avaliação ambiental também afirmou que, independentemente do tamanho do vazamento, ele não chegaria à costa dos Estados Unidos. Então, esse tipo de falsidade foi produzido pela indústria e os Estados Unidos aceitaram. Se vemos o nível de controle e de conivência que existe num país avançado como os Estados Unidos, é fácil ver o que está acontecendo no meu país! Temos derrames de petróleo equivalentes a um Exxon Valdez a cada ano.
De fato, em 2008 e 2009 houve um vazamento que especialistas estimaram em 480.000 barris de petróleo bruto. Num único acidente! Isso se estendeu por quatro meses, até alguém resolver. O caso está correndo nos tribunais do Reino Unido, onde a Shell admitiu que é culpada por essa poluição, o que é muito raro. Eles quase nunca aceitam que são culpados por alguma coisa.
Então, por que não há um foco na Nigéria? A poluição está acontecendo no fim do mundo. Desde que não afete diretamente a Europa ou a América do Norte, a Austrália ou o Japão, os meios de comunicação internacionais não estão realmente interessados. Aqueles jornalistas que vêm atrás de histórias como essa são freaks.
Mas essas são as histórias que o mundo precisa ouvir! As pessoas estão bebendo água com benzeno cerca de 900 vezes acima dos padrões da Organização Mundial da Saúde. As empresas petrolíferas que operam na Nigéria não seguem as suas próprias normas, nem as normas nacionais e nem as normas internacionais. Esse tipo de crime é realmente condenável.
Shell ao menos admitiu vários vazamentos de petróleo, mas a empresa também afirma que 98% da poluição por petróleo no Delta do Níger é causada pela população local pelo roubo ou desvio de petróleo. Isso é verdade? Se for, como poderia ser educada a população local para não destruir seu próprio ambiente?
Eu diria que a Shell diz um monte de mentiras. Não acredite em tudo que eles dizem. Nos anos 1980 eles estavam dizendo em anúncios nos meios de comunicação britânicos que 80% da poluição oriunda de incidentes em pipelines era causada pela população local. Isso foi nos anos 80! Eles disseram o mesmo no início da década de 1990.
Foi quando o conselho de publicidade britânico disse a eles para fazer esse tipo de acusação apenas com provas. Foi quando eles pararam. Mas agora novamente eles voltaram com a mesma história.
Mas devo admitir que entre 2005 e 2007 houve um aumento dos incidentes de sabotagem. Mas isso foi sabotagem política. E sempre que a sabotagem estava para acontecer, ela foi anunciada por email ou através da mídia.
Então não são coisas que você precisa descobrir quem fez. Aqueles que fizeram alegaram que iriam fazê-lo por razões políticas e econômicas. Nós, do movimento de justiça ambiental, e também a minha organização, condenamos cada ação de sabotagem porque prejudica o meio ambiente e não resolve o problema.
Esse ponto, de que a Shell e outras companhias dizem "olhem só, as pessoas estão roubando petróleo", não é muito correto. Deixe-me explicar o que quero dizer. O nível de petróleo roubado na Nigéria não é o que as pessoas podem levar em copos ou garrafas ou baldes. As pessoas da comunidade recolhem produtos petrolíferos quando há vazamento nos pipelines. Ouso dizer que, se houver um vazamento de gasolina em algum lugar aqui perto, alguns proprietários de carros podem querer recolher alguns litros. Talvez isso não aconteça na Alemanha, mas isso acontece em outros países.
A verdade sobre a indústria petrolífera na Nigéria é que há um tal nível de falta de transparência que mesmo o Estado nigeriano não tem informações sobre a quantidade de petróleo que está sendo extraído diariamente. As companhias de petróleo não revelam à instituição oficial que auditora o setor sobre a quantidade de petróleo extraído.
Eu e minha organização acreditamos que cerca de 1 milhão de barris de petróleo são roubados todos os dias. Isso é feito por consórcios internacionais. É feito por pessoas da indústria e das estruturas de governo.
O que nós dizemos é: parem com as concessões de novos blocos. Parem com o roubo de petróleo. Se você parar o roubo de petróleo, vai recuperar 50% do petróleo bruto. Isso traria mais receitas para o governo, que poderia usar esse dinheiro para desenvolver o país.
Esta segunda-feira (10/10) é provavelmente um dia muito especial para você. Ken Saro-Wiwa, que trabalhou com você e foi executado em 1995 pela ditadura militar nigeriana, completaria 70 anos. O que ele significa para você?
Eu diria que ele me inspirou para que eu me tornasse um ativista pela justiça ambiental. Eu comecei a minha vida como ativista de direitos humanos contra a ditadura militar na Nigéria, contra as condições carcerárias precárias.
Saro-Wiwa começou a organizar o seu povo, o povo Ogoni, nos anos 70, exigindo proteção ambiental, lutando por justiça e até mesmo expulsando a Shell da região de Ogoni em 1993. Esse foi o ano em que a minha organização começou.
Nós descobrimos que a maioria das questões de direitos humanos pelas quais lutávamos foram causadas pelos impactos ambientais da extração do petróleo e do uso dos militares para reprimir as pessoas, para que as empresas pudessem manter a extração e a poluição em curso.
Quando lembramos o seu aniversário, e daqui a alguns meses vamos relembrar o dia em que ele foi executado, sinto como se ele tivesse sido reabilitado. Porque o relatório do Unep confirmou que tudo o que Ken Saro-Wiwa estava dizendo era verdade. Ele não estava inventando nada.
E agora nós realmente devemos exigir um pedido de desculpas da Nigéria e da Shell por trabalharem juntos para executar ele e oito outros líderes Ogoni. Isto faz parte do hino nacional da Nigéria: "o trabalho de nossos heróis do passado nunca deverá ser em vão".
Ken Saro-Wiwa é um grande herói – o número na Nigéria para mim! Ele era um homem de cultura, um escritor que escreveu poesia, teatro, romances e ainda produziu TV. Todas as ferramentas culturais disponíveis ele usou para educar o seu povo sobre as questões ambientais e políticas.
Um dos meus poemas favoritos se chama: "Nós pensamos que era o petróleo, mas era sangue." A ideia central é: nós estamos sangrando a Terra até a morte. A Terra está numa cama doente, lutando para respirar. Eu acredito que o conhecimento e ícones como Ken Saro-Wiwa podem nos inspirar para realmente lutar por justiça. Quando você está no caminho da verdade, não importa o quão inconveniente ele seja, mesmo que você perca sua vida numa luta; se você defende a verdade, a verdade sempre vai prevalecer. Você pode matar o mensageiro, mas nunca poderá matar a mensagem.
Autor: Johannes Beck (bv)
Revisão: Alexandre Schossler