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Em pronunciamento, Bolsonaro compara vidas a empregos

1 de abril de 2020

Presidente volta a distorcer fala do chefe da OMS para reforçar sua ênfase no impacto econômico da crise. Isolado politicamente, ele suaviza tom sobre a pandemia, defendendo colaboração com Congresso e governadores.

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Brasilien Präsident Jair Bolsonaro
Foto: picture-alliance/AP Photo/A. Borges

O presidente Jair Bolsonaro fez um novo pronunciamento em cadeia nacional nesta terça-feira (31/03), no qual igualou a necessidade de salvar vidas à de preservar empregos em meio à crise do coronavírus. Para sustentar seus argumentos, ele voltou a distorcer uma declaração do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.

"Temos uma missão: salvar vidas, sem deixar para trás os empregos", defendeu o presidente no discurso de cerca de sete minutos, que marca a quarta vez em que ele faz uso do sistema de rádio e TV para falar da pandemia de covid-19.

"Por um lado, temos que ter cautela e precaução com todos, principalmente junto aos mais idosos e portadores de doenças preexistentes. Por outro, temos que combater o desemprego, que cresce rapidamente, em especial entre os mais pobres. Vamos cumprir essa missão ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas", afirmou.

Durante o pronunciamento, Bolsonaro citou vários trechos de um discurso de Tedros de segunda-feira, em que o chefe da OMS disse estar preocupado com as muitas pessoas que ainda "precisam trabalhar para ganhar o pão de cada dia", ao mesmo tempo em que cobrou dos governos que adotem medidas para garantir assistência à população mais pobre durante a crise.

Contudo, mais uma vez o presidente tirou a fala de Tedros de contexto, destacando a primeira parte do discurso, mas omitindo a segunda, sobre a responsabilidade dos governos em assistir os grupos mais vulneráveis.

"Os governos precisam garantir o bem-estar das pessoas que perderam a fonte de renda e que estão necessitando desesperadamente de alimentos, saneamento, e outros serviços essenciais", dissera o chefe da OMS na segunda-feira. "Porque cada indivíduo importa."

Mais cedo em conversa com jornalistas, Bolsonaro havia sugerido que o diretor-geral da organização, em seu discurso, defendeu o retorno da população ao trabalho e criticou medidas de isolamento social, em suposto alinhamento com o pensamento do mandatário brasileiro.

A OMS, porém, segue recomendando o distanciamento social como uma das principais medidas para combater a propagação do coronavírus Sars-Cov-2. Tedros também costuma mencionar a importância de medida em suas entrevistas diárias.

Em seu pronunciamento nesta terça-feira, Bolsonaro insistiu que "temos que evitar ao máximo qualquer perda de vida humana", mas afirmou que "ao mesmo tempo, devemos evitar a destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para os trabalhadores brasileiros".

"O coronavírus veio e um dia irá embora, infelizmente teremos perdas neste caminho. Eu mesmo já perdi entes queridos no passado e sei o quanto é doloroso", continuou.

O presidente, contudo, suavizou o tom que vinha adotando em relação à pandemia de covid-19, doença que já chegou a chamar de "gripezinha" e "resfriadinho" em pronunciamentos anteriores.

Nesta terça-feira, ele reconheceu que o "vírus é uma realidade" e que "ainda não existe uma vacina contra ele ou remédio com eficiência cientificamente comprovada, apesar de a hidroxicloroquina parecer bastante eficaz". Afirmou ainda que a atual crise é o "maior desafio da nossa geração".

Além disso, Bolsonaro não fez crítica direta à medida de isolamento social, como fizera na última vez em que se dirigiu à população em cadeia nacional. Ele atentou, contudo, que "as medidas protetivas devem ser implementadas de forma racional, responsável e coordenada", para que o "efeito colateral" das ações de combate ao vírus não seja "pior do que a própria doença".

"A minha obrigação como presidente vai para além dos próximos meses. Preparar o Brasil para a sua retomada, reorganizar nossa economia e mobilizar todos os nossos recursos e energia para tornar o Brasil ainda mais forte após a pandemia", completou o presidente, reforçando a importância que ele tem dado ao aspecto econômico da crise do coronavírus.

Bolsonaro também recuou no tom de combate a governadores e parlamentares que vinha esboçando nas últimas semanas. "Agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade", concluiu.

O discurso do presidente foi acompanhado de panelaços em várias cidades do país e ocorre no dia em que o Brasil registrou um recorde diário de mortes e casos de covid-19, chegando a 5.717 infecções e 201 óbitos, segundo dados do Ministério da Saúde.

Bolsonaro tem estado cada vez mais isolado politicamente devido à sua postura diante da pandemia. Políticos aliados têm se distanciado e rompido com o presidente, e o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, vem defendendo medidas que vão na contramão do discurso do chefe de Estado.

Nos últimos dias, Bolsonaro chegou a pedir à população que volte ao trabalho e defendeu uma forma de quarentena parcial, isolando apenas idosos e doentes crônicos. O presidente também minimizou repetidas vezes a pandemia, classificando a covid-19 como uma "gripezinha", inclusive num pronunciamento polêmico que gerou ondas de condenação.

Na semana passada, redes do Planalto chegaram a publicar uma propaganda com o slogan "O Brasil não pode parar", alinhado com as ideias do presidente sobre a pandemia. No entanto, a campanha foi barrada por ordem da Justiça.

No último domingo, Bolsonaro passeou por estabelecimentos comerciais na região de Brasília, provocando aglomerações e desafiando as restrições impostas pelo governo do Distrito Federal para conter a circulação de pessoas. O presidente ainda publicou vídeos das visitas em suas redes sociais.

Neles, era possível ouvir comerciantes e camelôs falando que "querem trabalhar" – falas afinadas com o discurso de Bolsonaro, que vinha defendendo uma "volta à normalidade" e atacando medidas amplas de isolamento impostas por governadores.

O material acabou sendo deletado pelo próprio Twitter, numa rara ação contra um chefe de Estado, por violar as regras da plataforma. Facebook e Instagram também removeram postagens.

Políticos da oposição, por sua vez, vêm exigindo a renúncia de Bolsonaro, acusando-o de ser um líder "irresponsável" e de "cometer crimes, fraudar informações, mentir e incentivar o caos" em meio à pandemia.

O líder brasileiro também tem sido alvo de críticas na imprensa internacional. Nesta terça-feira, o jornal britânico The Guardian publicou um editorial chamando Bolsonaro de "um perigo para os brasileiros". "O curso imprudente do presidente pode fazer a diferença entre dezenas ou centenas de milhares de mortes", disse o artigo de opinião.

EK/abr/ots

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