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Invasão de terras indígenas dispara sob governo Bolsonaro

25 de setembro de 2019

Até setembro, Brasil registrou 160 casos de invasão ou exploração ilegal em 153 terras indígenas, superando os números de 2018 inteiro. Para conselho ligado à CNBB, cenário ameaça a sobrevivência dos povos originários.

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Protestos de mulheres indígenas em Brasília em 13 de agosto de 2019
O número de assassinatos de indígenas no Brasil passou de 110 em 2017 para 135 em 2018Foto: Reuters/A. Coelho

A pauta indígena foi um dos temas mais explorados pelo presidente Jair Bolsonaro em seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (24/09). Ele associou a atuação de lideranças indígenas aos interesses estrangeiros e voltou a defender uma visão integracionista sobre os povos originários. No mesmo dia, um relatório divulgou que as invasões de terras indígenas dispararam nos nove primeiros meses de 2019.

Até o lançamento do texto, foram contabilizados 160 casos de invasão, exploração ilegal de recursos naturais ou danos diversos ao patrimônio dos povos indígenas. O número já supera o registrado em todo o ano de 2018, quando houve 111 casos.

Além disso, o número de terras indígenas atingidas mais que dobrou nesse período, quando comparado ao ano passado inteiro, passando de 76 em 2018 para 153 até setembro deste ano. Em 2018, eram 13 os estados com notificações do tipo. Em 2019, até agora, há 19 nessa situação.

Os dados referentes a este ano são preliminares e foram divulgados durante o lançamento do relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, referente a 2018. É uma publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Embora as invasões tenham apresentado forte recrudescimento no governo Bolsonaro, já havia uma tendência de aumento desde 2017, quando o indicador teve alta de 62,7%. O aumento foi mais tímido em 2018 (15,6%), mas o patamar se manteve elevado, devendo atingir porcentagens alarmantes até o fim de 2019.

Na avaliação do Cimi, o cenário desenhado pelos dados do ano passado já indicava um risco à própria sobrevivência dos povos indígenas. Os assassinatos de indígenas passaram de 110 em 2017 para 135 em 2018, com a maioria dos casos registrados em Roraima (62) e Mato Grosso do Sul (38).

"Os povos indígenas do Brasil enfrentam um substancial aumento da grilagem, do roubo de madeira, do garimpo, das invasões e até mesmo da implantação de loteamentos em seus territórios tradicionais, explicitando que a disputa crescente por estas áreas atinge um nível preocupante", afirma o texto.

"Estado a serviço dos invasores"

Para o representante do Cimi Roberto Liebgott, um dos organizadores do relatório, a principal marca observada nos dados é a perspectiva de desterritorialização dos povos originários pelo Estado brasileiro.

"A ação dos governos vai no sentido de colocar a estrutura do Estado a serviço dos invasores, quando deveria utilizá-la para proteger os indígenas, além de fiscalizar, impedir e responsabilizar os criminosos que usam indevidamente bens da União", critica.

Liebgott aponta que ações como o enfraquecimento de órgãos de fiscalização como a Fundação Nacional do Índio (Funai), que opera com 10% do orçamento, denotam essa intenção, sinalizada no discurso do governo.

O representante do Cimi ressalta que, nos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff, houve uma tendência "legalizante", no sentido de legitimar atividades ilegais, como o desmatamento anistiado pelo Código Florestal de 2012. A partir do governo Michel Temer, ele acredita ter havido uma conivência mais explícita com as atividades criminosas.

"O 'dia do fogo' é a sinalização clara de que essa política criminosa está em curso. Apropriam-se de bens públicos, da natureza, e transformam em fato consumado. Devastado o território, retiram-se os índios, e as terras são entregues para a especulação imobiliária agrícola", avalia.

A disputa do agronegócio pela Amazônia

Nos dados de 2018, salta aos olhos a concentração de casos na região amazônica. O ranking de invasões é liderado pelo Pará, seguido por Rondônia, Amazonas e Roraima.

Coordenador do Laboratório de Gestão do Território da Universidade Federal de Rondônia (Laget/Unir), o geógrafo Ricardo Gilson afirma que a tendência se explica por uma corrida pela última fronteira agrícola do planeta.

"É a única região do mundo onde se pode expandir e converter áreas naturais em espaço de agropecuária. Com o crescimento do agronegócio e das exportações de commodities agrícolas, há toda uma pressão política e econômica do agronegócio para utilizar as áreas protegidas, inclusive à revelia da lei e dos ordenamentos territoriais", explica.

De acordo com o geógrafo, a aposta do Brasil na exploração de commodities criou três dinâmicas territoriais fundamentais para a compreensão do avanço sobre a Amazônia, que coloca em risco os povos indígenas.

"Em primeiro lugar, há o mercado de terras griladas, que atende à expectativa do agronegócio, envolve reconcentração fundiária e o comércio de terras para estrangeiros (land grabbing). Observamos também a expansão da pecuária e soja, cuja pressão faz expandir a fronteira agrícola à revelia da lei ambiental e ordenamentos territoriais. Por fim, a mineração, que visa a ocupação de áreas protegidas, principalmente áreas indígenas e quilombolas", detalha.

Os efeitos do discurso integracionista do governo

Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro mencionou as extensas reservas minerais em reservas indígenas no estado de Roraima para defender a integração econômica dos indígenas.

"O Brasil agora tem um presidente que se preocupa com aqueles que lá estavam antes da chegada dos portugueses. O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas. Especialmente das terras mais ricas do mundo. É o caso das reservas yanomami e Raposa Serra do Sol. Nessas reservas, existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras, entre outros", afirmou o presidente nesta terça-feira.

Em outro momento de sua fala, ele voltou a dizer que não pretende demarcar novas terras indígenas. Também atacou lideranças indígenas, como o cacique Raoni Metuktire, do povo Kayapó, que concorre ao Nobel da Paz.

"A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia", disse Bolsonaro na ONU.

O procurador do Ministério Público Federal (MPF) Julio Araujo, que integra o grupo de trabalho sobre demarcação de terras indígenas no MPF, afirma que o tom dos discursos do presidente da República tem efeitos diretos no agravamento da vulnerabilidade dos povos indígenas.

"Fazendeiros, garimpeiros e madeireiros vêm se sentindo autorizados a violar direitos indígenas e a inferiorizá-los. O impacto só cresce a cada dia. Há um programa inconstitucional para os povos indígenas, que tem por objetivo justamente a sua não efetivação", critica.

Segundo o procurador federal, o Estado brasileiro viola a Constituição ao assumir um discurso integracionista e ao defender políticas desse tipo, recusando o diálogo com os diversos grupos indígenas. Essa postura seria materializada nas afirmações de que não promoverá demarcações de terras e na devolução dos processos que estavam no Ministério da Justiça e na Presidência da República sobre o tema.

"O agente público tem responsabilidades em seus discursos, tendo em vista os impactos que isso gera para os destinatários da política. Desde janeiro, o governo procura administrar para apenas uma parte da sociedade brasileira, veiculando claramente os seus propósitos. Esquece-se, porém, dos riscos concretos que isso gera, notadamente no aumento da usurpação de territórios e no aumento da violência", assinala.

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