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Machismo: centrão quer cargo de ministras e ameaça deputadas

Nina Lemos
Nina Lemos
11 de julho de 2023

Não é coincidência que os postos de alto escalão ocupados por mulheres sejam os que corram mais risco. Mexer com elas (no mundo da política e não só nele) parece ser mais fácil.

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Ministras, presidentes da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil e primeira-dama lado a lado em sala onda há uma bandeira do Brasil
Ministras, presidentes da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil e primeira-dama reunidas em Brasília em marçoFoto: Ricardo Stuckert/PR

Quando o ministério do novo governo Lula foi anunciado, nós, que prezamos pela diversidade, respiramos aliviados. Isso porque finalmente vimos um governo que parecia não seguir tanto o perfil "o macho adulto branco sempre no comando" que caracteriza a política brasileira há décadas.

Nós, mulheres, também celebramos o fato de 11 dos ministérios serem ocupados por mulheres, o que fez o governo atingir a marca de 29% de participação feminina. Sim, é pouco, admito. E é verdade, nos contentamos com migalhas. Mas o panorama da política brasileira é tão masculino, que isso não deixou de ser uma conquista. Até agora, esse é o governo com mais mulheres na história.

Mas essas mulheres estão em risco. O governo tem pouco mais de seis meses e várias ministras já ficaram na corda bamba, correndo o risco de serem rifadas em nome da governabilidade. Outras correm esse risco agora mesmo.

Explico. O centrão, aquele grupo formado por vários partidos de centro-direita e que tem o maior número de cadeiras no Congresso, passou (como é típico deles) a exigir ministérios e cargos para a aprovação de propostas do governo. O governo tem concordado. E, olha que surpresa (ironia), eles miram principalmente as mulheres. Isso não é coincidência. É machismo mesmo. Para quem já esqueceu, foi esse próprio centrão um dos principais articuladores do impeachment de Dilma Rousseff em 2016. No jogo político, mulheres parecem valer preço de banana.

E não importa o quão competente elas sejam. Em seis meses de governo, já tiveram risco de perder poder alguns dos nomes mais fortes tecnicamente (incluindo os homens nessa conta, claro), como Marina Silva, uma das ambientalistas mais importantes do mundo, que teve o poder de seu ministério esvaziado com a anuência do presidente. Na época, falou-se até sobre o risco de Marina sair, o que seria uma enorme perda. Depois de negociações e muita pressão popular, Marina ficou (ufa). Assim como a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que também teve seu poder diminuído.

Em seguida, foi a vez da médica da Fiocruz Nísia Trindade Lima, uma cientista renomada, que era presidente da Fiocruz e hoje é ministra da Saúde, entrar na mira do centrão, que pelo jeito adoraria colocar um dos seus homens (provavelmente muito menos preparado que Nísia) na pasta. Depois de mais pressão popular, o governo bateu o pé. Ela ficou.

Mas a guerra contra mulheres continua e não parece dar trégua.

A ministra do Turismo, Daniela Carneiro, já teve sua saída do governo confirmada, e deve deixar o cargo oficialmente a qualquer momento. Daniela, que pertence ao partido União Brasil, vai sair depois de manifestar desejo de se filiar aos Republicanos. Seu substituto será um homem, claro.

E pode piorar. Agora, a mirada da vez é a ministra do Esportes, Ana Moser. Nas redes sociais, já existe uma campanha pedindo que ela fique, assim como foi feito com Nízia. Nesse toma lá dá cá, mais uma mulher está em risco, a presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, funcionária de carreira do banco.

Não é coincidência que os cargos de alto escalão chefiados por mulheres sejam os que correm mais risco. Mexer com mulheres (no mundo da política e não só nele) parece ser mais fácil. Afinal, mulheres ainda são vistas como "café com leite" na política, esse ambiente onde homens decidem o destino do país e mulheres ainda ficam em segundo plano. E, quando ousam comandar, muitas vezes têm seus cargos tirados delas por homens.

Como disse na campanha eleitoral do ano passado, em um debate na Band, a então candidata a presidente Soraya Thronicke (ela falava de Bolsonaro, mas a frase serve para todos), quando se trata de mulheres, esses homens são "tigrão". No caso dos colegas homens, eles são "tchutchuca". É ou não é verdade?

Risco de perda de mandato de deputadas

Ao mesmo tempo em que mulheres ministras lutam pelos seus cargos, um grupo de parlamentares mulheres eleitas pelo povo nas últimas eleições corre risco de perder seus mandatos. O crime teria sido o fato delas chamarem o deputado bolsonarista Zé Trovão de "assassino" durante a votação do marco temporal das terras indígenas.

As deputadas do PSOL e do PT Sâmia Bomfim, Célia Xakriabá. Talíria Perrone, Fernanda Melchionna, Erika Kokay e Juliana Cardoso foram representadas pelo PL (Partido Liberal, a sigla de Bolsonaro) ao Conselho de Ética da Câmara, que instaurou processos disciplinares. Elas realizaram um ato no sábado em São Paulo contra o que Sâmia chama de "intimidação machista".

Vale lembrar que o plenário é aquele lugar onde homens se xingam, quase saem no tapa, e onde, certa feita, o então deputado Jair Bolsonaro saudou um torturador, o terrível Brilhante Ustra, na noite do impeachment de Dilma.

No governo ou na Câmara dos Deputados, o tratamento desigual contra mulheres impera. Até quando?

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.