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Esporte

Futebol feminino – a árdua luta das mulheres alemãs

11 de junho de 2019

O futebol feminino na Alemanha é referência: tem mais de 90 clubes, duas ligas nacionais e cinco regionais. Hoje, são mais de um milhão de meninas e mulheres praticando o esporte no país, coroando uma luta de um século.

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Essen DFB Verbot Frauenfußball Deutschland Niederlande 1956
23 de setembro de 56: a primeira partida da seleção alemã de futebol feminino, contra a Holanda em EssenFoto: picture-alliance/dpa/B. Frye

Atualmente o futebol feminino na Alemanha é praticado ativamente por mais de um milhão de meninas e mulheres. A Bundesliga feminina existe desde 1990 e foi constituída nos mesmos moldes da liga masculina, com duas divisões nacionais e cinco regionais num total de 92 clubes.

No cenário internacional, o clube mais bem-sucedido é o FFC Frankfurt, com quatro títulos da Champions League, vindo a seguir Wolfsburg e Turbine Potsdam, com duas conquistas cada.

A primeira conquista do título de campeã europeia em 1989 foi o divisor de águas para o futebol feminino na Alemanha. Desde então, as alemãs acumularam mais sete títulos europeus, dois mundiais e um olímpico. Nenhuma outra seleção feminina da Europa ostenta tantos triunfos.

Para chegar a este nível, entretanto, as mulheres alemãs tiveram que percorrer um difícil caminho que durou quase um século. O sucesso de agora foi precedido por uma trajetória repleta de espinhos, escárnio, menosprezo, ridicularização e até proibição da prática do futebol.

Nas primeiras duas décadas do século passado, o futebol feminino se tornou bastante popular, especialmente na Inglaterra e na França. Ao contrário da Alemanha, onde a prática do futebol por mulheres chegou a ser considerada imoral.

A Federação Alemã de Ginástica da época apresentou uma queixa às autoridades porque algumas estudantes jogavam futebol usando calções. Para os burocratas da federação, apresentar-se dessa forma em público era "inadmissível e inadequado em se tratando de futuras acadêmicas".

Mesmo assim, já em 1922, estudantes universitárias organizaram um campeonato de futebol feminino do qual participaram equipes de diversas escolas superiores da Alemanha. O primeiro registro documentado de um jogo é de 1927, quando uma equipe de Munique derrotou um time de Berlim por 2 a 1. 

O primeiro clube de futebol exclusivamente para mulheres foi fundado por Lotte Specht em Frankfurt.  Como não havia outra equipe de mulheres para enfrentar, as 11 de Lotte jogavam apenas contra times masculinos. A aventura durou pouco. Um ano após sua fundação, o clube foi dissolvido. O pior de tudo era a hostilidade dos homens.

"Até pedras jogavam na gente e nos xingavam com os piores palavrões imagináveis. Só restava a gente sentar e chorar. Só queríamos jogar bola. Com o tempo, nosso grupo foi minguando – as meninas ficavam com muito medo e não vinham mais", contou Lotte pouco antes de morrer em 2002. 

FFC Frankfurt - o clube mais bem sucedido da Alemanha levanta a taça de campeão europeu de 2015
FFC Frankfurt - o clube mais bem sucedido da Alemanha levanta a taça de campeão europeu de 2015Foto: Reuters/F. Bensch

O clima político no país também não ajudava. O regime nazista prescrevia para as mulheres alemãs o papel primordial da maternidade e não o de jogadoras de futebol.  

Imaginava-se que com o fim do regime nazista em 1945 e com a instituição de um Estado democrático em 1948 algo poderia mudar no cenário do futebol feminino. A conquista da Copa do Mundo de 1954 pela seleção masculina da Alemanha Ocidental despertou muitos sonhos de jovens garotas que, a exemplo dos homens, também queriam praticar o esporte. O Milagre de Berna teve esse efeito colateral – tornar o futebol atraente para as mulheres.

Pouco adiantou, porém, o entusiasmo feminino. Em julho de 1955, a Federação Alemã de Futebol proibiu os clubes associados de criar um Departamento de Futebol Feminino. Não bastasse isso, eram proibidos também de ceder os seus campos de futebol para que mulheres pudessem treinar e determinou ainda que juízes e bandeirinhas não poderiam dirigir jogos extraoficiais de futebol feminino. Para os burocratas da federação, "futebol é incompatível com a natureza e a dignidade da mulher".

Mesmo com toda essa oposição oficial, as mulheres não desistiram, mas persistiram.  Associações livres das amarras oficiais se formaram e incentivavam o futebol feminino.  Um ano depois da proibição houve um jogo extraoficial de seleções: 18 mil espectadores lotaram o pequeno estádio em Essen, no Vale do Ruhr, para ver Alemanha 2 x 1 Holanda.

E teve mais. Em 1957, foi realizada, à revelia das federações europeias, uma Eurocopa de seleções em Berlim que resultou num enorme fracasso de público por conta da desorganização generalizada.

Alemães comemoram gol contra a China no Mundial da França
Alemães comemoram gol contra a China no Mundial da FrançaFoto: Getty Images/M. Hitij

Acabou sendo um prato cheio para a mídia tentar desacreditar de vez a ideia nascente de se criar um torneio internacional de futebol também para as mulheres.

Em 1964 a Fifa enviou uma circular a todas as federações do mundo para saber qual era sua posição sobre o futebol feminino. A Federação Alemã não teve dúvida e manteve sua postura retrógrada: "Tendo em vista pareceres médicos, na Alemanha o futebol feminino continua proibido por causar danos irreversíveis ao organismo da mulher".  

A meninada, porém, não quis nem saber e, alegremente, continuou jogando bola. Estima-se que, na época, aproximadamente 60 mil adolescentes treinavam pelo menos uma vez por semana, inclusive em clubes da própria federação. Eram chamados de "treinos subversivos", porque subvertiam as ordens vindas de cima.

Finalmente, diante da pressão popular, a cartolagem se rendeu e, em outubro de 1970, acabou com a proibição do futebol feminino, se bem que com algumas exigências: bola mais leve, campo menor, menos tempo de jogo. Restrições que, com o tempo, foram caindo uma a uma.

Os resultados da oficialização do futebol feminino não se fizeram esperar. As mulheres obtiveram muitos avanços, mas outros estão para serem conquistados. Como, por exemplo, a questão dos salários e prêmios de jogadoras profissionais, ainda muito aquém dos que são pagos a seus colegas homens. Patrocínio e cobertura da mídia para o futebol feminino são outros aspectos que necessitam de implementação.

O caminho a percorrer para se equiparar ao futebol profissional masculino ainda é longo e será árduo. Mas para quem superou tantos obstáculos aparentemente intransponíveis, tem-se a impressão que para elas nada é impossível.   

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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