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Estado do oeste alemão é reduto fundamentalista islâmico

23 de outubro de 2018

Há mais salafistas na Renânia do Norte-Vestfália do que em qualquer outro estado alemão. Movimento tornou-se menos visível, mas continua se transformando e crescendo, num mundo paralelo e autônomo.

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garoto olha para tela de computador com palavra "salafismo"
Salafistas se tornaram menos visíveis, mas não menos perigososFoto: picture-alliance/dpa/R. Peters

"Repita comigo", diz ao microfone o alemão convertido ao islã e pregador salafista Pierre Vogel. E, incentivada por uma multidão efusiva na zona de pedestres da cidade de Offenbach, em Hessen, é justamente isso o que a jovem faz: repete as palavras da confissão de fé islâmica.

A cena se passou em 2010, mas, assim como outras do ápice da missionaria salafista na Alemanha, ela se encontra até hoje no Youtube. Até 2016, o movimento religioso se apresentava publicamente de forma autoconfiante e agressiva. No contexto da controversa ação LIES! (Leia!), homens barbados, de calças bufantes e túnicas brancas, como Vogel, distribuíam grátis traduções do Corão em língua alemã, em praças e zonas de pedestres, sobretudo do oeste do país.

Nos centros das cidades, eles pregavam abertamente uma interpretação radical do islã. Em "seminários islâmicos", muitos foram convertidos, por todo o país. E também o tempo livre era passado em churrascos ou jogos de futebol com os irmãos de fé, num mundo paralelo.

Salafismo: a dura palavra do Corão

O salafismo é uma vertente extremamente retrógrada do islamismo. Seus adeptos interpretam o Corão de modo literal e se orientam exclusivamente pela forma como o profeta Maomé e seus seguidores imediatos viveram o islã. A ideologia fundamentalista é o solo para uma anticultura extremista que visa, acima de tudo, isolar-se.

Dentro da gama salafista, há muitos fiéis que só desejam viver sua visão rígida do islã no âmbito privado e espiritual. Uma parcela considerável, no entanto, é composta por salafistas políticos, que almejam um Estado religioso fundamentalista.

Eles rejeitam leis terrenas, como a Lei Fundamental (Constituição) alemã. Só a sharia vale, na condição de "lei divina". A partir daí, os limites do aceitável se ampliam para os salafistas de tendência jihadista, deixando-os prontos a usar violência por sua visão de um Estado islâmico.

Menor visibilidade

Hoje não há mais estandes da LIES!. Em 2016, o Ministério do Interior da Alemanha proibiu a associação Die Wahre Religion (A verdadeira religião), que organizara a distribuição dos livros sagrados.

Segundo o órgão federal de segurança interna Bundesverfassungsschutz (BfZ), ela "defendia uma ideologia que exclui radicalmente a ordem constitucional, legitimava o jihad armado e proporcionava uma rede de recrutamento e concentração para fundamentalistas islâmicos jihadistas, assim como para quem quisesse partir para a Síria ou para o Iraque, por motivação jihadista-fundamentalista".

De resto, quase não se veem mais salafistas radicais em público na Alemanha. Mas eles não desapareceram. "A maioria das atividades se realiza fora da visão da sociedade majoritária", constata Kaan Orhon, conselheiro do centro de desradicalização Hayat, que age em nível nacional.

O nome Hayat não consta de nenhuma das campainhas da casa no centro de Bonn, e também na internet não há nenhum endereço, só um número de telefone. Para a clientela da central, o anonimato é essencial, pois Orhon trabalha com gente radicalizada, que abandonou o salafismo ou o jihadismo ou retornou a ele.

"A conquista de novos seguidores transcorre cada vez mais por contatos privados ou online", registra Orhon. E a comunicação se dá por canais do Whatsapp ou Telegram, o que dificulta para os agentes da polícia e do serviço secreto o trabalho de vigiar a cena radical.

"O salafismo se propõe missionar e ganhar novos membros", diz Burkhard Freier, diretor do órgão de segurança interna do estado da Renânia do Norte-Vestfália. A catequese em público diminuiu significativamente, de fato, mas a doutrinação continua, embora, ressalva Freier, "os números não cresçam mais tanto assim".

Renânia do Norte-Vestfália, reduto salafista

Em nenhum outro estado alemão moram mais salafistas do que na Renânia do Norte-Vestfália, e em nenhum outro tantos se radicalizaram ao ponto de partir para o território do praticamente derrotado "Estado Islâmico" (EI): de lá eram 300 de um total de menos de mil jihadistas.

Além disso, praticamente todos os atentados ou tentativas dos últimos anos foram perpetrados por indivíduos radicalizados através do salafismo. Um deles foi Anis Amri, que, no mais sangrento atentado islamista já praticado no país, em 19 de dezembro de 2016, investiu com um caminhão contra uma feira de Natal em Berlim, matando 12 transeuntes.

"Claro que nem todo salafista é automaticamente um terrorista, mas todo terrorista islâmico já foi um salafista" foi uma frase várias vezes repetida durante as entrevistas à DW, partindo das mais diversas pessoas que se ocupam com o movimento fundamentalista – de funcionários de segurança interna, professores de escola, a conselheiros de centros de desradicalização ou de integração de Bonn, cidade considerada um dos redutos do salafismo na Renânia do Norte-Vestfália.

No estado mais populoso da Alemanha, os meios salafistas contam 3 mil adeptos, dos quais cerca de 800 classificados como potencialmente violentos segundo o departamento de segurança interna local. As mulheres perfazem 12% de todos os salafistas do estado. Entre os que partiram para o Iraque, a percentagem delas é mais do dobro, 28%.

Por isso, mulheres e crianças salafistas estão agora sob observação intensa do Estado alemão, em especial as retornadas do "califado" derrotado. Em Bonn, os filhos dos ex-foreign fighters já frequentam escolas e jardins-de-infância. Em nome deles, Kaan Orhon, da Hayat, pede uma "infraestrutura de ajuda, como psicólogos infantis especializados em traumas, mas também capazes de lidar com aspectos religiosos".

Preocupação com as crianças

Como encarregada de integração de Bonn, Coletta Manemann igualmente se ocupa dos "combatentes retornados" e seus filhos. "Em todos os casos, quando há famílias envolvidas, o juizado da juventude, creches e escolas primárias precisam ser sensibilizados. Precisamos, por um lado, dar uma chance, aos que retornam, de reencontrar seu lugar na sociedade. Mas precisamos também estar vigilantes para que eles não continuem tentando radicalizar as crianças e jovens aqui."

Varia de caso para caso o posicionamento com que as mulheres retornam das regiões de crise Síria e Iraque. Algumas conseguiram desligar-se, estando em parte desiludidas e decepcionadas. Mas outras continuam funcionando como portadoras da ideologia salafista do EI: "Por vezes é difícil determinar quem temos diante de nós, se uma desertora desiludida ou um altamente radical elemento de risco", observa Kaan Orhon.

Essa classificação é ainda mais difícil quando as autoridades alemãs não dispõem de dados suficientes para iniciar uma ação penal, por exemplo por "apoio a uma organização terrorista estrangeira", nos termos do parágrafo 129b do Código Penal do país. Nesse caso, não há sanções obrigando as "combatentes retornadas" a conversarem com conselheiros como Kaan Orhon.

"Assistência a presos" perigosa

O processo de coleta de provas é, em geral, mais fácil com os retornados do sexo masculino que lutaram ativamente, apareceram em vídeos de propaganda ou se vangloriaram de seus atos nas redes sociais. Nos presídios alemães, cresce o número de integrantes dos meios extremistas islâmicos. Desde 2013, a Procuradoria Geral abriu inquéritos contra 24 que retornaram do território do EI no Iraque ou Síria.

A resposta dos salafistas é sua assim chamada "assistência aos presos". "Do ponto de vista das autoridades de segurança, essa forma de ajuda representa um grande perigo", aponta Freier.

Neste caso, "assistência" significa, concretamente, que os presos recebem visitas ou correspondência de "irmãos e irmãs" muçulmanos; na internet coletam-se contribuições para presentes ou doações para a família do presidiário, criando um clima de proximidade, cuidado e conforto religioso. A finalidade é sempre a mesma: "As pessoas devem ser mantidas no meio e não serem ressocializadas na prisão", critica o especialista estadual em segurança interna.

Para Kaan Orhon, a assistência aos presos é "o mais importante campo de crescimento" da cena salafista. "Há sempre mais gente de que é preciso cuidar, nem é preciso se expor muito, pessoalmente. É exatamente isso que esse meio procura, no momento: formas de ação que tenham grande efeito, mas que se possam fazer em relativo anonimato."

"Astros" do movimento em Bonn

Entre os focos de salafismo na Renânia do Norte-Vestfália estão cidades como Mönchengladbach, Wuppertal, Dinslaken, Dortmund, mas também a antiga capital da República Federal da Alemanha, Bonn. Nela os salafistas alemães têm sido repetidamente manchete.

Como em 2012, quando uma manifestação de radicais islâmicos resultou em violência por o partido de extrema direita Pro NRW ter exposto caricaturas do profeta Maomé num comício. Durante a contramanifestação dos salafistas radicais, um jovem acabou por ferir dois policiais gravemente a faca.

Foi também de Bonn que os irmãos Yassin e Mounir Chouka partiram, já em 2008, para a zona de fronteira afegã-paquistanesa e lá posaram para um vídeos de ameaça, em que também conclamavam a atentados na Alemanha.

Em Bonn também vive o pregador Abu Dujana, um dos líderes da ação LIES!. E foi Bonn que os stars do movimento salafista visitaram com frequência, entre eles o ex-pugilista ruivo e possivelmente o mais influente entre os convertidos alemães, Pierre Vogel.

Orientação simplista

Mas também Vogel tem estado mais recolhido. Ele continua pregando regularmente em seu canal do Youtube ou pontificando sobre a verdadeira fé no Facebook, mas agora não fica mais diante das escolas de Tannenbusch, bairro de Bonn com alta percentagem de estrangeiros e 10% de muçulmanos.

Antes isso acontecia regularmente, relata o professor de origem iraniana Aziz Fooladvand, que leciona estudos islâmicos nessa escola. Vogel esperava na rua até a aula acabar para então interpelar diretamente os escolares.

"Minha tarefa mais importante é dar aos alunos a sensação de que aqui na aula eles são livres. Quero lhes oferecer um espaço para debate", explica Fooladvand. "Eles precisam entender que religião não é um elemento estático, mas um processo dinâmico."

Para muitos alunos, sobretudo os originários de sociedades patriarcais e de camadas sociais menos cultas, essas são ideias totalmente inéditas. O professor nota problemas de identidade sobretudo entre os jovens de origem estrangeira.

"Eles não sabem: sou alemão, sou estrangeiro? Sou muçulmano, sou europeu?" Esse é um momento crítico, em que os adolescentes são muito vulneráveis, também às mensagens dos salafistas. "No movimento, eles se reencontram, de repente têm um papel, pertencem a um grupo elitista. Os salafistas lhes dão uma orientação."

Uma orientação bem simplista: uma olhada nas páginas de Facebook de salafistas mostra como é dominante a questão o que é proibido, o que é permitido? O que é haram, o que é halal?

Tarefa para toda a sociedade

Bernd Bauknecht também leciona estudos islâmicos numa escola de Bonn e conhece bem o ambiente privado de seus alunos. "Por vezes ocorre de eu ter dois ou talvez três crianças de uma família em que há uma tendência a ideias salafistas."

Para ambos os docentes, a luta em torno dos jovens cidadãos é uma tarefa de toda a sociedade. Pois, uma vez "contaminados", é muito difícil ter acesso a eles. Mas Bauknecht está convencido que as medidas das autoridades estatais, assim como dos centros de prevenção e desradicalização da sociedade civil estão surtindo efeito.

"Quando, uns três anos atrás, um adolescente colocava a palavra-chave 'islã' numa máquina de busca, das dez primeiras respostas, cinco eram de cunho salafista. Não porque eles fossem tantos assim, mas porque usavam o recurso de maneira muito esperta." Agora, diz o professor, numerosos ativistas do Youtube minam a primazia de interpretação religiosa dos salafistas, na linguagem dos jovens: pragmáticos, abertos, tranquilos.

Crescendo no escuro

No total, o movimento salafista da Alemanha mudou muito desde seus primórdios, em 2003-04, analisa Freier. "De início tínhamos principalmente uma cena de língua alemã", cuja principal meta, no estágio inicial, era o trabalho missionário. Muitos desses protagonistas eram "analfabetos religiosos", que pouco sabiam sobre o islã, mesmo se vindos de uma família muçulmana.

Ao longo dos anos, o meio se tornou cada vez mais propenso à violência. "O ponto alto foram as viagens rumo à Síria, quando a questão não era mais transformar a nossa democracia, mas erguer um Estado de califado no Oriente Médio."

Segundo o chefe de segurança interna da Renânia do Norte-Vestfália, desde o declínio militar do "Estado Islâmico" nota-se uma nova dinâmica. "Atualmente formam-se famílias salafistas inteiras que gradativamente consolidam o movimento. Neste ínterim, nós temos aqui um salafismo que não precisa mais de califado, nem trabalho ideológico de fora. Ele progride cada vez mais na direção de um extremismo interno."

A cena se isolou, para continuar crescendo numa sociedade paralela. Diferente da época em que os salafistas ainda se postavam nas praças e, em plena rua, recitavam a confissão de fé para os novos convertidos.

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