1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Nassau, um humanista nos trópicos

Neusa Soliz23 de fevereiro de 2004

Governador das possessões holandesas no Brasil, Maurício de Nassau demonstrou grande habilidade e visão nos seus 7 anos no Nordeste.

https://p.dw.com/p/4hL2
Retrato de João Maurício em sua juventudeFoto: IFER/ Carl Brunn

O documento da nomeação de Maurício de Nassau pela Companhia das Índias Ocidentais em 1637 e um dos 12 anuários da companhia sobre os acontecimentos no Brasil são alguns dos objetos expostos no Museu de Arte Moderna de Siegen, onde se encontra a parte brasileira da exposição "Partida para novos mundos – Johann Moritz von Nassau-Siegen, o Brasileiro".

Os livros de História do Brasil ressaltam a regência humana, a tolerância e o impulso que Nassau deu ao Nordeste até 1646. Essa visão positiva é a base das comemorações do quarto centenário de seu nascimento, este ano. Mas não apenas no Brasil: a Universidade de Siegen, região alemã onde ele nasceu, realizou um simpósio de 18 a 20 de fevereiro com participação de cientistas do Brasil, Holanda e Alemanha.

Obras que traçaram imagem do Brasil na Europa

Maurício de Nassau embarcou com uma comitiva de pintores, artistas e cientistas, 150 anos antes das expedições de Alexander von Humboldt pela América Latina. O resultado foram quadros, gravuras e desenhos únicos, mapas e levantamentos da fauna e flora brasileiras ricamente ilustrados.

Eles ajudaram a formar a imagem do Novo Mundo na Europa, numa época em que só havia relatos mais ou menos fantasiosos sobre os nossos índios canibais. Entre os livros preciosos expostos em Siegen está o que Jean de Léry escreveu sobre os dez meses vividos entre os tupinambás, publicado em 1586 em Genebra – um dos poucos com visão etnográfica.

Muitas dessas obras de Georg Markgraf e Willem Piso, autores da Historia Naturalis Brasiliae (Amsterdã, 1648), a primeira obra científica sobre a natureza brasileira serviram de referência a estudiosos por mais de um século. Desenhos da nossa flora e fauna feitos durante os anos de Nassau foram copiados, mesmo 100 ou 200 anos depois, como os peixes brasileiros magistralmente coloridos por Marcus Elieser Bloch, incluídos na "História Natural dos Peixes Estrangeiros", publicada em Berlim no século 18.

Curioso é ver original e cópia, lado a lado, como as lindas cartas de Olinda de Markgraf e suas reproduções por José e Oliveira Barbosa no século 19. Se algumas delas traçam apenas poucas linhas dos contornos geográficos, outras estão repletas de desenhos detalhados com cenas de índios, lutas, guerras e engenhos de cana.

Visão, diplomacia e tolerância

A produção de açúcar desempenhou um importante papel na regência de Nassau. Após uma tentativa frustrada de tomar Salvador e evitar a retomada de Pernambuco pelos portugueses, Nassau se dedicou a consolidar o domínio holandês e a recuperar a indústria açucareira, que sofrera os efeitos da guerra e da fuga de escravos e donos de moinhos.

Franz Post, Das Dorf Ipojuca, Siegerlandmuseum Siegen.jpg
Frans Post, A aldeia Ipojuca, quadro exibido em SiegenFoto: Siegerlandmuseum Siegen

João Maurício convidou os habitantes a voltarem, garantiu-lhes liberdade de culto, devolução de terras e engenhos e direitos iguais aos dos holandeses, observa Gerhard Brunn, da Universidade de Siegen, no catálogo que acompanha a exposição. Assim, estabeleceu um pacto com os luso-brasileiros, que desistiram de sua resistência contra os holandeses, pelo menos por uns anos.

Escravos: a mácula

Ao permitir a coexistência do protestantismo, catolicismo e judaísmo no Brasil, praticou uma tolerância que não havia na Europa das guerras religiosas. Na Alemanha, porém, era diferente. Protestante calvinista, João Maurício entrou em conflito em Siegen com seu irmão João VIII, que era católico, e não permitiu o assentamento de judeus na região.

A produção de açúcar e o comércio logo floresceram com os créditos que conseguiu junto à Companhia das Índias Ocidentais, modernas técnicas e a compra de escravos. A única mácula na imagem humanista de Nassau foi seu engajamento em prol do tráfico de escravos. Por sua intervenção, os holandeses passaram a controlá-lo, depois de conquistar os postos na África, antes em mãos dos portugueses.

Recife e Mauricéia

Como Recife tornara-se pequena para a prosperidade, Nassau mandou secar os pântanos da ilha Antonio Vaz, ali construindo uma cidade completamente planejada. Três pontes uniam Recife a essa nova cidade, Mauricéia (Mauritsstad). Em Recife viviam as pessoas ligadas ao porto e ao comércio, na Mauricéia os holandeses, funcionários e ricos comerciantes.

Ali ele mandou construir seu palácio de Vrijburg (Friburgo). Por poucos anos, a atual capital pernambucana gozou do luxo e brilho de uma corte real européia. Para isso muito contribuíram os artistas e cientistas que acompanharam João Maurício.

Taufschale
João Maurício recebeu esta salva de ouro ricamente ornamentada, de uma delegação africana no Brasil. O artesanato é dos índios peruanos. Uma vez em Siegen, mandou imprimir seu escudo e deu-a a uma igreja da cidade, onde ela foi usada como pia batismal.Foto: Nikolaikirche Siegen

Seu trabalho deveria ressaltar os méritos do regente, passar a imagem de um Brasil rico e paradisíaco e servir de propaganda para a Companhia das Índias conseguir mais investidores. Independente disso, o príncipe de Nassau incentivou essas atividades por interesse próprio.

Os pintores e seus temas

No museu de Arte Moderna, estão expostos 9 quadros de grande formato de Albert Eckhout, cedidos pelo Museu Nacional de Copenhague, em que ele retrata índios aculturados e selvagens, mulatos, negros e mamelucos. Todos estilizados e . colocados em cena com seus adereços – roupas, armas e animais, com o que Eckhout construiu sua própria realidade artística. Valor etnológico tem somente a sua dança dos índios tarairu.

Já Frans Post pintou principalmente paisagens. Seus quadros são verdadeiras jóias: retratam as paisagens exuberantes do nordeste brasileiro, com a técnica e o rigor formal da pintura holandesa do século 17, a mais perfeita da época.

O declínio e a volta à Europa

Nassau era bem aceito pela população local, mas não o domínio holandês. Quando os donos de engenhos não puderam mais pagar os créditos, com a crise do açúcar no mercado mundial, a resistência tomou novo alento.

Por outro lado, a dependência total da colônia começou a sobrecarregar a Holanda, que não se via em condições de atender aos pedidos de Maurício de Nassau por mais soldados. A companhia acusava-o de desperdiçar recursos com suas construções e os custos de sua corte, o que a exposição documenta com uma lista de gastos exorbitantes da sua cozinha.

Nassau antecipou-se ao fim das aventuras holandesas em terras brasileiras, entregando o cargo e embarcando para a Europa em 6 de maio de 1644. E se confiarmos na descrição de Caspar Barlaeus, autor da história do Brasil sob a regência de Nassau, o príncipe teve uma despedida triunfal, recebendo inúmeras mostras de simpatia.