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Inverno pode beneficiar a Ucrânia na guerra contra russos

Frank Hofmann
3 de dezembro de 2022

Estação mais fria do ano gera obstáculos humanitários para o país, mas também um alento na batalha. Solo congelado pode ajudar ucranianos a avançarem no leste. Por outro lado, Kiev sofre com escassez de munição.

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Tanque de guerra das forças ucranianas enfrenta solo enlameado
Terreno enlameado dificulta o combate das rotas de abastecimento das forças russas no leste ucraniano Foto: Metin Aktas/AA/picture alliance

Solo agrícola umedecido pelas chuvas e marcas profundas de pneus cheias de água – desde a reconquista da cidade de Kherson por forças ucranianas na primeira quinzena de novembro, terras enlameadas predominam nas imagens enviadas a partir da linha de frente na Ucrânia, tanto no sul como no leste do país.

Ao mesmo tempo, de acordo com o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, os ataques da Rússia impõem aos ucranianos o "pior inverno desde a Segunda Guerra". Em quase toda a Ucrânia, a eletricidade está disponível a cada dia por apenas uma hora. O governo da capital Kiev tenta ajudar o máximo as pessoas com tendas aquecidas e geradores de energia descentralizados.

Nico Lange, especialista em Ucrânia e Rússia da Conferência de Segurança de Munique, disse em entrevista à DW que, de fato, a Rússia "já causou uma destruição muito séria à infraestrutura, que não será consertada rapidamente".

Peças de reposição para subestações destruídas e outras infraestruturas de energia estão sendo entregues à Ucrânia, mas, segundo Lange, somente a substituição de "transformadores específicos ou certas peças sobressalentes" já leva bastante tempo.

O especialista afirmou ainda que a União Europeia (UE) deve se preparar para receber refugiados em fuga do frio ucraniano. "Não devemos começar apenas quando virmos fotos de pessoas congeladas na Ucrânia", disse Lange.

Uma nova onda de refugiados faz parte dos cálculos do presidente russo, Vladimir Putin, de acordo com a avaliação de Margarete Klein, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), que assessora o governo alemão em temas relacionados a ciência e política. Segundo Klein, o Kremlin está tentando criar uma divisão política dentro da UE, enquanto a disposição de receber mais refugiados tem diminuído em alguns países-membros do bloco europeu. 

Pessoas em Kiev recebem sopa quente e luvas de uma organização beneficente
Com o abastecimento de energia debilitado, boa parte da população depende de ajuda humanitária Foto: Jeff J Mitchell/Getty Images

Grandes perdas russas

Mas o bombardeio russo, presumivelmente, tem um segundo objetivo: o exército russo precisa urgentemente de uma pausa no campo de batalha. "As forças russas têm registrado altas perdas materiais e de soldados", disse Klein. Aparentemente, os soldados que foram mobilizados nos últimos meses são de pouca ajuda para as Forças Armadas russas.

"Para aumentar a eficácia de combate das Forças Armadas, não basta enviar rapidamente para a linha de frente reservistas mal treinados e mal equipados", disse Klein. Segundo a analista do SWP, estes reservistas foram usados basicamente como bucha de canhão. "O Kremlin precisa de tempo para melhor treinar uma possível nova leva de reservistas. Isso porque muitos dos potenciais instrutores estão em combate", afirmou.

O aparente objetivo estratégico mais importante das Forças Armadas ucranianas neste inverno europeu é justamente não dar este tempo ao exército russo. Embora o provável inverno rigoroso coloque os civis diante de uma possível catástrofe humanitária, as temperaturas abaixo de zero podem em breve oferecer vantagens militares à Ucrânia.

Espera pelo terreno congelado

No leste ucraniano, região na qual as tropas rusas ocupam grande parte da província de Lugansk, as forças da Ucrânia "dependem do solo congelado", segundo Lange. Especialmente no nordeste do país, o exército ucraniano possui "muitos veículos sobre rodas". E para que possam "usar seu ponto forte, a mobilidade", as forças ucranianas precisam de um terreno congelado.   

Isso porque ao longo da frente de batalha no leste da Ucrânia, o exército russo tem exercido sua superioridade com o uso de lançadores móveis de granadas – o sistema GRAD, construído durante a era da União Soviética. Com estes equipamentos, as forças russas conseguem atacar diariamente as posições ucranianas em toda a região. E a produção desta munição é constante e ininterrupta.

A Ucrânia, portanto, necessita atacar e cortar as rotas de abastecimento das granadas – com artilharia ocidental sobre rodas, como o sistema francês Caesar (Caminhão Equipado com Sistema de Artilharia, na tradução livre do acrônimo em francês), um blindado com um obuseiro instalado no chassi. E exatamente por serem veículos sobre rodas, um solo sólido e congelado – em vez de terreno enlameado – pode favorecer as forças ucranianas.

E, de fato, de acordo com boletins meteorológicos, a geada deve chegar no nordeste ucraniano nos próximos dias. "Assim que o terreno congelar, acho que haverá mais potencial do lado ucraniano. Eles parecem estar esperando por isso", disse Lange, referindo-se ao "eixo de ataque na região de Lugansk".       

Mas o uso intensivo de sistemas de artilharia enviados por países do Ocidente também acarreta grande desgaste nos equipamentos – um problema enfrentado pelo exército da Ucrânia e que deve ser resolvido nas próximas semanas.

A Ministra da Defesa da Alemanha, Christine Lambrecht, relatou ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine que um centro de reparo de armas como o obuseiro alemão Panzerhaubitze 2000 deve estar pronto em "meados de dezembro" na Eslováquia, em local próximo da fronteira com a Ucrânia.

"A indústria alemã está agora – a nosso pedido – ocupada com a construção do centro de assistência", disse Lambrecht. "Para tal, será fornecido um grande pacote com cerca de 14 mil peças de reposição."

Bandeira ucraniana amarrada num poste num morro nevado nos arredores de edifícios destruídos em Kiev
O inverno deve promover uma nova onda migratória para países da UE de ucranianos em fuga do frio rigorosoFoto: Philip Reynaers/BELGA/dpa/picture alliance

Ucrânia sofre com falta de munição

"Para a Ucrânia é importante aproveitar o ímpeto do momento. O exército ucraniano mostrou que pode explorar com muita perspicácia as fraquezas do lado russo", disse Klein. Por outro lado, de acordo com Lange, as forças da Ucrânia carecem de munição.

"A produção de mísseis de sistemas de defesa aérea não consegue acompanhar a demanda da Ucrânia por tais projéteis, por exemplo", disse Lange. Isso também se aplica à munição de artilharia simples, que a Rússia, por sua vez, tem à sua disposição indefinidamente – ao contrário dos mísseis russos de médio alcance parcialmente controlados por mecanismos automatizados.

E assim a guerra na Ucrânia está se tornando uma corrida por munição. Segundo Lange, Putin está especulando que o sistema de defesa aérea da Ucrânia ficará sem munição. Mas, ao mesmo tempo, os 50 Estados integrantes do grupo de apoio à Ucrânia – liderado pelos Estados Unidos – estão fornecendo sistemas antiaéreos adicionais.

"As defesas aéreas da Ucrânia estão melhorando", afirmou Lange. Mas em sua guerra aérea, a Rússia está reagindo a isso e lançando ainda mais mísseis e drones de médio alcance contra a infraestrutura civil. No entanto, isso tem se tornado cada vez mais complicado para o Kremlin.

"Vimos fotografias de mísseis sendo usados que na verdade pertencem à reserva estratégica. E por causa das sanções tecnológicas, a Rússia não pode simplesmente produzir novos mísseis pois não tem os chips e a tecnologia para isso", explicou Lange.

A fase de inverno da invasão russa da Ucrânia se transformou num cabo de guerra. O resultado obviamente depende de Kiev ser capaz de aliviar o sofrimento humanitário com ajuda ocidental, de as defesas aéreas ucranianas serem ainda mais fortalecidas e de o exército da Ucrânia ser capaz de incomodar as tropas russas ao longo do terreno gelado da linha de frente e não permitir que os soldados inimigos descansem. 

Em vista ao sofrimento humano na Ucrânia, poucos especialistas enxergam chances de uma paz próxima. Pelo contrário. "No momento, não vejo nenhuma disposição do lado russo de negociar seriamente", concluiu Klein.