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Deputado diz que alertou Bolsonaro sobre compra da Covaxin

23 de junho de 2021

Aliado do governo, Luis Miranda afirma que levou ao presidente documentos com "indícios claros de corrupção" envolvendo aquisição da vacina indiana. Bolsonaro teria prometido acionar a PF, mas governo seguiu com negócio.

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O presidente Jair Bolsonaro
Após promessa de Bolsonaro de levar caso à PF, deputado disse não ter recebido qualquer retorno do presidenteFoto: REUTERS

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), aliado do governo de Jair Bolsonaro, disse ter informado o presidente sobre as suspeitas de irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde. O contrato é alvo da Procuradoria e da CPI da Pandemia.

Em entrevista à imprensa brasileira nesta quarta-feira (23/06), o parlamentar de primeiro mandato que foi eleito na onda conservadora de 2018 afirmou que o alerta foi feito em um encontro com Bolsonaro em março, cerca de um mês após o acordo ter sido assinado. "No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele", disse Miranda ao jornal Folha de S. Paulo.

O irmão do deputado é Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde. Em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), o servidor relatou que houve uma pressão atípica da cúpula da pasta para liberar a importação da Covaxin. Os dois irmãos serão ouvidos pela CPI da Pandemia nesta sexta-feira, 25 de junho.

"Não era só uma pressão que meu irmão recebia. Tinha indícios claros de corrupção", disse o deputado à Folha. Ao jornal Estadão, ele confirmou que levou ao encontro com Bolsonaro documentos que apontavam as irregularidades.

"Quando eu levo para o presidente a informação, não só levo a informação, como levo documentos, o contrato e a invoice [fatura] emitida naquela semana, paga, de uma vacina que não possuía [autorização da] Anvisa, que não estava no nome do contratado e nem no do intermediário do contratado. Uma pressão, inclusive, dos chefes do meu irmão, para que ele cumprisse com aqueles documentos, para que ele importasse, algo que qualquer empresa, não só o governo, jamais faria. Estava desconforme. Escancarado ali uma ilegalidade", disse Miranda.

Segundo ele, Bolsonaro então prometeu levar o caso à Polícia Federal (PF), porque teria entendido a "gravidade" da denúncia. Miranda disse, contudo, não ter recebido qualquer retorno do presidente ou da PF. Aliado do governo, ele também evitou afirmar se Bolsonaro agiu de má-fé. "Levei [as suspeitas] para ele porque confio nele. Espero que ele tenha feito alguma coisa."

O encontro em 20 de março, um sábado, não consta na agenda oficial do presidente. No mesmo dia, Miranda publicou no Instagram uma foto ao lado de Bolsonaro afirmando que os dois "trataram dos assuntos que são importantes para o Brasil", sem mencionar temas ligados à pandemia.

Nesta quarta-feira, a cúpula da CPI da Pandemia afirmou ter acionado a Polícia Federal para saber se Bolsonaro levou o caso à corporação para ser investigado.

"Acabei de pedir para o delegado da PF que peça ao diretor-geral para saber se houve inquérito para investigar essa questão da Covaxin. Se o presidente foi avisado pelo servidor e tomou providências, ótimo. Se não tomou, é preocupante", disse o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).

Em entrevista ao jornal O Globo, o ex-diretor da PF Rolando Alexandre de Souza afirmou que não lembra se Bolsonaro lhe pediu uma investigação sobre a compra da vacina indiana. A Polícia Federal, por sua vez, disse que não faz comentários sobre possíveis investigações.

O governo federal reagiu às declarações nesta quarta-feira. Segundo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, a gestão Bolsonaro acionará a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) para que investiguem os irmãos Miranda.

"O senhor presidente da República determinou ao ministro-chefe da Casa Civil que a Polícia Federal abra uma investigação sobre as declarações do deputado Luis Miranda, sobre as atividades do seu irmão, servidor público do Ministério da Saúde, e sobre todas essas circunstâncias expostas no dia de hoje", afirmou Onyx.

O caso Covaxin

O MPF identificou indícios de crime no contrato de compra da Covaxin, firmado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos em fevereiro. Com isso, o órgão pediu que o caso seja transferido para a esfera criminal – até então, ele vinha sendo investigado no âmbito de um inquérito civil público.

O despacho foi feito em 16 de junho pela procuradora Luciana Loureiro Oliveira, que conduz o inquérito na esfera cível, e revelado nesta terça-feira pela imprensa brasileira.

O contrato previa a compra de 20 milhões de doses da vacina desenvolvida pela farmacêutica indiana Bharat Biotech para combater a covid-19. O acordo totalizou R$ 1,6 bilhão e foi fechado antes mesmo da publicação de todos os estudos sobre a eficácia do imunizante.

Diferentemente de como ocorreu com a compra de outras vacinas, o acordo não foi negociado diretamente com o fabricante. No Brasil, a compra da Covaxin foi intermediada pela empresa Precisa Medicamentos, que é alvo da CPI da Pandemia no Senado e já havia sido envolvida em outro caso de fraude referente à venda de testes rápidos para covid-19.

O jornal Estadão revelou, a partir de documentos do Ministério das Relações Exteriores, que o governo federal comprou a Covaxin por um preço 1.000% mais caro do que o fabricante havia estimado seis meses antes.

Com base em um telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Nova Délhi em agosto do ano passado, ao qual teve acesso, o jornal destacou que o imunizante indiano tinha o preço estimado em 100 rúpias (1,34 dólar). Mas, em fevereiro deste ano, o Brasil pagou 15 dólares por dose. Essa foi a mais cara das vacinas compradas até agora pelo país. Paralelamente ao negócio com os indianos, o governo desprezou ofertas de outros laboratórios, como a Pfizer, que ofereciam vacinas mais baratas.

Na mira da CPI

O caso Covaxin acabou entrando na mira da CPI da Pandemia no Senado. A comissão busca agora mais detalhes sobre a compra e apura se houve pressão do governo federal para agilizar a aquisição da vacina, bem como se Bolsonaro intercedeu pessoalmente para apressar o processo.

Nesta quarta-feira, a CPI aprovou o requerimento de convite para que o servidor Luis Ricardo Miranda preste depoimento aos senadores e explique a "pressão anormal" que diz ter sofrido de seus superiores no Ministério da Saúde. Ele e seu irmão serão ouvidos na sexta-feira.

Os senadores também aprovaram a convocação (quando a presença é obrigatória) do tenente-coronel Alex Lial Marinho, que foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde e aliado próximo do ex-ministro Eduardo Pazuello. Segundo o servidor Miranda, parte da pressão que sofreu partiu de Lial Marinho. A CPI aprovou ainda a quebra de sigilo telefônico, telemático, fiscal e bancário do tenente-coronel.

Também deve depor à comissão o empresário Francisco Emerson Maximiano, um dos sócios da empresa Precisa Medicamentos, que intermediou a compra da Covaxin pelo Brasil. O depoimento dele aos senadores estava marcado para esta quarta-feira, mas o empresário enviou um ofício à comissão afirmando que não poderá comparecer pois chegou recentemente da Índia e está cumprindo a quarentena obrigatória de 14 dias.

ek (ots)