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PolíticaItália

Crise política abre caminho para extrema direita na Itália

22 de julho de 2022

Eleição após renúncia de Draghi pode gerar guinada na terceira maior economia da UE. Ultradireitistas do Irmãos da Itália lideram pesquisas, seguidos por populistas de direita da Liga e do Força Itália de Berlusconi.

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Salvini, Meloni e Berlusconi
Salvini, Meloni e Berlusconi: sondagens indicam que trio de direita pode vir a formar o próximo governo italianoFoto: GUGLIELMO MANGIAPANE/REUTERS

A nova eleição antecipada após a renúncia do premiê italiano, Mario Draghi, pode gerar uma guinada à direita na terceira maior economia da União Europeia.

"A centro-direita está pronta para vencer a eleição em 25 de setembro", disse na noite desta quinta-feira (21/07) Matteo Salvini, líder do partido populista de direita Liga. E as chances de isso acontecer são bem palpáveis.

As pesquisas atuais põem na liderança a sigla de ultradireita Irmãos da Itália (FdI) e sua líder Giorgia Meloni. Junto com a Liga e o Força Itália de Silvio Berlusconi, a legenda pode vir a formar uma maioria governamental no Parlamento – balançando de novo um pilar da UE em meio à crise econômica e a guerra na Ucrânia.

Segundo as últimas sondagens, o Irmãos da Itália ganhariam com quase 23% dos votos, com a Liga obtendo 14.4% e Força Itália, 8.4%.

Dissolver o Parlamento "é sempre a última escolha a fazer, especialmente se, como neste momento, ainda há tarefas importantes a serem concluídas'', disse o presidente italiano, Sergio Mattarella, num breve discurso, horas depois de Draghi apresentar sua demissão.

O gabinete de Mattarella informou que a eleição será realizada em 25 de setembro. Ele apelou aos partidos políticos que, em suas campanhas, mantenham em mente "os interesses mais elevados" da nação. Citando a alta dos preços dos alimentos e da energia, observou que quem mais sofre são sempre os mais fracos da sociedade.

Mario Draghi
Primeiro-ministro Mario Draghi conquistou respeito onde governos anteriores passaram uma imagem caóticaFoto: Angelo Carconi/ANSA/picture alliance

Situação confusa

Contudo a situação ainda é confusa. O fracasso em torno da votação da moção de confiança no Senado na quarta-feira e a queda de Draghi ainda são recentes demais para previsões claras.

Até dentro dos partidos da coalizão que se abstiveram de apoiar o governo Draghi no Parlamento há movimentos dissidentes. Os ministros da Administração Pública, Renato Brunetta, e para o Sul e Coesão Territorial, Mara Carfagna, anunciaram que querem se distanciar do conservador Força Itália.  Também no Parlamento, os primeiros deputados já mudaram de lado, frustrados com a situação.

As próximas eleições parlamentares estavam agendadas para o primeiro semestre de 2023. Mas, como tantas vezes no passado, os italianos terão novamente que ir mais cedo às urnas.

Draghi permanecerá interinamente até que o país tenha um novo primeiro-ministro. Só que ninguém sabe quando isso vai ocorrer. As negociações da coalizão podem se arrastar por um bom tempo, dependendo do resultado da eleição.

Especialistas estimam que um novo governo não será empossado antes de novembro: depois das eleições para o Parlamento de 2018, foram necessários 90 dias até que um novo governo assumisse.

Mais entraves a reformas

A campanha eleitoral que agora começou de fato provavelmente vai impor ainda mais dificuldades para o atual governo interino aprovar novas reformas no Parlamento. E elas são urgentemente necessárias: a Itália precisa de soluções na luta contra a inflação, a crise energética e os efeitos da seca. A UE também esperará ver progressos, antes de Roma poder acessar os bilhões de euros adicionais do fundo de resgate de Bruxelas.

"Acho que a Itália ainda precisa de Draghi", disse o ministro do Exterior Luigi di Maio, ecoando não somente o que muitos de seus 60 milhões compatriotas pensam: mesmo no exterior, o premiê relativamente silencioso e eficiente conquistou grande respeito, onde governos anteriores passaram uma imagem bastante caótica.

O ex-chefe do Banco Central Europeu conseguiu colocar novamente nos trilhos o país altamente endividado, desde que assumiu o cargo em fevereiro de 2021. Ele garantiu à Itália acesso temporário ao fundo de ajuda da UE para reconstrução após a pandemia de coronavírus, algo que a coalizão anterior, sob Giuseppe Conte, não conseguira. Mas esse sucesso terá sido apenas uma etapa intermediária, se outros passos não forem dados em seguida.

Conte, então ainda sem partido, mais tarde tornou-se líder do populista de esquerda Movimento Cinco Estrelas (M5S), considerado o principal responsável pela atual crise política. Pois foi sua recusa de tomar parte no voto de confiança no Senado na semana anterior que levou Draghi a apresentar sua renúncia.

O presidente Mattarella rejeitou a renúncia, porém no mais tardar na quarta-feira veio a última gota, quando dois partidos da coalizão, Liga e Força Itália, se uniram ao Cinco Estrelas na recusa de apoiar Draghi, deixando-o sem alternativa a não ser renunciar novamente. Dessa vez, Mattarella também cedeu e decretou a dissolução das duas câmaras do Parlamento, abrindo caminho para eleições antecipadas.

Política italiana Giorgia Meloni
Com uma vitória do Irmãos da Itália, Giorgia Meloni pode se tornar a próxima primeira-ministra italianaFoto: Cecilia Fabiano/LaPresse/Zuma/picture alliance

Ultradireita promete apoio à Ucrânia

Preparando o terreno para uma possível vitória nas urnas, a líder do Irmãos da Itália, Giorgia Meloni, garantiu que, caso chegue ao poder, a Itália continuará enviando armas para Ucrânia e apoiando Kiev em sua guerra contra a Rússia. A sigla ultradireitista foi uma das poucas que apoiaram em bloco essa decisão de Draghi, apesar de se opor a seu governo.

"Sempre defendemos e apoiamos a causa ucraniana, não só porque acreditamos nela, mas também porque a Itália não pode correr o risco de ser o elo fraco da aliança ocidental", disse Meloni à emissora estatal RAI nesta quinta-feira. O Ocidente "precisa saber que pode contar conosco", acrescentou a admiradora de Mussolini, de 45 anos. "Eu não toleraria qualquer ambivalência neste ponto."

Por outro lado, os dois principais aliados de Meloni, a Liga e o Força Itália, ambos na coalizão de Draghi, têm sido muito mais ambivalentes, refletindo seus laços históricos estreitos com o presidente russo, Vladimir Putin, de quem o líder do Força Itália, Silvio Berlusconi, é amigo íntimo. Por sua vez o líder da Liga, Matteo Salvini, elogiou o chefe do Kremlin em 2019 como "um dos melhores estadistas atualmente na Terra".

Euroceticismo e conexões fascistas

Meloni, que trabalhou arduamente ao longo dos anos para construir um perfil como líder séria e popular, publicou em 2021 sua autobiografia intitulada Io sono Giorgia. Le mie radici, le mie idee (Sou Giorgia. Minhas raízes, minhas ideias), em que explica a importância da defesa da família, da pátria, da identidade religiosa e sexual. Ela conclui com estas palavras: "Sou Giorgia. Sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã. Isso não vão me tirar."

Seu partido possui em seus quadros figuras com passado controvertido por conexões com o fascismo e o neofascismo, com várias delas fazendo a saudação fascista em encontros privados.

Uma vitória dos ultradireitistas para muitos observadores mudaria a face da Itália, pois colocaria em questão a posição do país em relação à União Europeia. Muitos defendem uma revisão dos tratados europeus e até sua substituição por uma "confederação de Estados soberanos".

Contudo, o Irmãos da Itália é membro do grupo parlamentar Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), juntamente com os poloneses do Direito e Justiça (PiS) e os espanhóis do Vox, os quais, embora vistos com desconfiança, não são considerados párias pela atual Comissão Europeia.

md/av (DPA, AFP, Reuters, AP)