1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
HistóriaAlemanha

Movimentos antivacina marcam história da Alemanha

14 de janeiro de 2021

País europeu tem longo histórico de ceticismo em relação aos imunizantes, com teorias conspiratórias e clichês antissemitas desempenhando papel essencial nas primeiras campanhas antivacina no século 19.

https://p.dw.com/p/3nvQ1
Mulher em protesto de negacionistas da covid-19 em Colônia segura cartaz com inscrição "vacina obrigatória é crime"
Mulher em protesto de negacionistas da covid-19 em Colônia segura cartaz com inscrição "vacina obrigatória é crime" Foto: Geisler-Fotopress/picture alliance

Muitos boatos circulam na Alemanha sobre vacinas contra a covid-19. Alguns alegam que o imunizante causa doenças, outros propagam que a vacinação só serve ao Estado para coletar dados. Movimentos antivacina andam agitados, embora não haja no momento no país europeu a obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus.

O debate sobre vacinação sempre foi "altamente político" na Alemanha, afirma o historiador Malte Thiessen à DW. "A imunização sempre foi mais do que uma picada. É também sobre uma visão de mundo". Ela tem relação com o próprio corpo, o meio social e o Estado.

O debate acalorado em torno do tema não é novo. "Há 200 anos a vacinação já era controversa e gerava debates políticos intensos", conta Thiessen.

O fato de os alemães, em comparação internacional, serem mais críticos a vacinas tem relação com a história da imunização desde o século 19. Muitos dos argumentos e estereótipos daquela época estão presentes até hoje.

Vacinação obrigatória contra a varíola

A lei imperial de vacinação entrou em vigor em 1874 como resultado do avanço da varíola em toda a Europa. Somente na antiga Prússia, a doença causou dezenas de milhares de mortes. A vacina contra a varíola tornou-se então obrigatória e causou controvérsia.

Nesta época, o chamado Movimento Reforma da Vida virou moda. Seus adeptos acreditavam em meios naturais para fortalecer o corpo, como tomar sol ou dietas especiais. As primeiras organizações antivacinas haviam sido fundadas em 1869 em Leipzig e Stuttgart – cinco anos antes da lei imperial. A Associação Imperial para o Combate à Vacinação Obrigatória reuniu em pouco tempo 300 mil integrantes.

Para eles, a imunização era "coisa do diabo", conta Thiessen. "Algo artificial, químico, sendo injetado no corpo. Isso ajuda a explicar a enorme oposição a vacinas em círculos alternativos na Alemanha até hoje".

Teorias de conspiração e clichês antissemitas desempenharam um papel desde o início das primeiras campanhas antivacina. De acordo com Thiessen, foi espalhado que vacinas eram parte de uma conspiração judaica global para prejudicar o corpo do povo alemão. Esses clichês antissemitas aparecem atualmente em tuítes e mensagens de seguidores de movimentos antivacinas.

Cético da vacinação

A crença em um Estado onipotente que estaria forçando a vacinação dos cidadãos não é nova e também é possivelmente um dos motivos para a baixa prontidão de alemães em se vacinar. Numa pesquisa internacional realizada em dezembro pelo Fórum Econômico Mundial, a Alemanha aparece na metade inferior da lista dos países prontos a aceitar um imunizante.

Os números de idosos com mais de 65 anos que tomam a vacina da gripe no país mostra essa mesma disposição. Muitos alemães temem mais o imunizante do que o vírus. Em 2019, apenas 35% dos idosos alemães se vacinaram contra a influenza, contra 85% dos coreanos e 72% dos britânicos.

A prontidão para se vacinar é maior nos estados do Leste do que do Oeste, mostrou uma pesquisa do Instituto Robert Koch (RKI). E há uma razão histórica para essa diferença.

Guerra Fria da vacina

Na antiga República Democrática Alemã (RDA), de regime comunista, a vacinação contra difteria, tuberculose e varíola era obrigatória. Quem se recusasse, poderia levar uma multa de até 500 marcos orientais.

Na Alemanha Ocidental, ao contrário, a obrigatoriedade foi em grande parte abolida e se passou a dar ênfase em campanhas educacionais e na vacinação voluntária.

Nos anos 1960, a Alemanha Oriental, por exemplo, foi muito mais rápida do que a Ocidental em implementar um programa de vacinação sistemático contra a poliomielite, que causa paralisia infantil. O resultado: os casos da doença caíram rapidamente na RDA, enquanto do lado capitalista a epidemia se espalhava.

Na corrida pela "saúde pública", a Alemanha Oriental estava na liderança e fez propostas generosas à inimiga. Segundo Thiessen, em 1961, a RDA ofereceu 3 milhões de doses da vacina contra a pólio à Alemanha Ocidental devido ao suposto fim da epidemia em seu território.

"Isso teria sido um sucesso propagandístico para o Leste", completa Thiessen. O então chanceler federal Konrad Adenauer recusou educadamente a oferta.

Obrigatoriedade como último recurso

No início desta semana, o governador da Baviera, Markus Söder, provocou furor com uma proposta. Após muitos profissionais de saúde estarem se recusando a se vacinar contra a covid-19, ele sugeriu que a vacinação passasse a ser obrigatória para esse grupo.

Thiessen alerta contra a ideia, argumentando que a imunização obrigatória de determinados grupos deveria ser "o último recurso". Uma opção melhor seria um apelo para o senso ético da profissão. "Sanções não adiantam se alguém se recusa a tomar uma vacina", acrescenta o historiador.

Thiessen aponta ainda um problema secundário comprovado pela história: a falsificação de comprovantes de vacinação. "Isso tornaria a equipe médica potencialmente contagiosa, mas não identificável como tal".