Sucesso de público e crítica, o filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, era considerado favorito para representar o Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O Ministério da Cultura, porém, escolheu o drama Pequeno Segredo, de David Schurmann. A escolha gerou controvérsia e lançou Aquarius mais uma vez no centro de uma celeuma política que começou em maio, quando o elenco fez um protesto contra o governo interino de Michel Temer no Festival de Cannes.
Para o diretor do filme, a não indicação se deveu mais a fatores políticos do que técnicos. Em entrevista exclusiva para a DW Brasil, Kleber Mendonça Filho critica o processo de indicação ao Oscar 2017. "A despeito do resultado, todo o processo de seleção do filme brasileiro que concorreria ao Oscar foi completamente corrompido desde o início ", afirmou, por email, de Paris, onde se encontra para o lançamento do longa.
DW Brasil: Você esperava que Aquarius fosse o filme indicado pelo Brasil ao Oscar? Ficou frustrado?
Kleber Mendonça Filho: Eu não esperava que o filme fosse indicado e não fiquei frustrado. Isso faz parte de toda uma movimentação política muito peculiar que está acontecendo no Brasil. Aquarius tem uma carreira internacional que está me deixando tomado de trabalho. O filme tem distribuição internacional em mais de 60 países. A gente estava agora no Festival de Toronto e, desde o fim de semana, estou em Paris, fazendo uma semana de imprensa para o lançamento na França, no dia 28 de setembro. E é um lançamento de cerca de 100 cópias. Depois a gente vai para o Festival de Nova York, que é uma seleção de muito prestígio. O filme estreia nos EUA no dia 14 de outubro, logo depois do festival, em Nova York e Los Angeles.
E o filme continua indo muito bem no Brasil, já ultrapassou a marca de 200 mil espectadores.
Aquarius é o filme brasileiro de maior repercussão internacional em muitos anos. Nem sei dizer quanto tempo faz que um filme nacional não tem essa repercussão e essa distribuição no exterior. E, claro, que, dentro de uma visão técnica, um filme com essas credenciais seria normalmente indicado por qualquer país para ser seu representante no Oscar. É exatamente por isso, e por toda essa questão política, que eu já sabia – ou ao menos suspeitava – que essa indicação não aconteceria nesse clima político do país.
Você acha que a não indicação do filme ao foi uma espécie de retaliação por conta do protesto feito no festival de Cannes contra o governo de Michel Temer?
Eu acredito que, pelo grau de desconforto que Aquarius gerou – não só pela postura cidadã e democrática da equipe no Festival de Cannes, mas pelo o que o próprio filme é –, e com toda a repercussão que teve no Brasil e no exterior, eu acho que é muito claro que existe, sim, um posicionamento político contra o filme na sociedade brasileira, particularmente dentro de uma determinada esfera do poder. O próprio ministro da Cultura [Marcelo Calero] mostrou uma falta de treinamento muito grande com a ideia da democracia ao criticar abertamente o protesto que fizemos em Cannes.
Então, acho que, a despeito do resultado final, todo o processo de seleção do filme brasileiro que concorreria ao Oscar foi completamente corrompido desde o início. E isso foi muito discutido na própria imprensa. Então, houve, sim, uma ideia de retaliação ao filme. A parte boa é que nada realmente é capaz de segurar um filme, uma obra cultural. O impacto de Aquarius na sociedade brasileira, a discussão cultural e política que vem provocando, é algo totalmente impossível de conter, de controlar.
Aquarius fala sobre as muitas desigualdades do Brasil. E ter sido lançado neste momento político particular pode ter aumentado a importância do filme. Você concorda?
Eu acho realmente uma coisa muito bela, muito bonita, quando uma obra – que pode ser um livro, um filme, uma peça, algo nas artes plásticas – capta, de alguma maneira, o ambiente social e político do tempo dela. E acho que isso aconteceu com
Aquarius de uma maneira muito forte. É um filme brasileiro que fala sobre viver no Brasil, ou seja, viver em sociedade no Brasil. É muito curioso que tenha tido um alcance tão grande internacionalmente. Mas é claro que é no Brasil que ele realmente se encontra em seu grande elemento, porque o brasileiro é capaz de perceber todas as nuances dessa vida no Brasil, retratada na tela do cinema por meio dos diversos personagens que eu escrevi. Uma marca muito forte da nossa sociedade é a desigualdade. O filme não é exatamente sobre isso, mas claro que ele também aborda questões de uso do poder, como você tem que questionar esse poder, e o que acontece quando você questiona esse tipo de poder. É incrível perceber a reação que o filme tem causado dentro da discussão sobre o que significa viver no Brasil.
Muita gente comparou a história da protagonista Clara à da ex-presidente Dilma Rousseff. Você consegue enxergar essa relação?
Essa relação pode ser vista com muita clareza. Mas é claro também que já deve ter ficado muito evidente para todos que não teria sido possível prever tudo isso há dois, três anos, escrever um roteiro, fazer um filme. Para mim, como cidadão brasileiro, um ano atrás, quando a gente estava terminando de filmar Aquarius, não teria sido possível prever nada disso. Eu sempre achei que a nossa democracia era muito mais madura do que ela está se revelando.
Eu acho que é uma grande coincidência e, ao mesmo tempo, acho que não há coincidências. A cultura, os que fazem a cultura, os artistas em geral, se eles fazem um bom trabalho de observação do ambiente cultural e social no qual vivem, eles conseguem captar coisas no ar. Captam informações, interpretações; e talvez isso explique essa grande coincidência. Mas, do ponto de vista técnico, é claro que é uma grande coincidência. Os detalhes e as semelhanças entre as histórias de duas mulheres que estão sendo despejadas e que têm que lidar com homens corruptos para tentar manter a casa em que vivem são, realmente, formidáveis. Mas, repito, é uma grande coincidência.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#10: Menschen am Sonntag
Um olhar cético: a modelo Annie (Annie Schreyer) bem gostaria de passar o domingo em casa. Seus amigos estão se divertindo no lago Wannsee. Berlim e cercanias são os verdadeiros protagonistas de "Gente no domingo", uma mistura de documentário e ficção lançada em 1930. A direção conjunta desse legendário pioneiro entre os filmes sobre Berlim coube a Robert Siodmak e Edgar G. Ulmer.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#9: Cabaret
O diretor e coreógrafo americano Bob Fosse rodou o musical "Cabaret" em 1972, em duas cidades alemãs: a maioria das externas em Berlim Ocidental, as cenas internas em estúdios de Munique. A trama da intensa tragicomédia, premiada com oito Oscars, se desenrola em 1931, tendo a ascensão do nazismo como pano de fundo para os improváveis amores Liza Minnelli (na foto, com Joel Grey).
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#8: Die Mörder sind unter uns
Wolfgang Staudte realizou "Os assassinos estão entre nós" em 1946, como primeira produção cinematográfica alemã após a Segunda Guerra Mundial, pela companhia Defa. As filmagens se dividiram entre estúdios berlinenses e locações autênticas na metrópole devastada – dando origem ao gênero "Trümmerfilm" ("filme das ruínas"). A estreia foi no setor de Berlim sob ocupação soviética.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#7: One, two, three
Billy Wilder enfrentou circunstâncias espetaculares ao realizar "Cupido não tem bandeira" em 1961. O veterano hollywoodiano nascido na Áustria pretendia usar como cenário a Berlim dividida, mas ainda basicamente transitável. Durante as filmagens, porém, o Muro foi erguido. Por ser impossível filmar no Portão de Brandemburgo, o monumento precisou ser trabalhosamente replicado em Munique.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#6: Bridge of Spies
A trama da coprodução teuto-americana "Pontes dos espiões" (2015) igualmente se desenrola no auge da Guerra Fria. O aclamado Steven Spielberg realizou as filmagens em locações originais da capital alemã. Além do icônico Muro de Berlim, recebe destaque a Glienicker Brücke, ponte historicamente famosa como local de troca de espiões na Alemanha dividida.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#5: Berlin is in Germany
Em 2001 Hannes Stöhr salpicou com imagens eloquentes da nova-velha capital sua história de um outsider da história. Em "Berlim fica na Alemanha", Jörg Schüttauf (na foto, à esquerda) interpreta Martin, cidadão da extinta RDA que começou a cumprir sua pena de prisão nos tempos do regime comunista. Ao ser libertado, a queda do Muro e o país reunificado são coisas que ele só conhece da televisão.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#4: Sommer vorm Balkon
Andreas Dresen concentrou a ação de "Verão em Berlim" (2004) no bairro Prenzlauer Berg. As protagonistas Katrin (Inka Friedrich) e Nike (Nadja Uhl) têm sua amizade posta à prova ao conhecerem um caminhoneiro boa-vida. A combinação de comédia social e colorido local berlinense agradou ao público nacional.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#3: Oh Boy
O diretor Jan-Ole Gerster evocou atmosferas anticonvencionais em seu primeiro longa. Com grande sensibilidade para nuances poéticas, encenou a trajetória do melancólico Niko Fischer (Tom Schilling), que largou a universidade e vaga pelas ruas berlinenses. Trabalho de conclusão do curso de cinema para Gerster, "Oh Boy" (2012) conquistou seis Prêmios do Cinema Alemão, entre outros.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#2: Victoria
Em 2015, Sebastian Schipper conseguiu materializar nas telas o mundo noturno da juventude de Berlim. Tudo começa com uma noitada num clube, onde vários amigos se reúnem – mas acabam por se envolver num redemoinho de situações imprevistas e potencialmente fatais. Rodado em uma única tomada, o thriller "Victoria" oferece 140 minutos de autêntica vivência jovem berlinense.
-
Os dez melhores filmes em Berlim
#1: Der Himmel über Berlin
Mais berlinense de todos os filmes berlinenses, "As asas do desejo" (1987) deve ao fotógrafo francês Henri Alekan inesquecíveis imagens em preto-e-branco da metrópole a poucos anos da queda do Muro. Wim Wenders enfoca Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander), dois anjos que observam e guardam à distância a vida na cidade. Até que um deles sucumbe ao fascínio de ser humano. Ou de Berlim?
Autoria: Jochen Kürten (av)