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Uma "gripezinha" que pode acabar derrubando Bolsonaro

26 de março de 2020

Justamente em meio à crise do novo coronavírus, o presidente resolveu travar uma briga egocêntrica com governadores. E ele pode se dar mal nessa, escreve o colunista Thomas Milz.

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Bolsonaro ao lado do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 18 de março
Bolsonaro ao lado do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 18 de marçoFoto: Reuters/A. Machado

Jair Messias Bolsonaro gosta de bater de frente. Essa é a sua natureza, e quem achava que a Presidência da República traria um pouco de sensatez e leveza no trato ao ex-militar se enganou. Isso voltou a ficar evidente em sua fala agressiva de terça-feira à noite e no acesso de fúria direcionado ao governador de São Paulo, João Doria.

Em vez de aproveitar a crise para se apresentar como estadista, Bolsonaro se deixa levar por escaramuças egocêntricas, das quais ele só pode sair perdedor.

Claro que se pode ter opiniões diferentes sobre quanto tempo o isolamento social por causa da epidemia de coronavírus deve durar. Essa questão é debatida em todo o mundo, o que é perfeitamente compreensível. Pois, em todo o mundo, a paralisação da atividade econômica vai lançar as economias numa crise, possivelmente numa recessão.

O Brasil não pode se permitir isso, diz Bolsonaro, e também empresários ligados a ele deram declarações semelhantes. E este é, de fato, um ponto que também deve ser considerado.

Decisivo, porém, é como se abre essa discussão. No caso de Bolsonaro, isso soa tão assustador como as declarações de um de seus apoiadores, o empresário do setor de gastronomia Junior Durski, para quem o Brasil não pode parar por causa de 5 mil ou 7 mil mortes.

Já Bolsonaro falou de uma "gripezinha", o que, mais uma vez, mostra o grau de empatia de que ele dispõe: zero. Pior ainda, parece não lhe fazer diferença alguma se ele ofende outras pessoas, como os parentes das mais de 50 vítimas que o novo coronavírus já deixou no Brasil.

Mas também na atual situação Bolsonaro é fiel a si mesmo. A diferença é que quando ele elogiou o torturador da ditadura, o coronel Ustra, poucos se incomodaram - a ditadura, afinal, já passou faz tempo. Quando ele atacou os indígenas brasileiros, isso também não incomodou quase ninguém - os índios, afinal, moram bem longe. Quilombolas ele também pode ironizar - afinal, quantas pessoas conhecem um quilombola? No caso do coronavírus, porém, tudo muda: ninguém quer correr o risco de infectar os próprios pais, que poderiam ter uma morte lenta e cheia de sofrimento.

Bolsonaro não entendeu isso. Na sua limitada visão de mundo militar, vítimas são parte do jogo, e o que interessa é o todo. Além disso, ele espera que todas as autoridades o obedeçam cegamente. A suposta carta branca aos seus ministros é só fachada. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, precisa defender as atitudes irresponsáveis de Bolsonaro - como as selfies com manifestantes em 15 de março ou a exigência de acabar com o isolamento social - mesmo sabendo que tudo isso está errado.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é outro que se meteu numa situação desconfortável. Em vez de reduzir o endividamento do Estado e diminuir a máquina estatal por meio de privatizações e da reforma administrativa, como ele queria, precisa agora fazer novas dívidas de centenas de milhões de reais e aumentar o papel do Estado na economia.

A reforma trabalhista iniciada no governo do presidente Michel Temer também terá que ser reavaliada em breve, ao que tudo indica. O Brasil tem mais de 40 milhões de pessoas na informalidade. São pessoas que estão desprotegidas diante de uma crise como a atual. Agora é necessário admitir que tudo isso foi irresponsável. Será que o neoliberal Guedes vai virar à força um social-democrata? Seria melhor para ele. Mas o provável é que ele se vá antes disso.

É impossível saber de quanto tempo o Brasil vai precisar para superar as consequências econômicas da crise do coronavírus. O dinheiro economizado com a reforma da Previdência logo vai ser gasto nos novos pacotes de ajuda. Com suas duras críticas ao lockdown, Bolsonaro já está tentando se vacinar contra a próxima crise econômica. Numa entrevista na televisão, ele já disse que os milhões de desempregados não serão culpa dele. Mas, se ele não é o responsável, o que está fazendo na cadeira de presidente?

O declínio da sua autoridade, nos últimos dias, é assustador. Aliados se afastam, e ele perde apoio também no Congresso. Bolsonaro corre o risco de não ser mais levado a sério. Ele conseguirá se recuperar dessa situação? Ou seus rivais moderados, como os governadores João Doria e Wilson Witzel, vão ficar com os eleitores da direita?

Até parece que o novo coronavírus escolheu a dedo uma vítima especial: Jair Messias Bolsonaro. Quem achava que isso não ia dar em mais do que uma "gripezinha" ainda vai se surpreender.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

 

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