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"Brasil deveria adotar política externa menos ativista"

11 de abril de 2023

Após "desastre" sob Bolsonaro, Lula foi internacionalmente bem-recebido, diz ex-embaixador Marcos Azambuja. Para ele, diplomacia deveria ser mais sóbria, sem "se meter demais, nem ser indulgente com países autoritários".

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Luiz Inácio lula da Silva fala com dedo indicador direito apontado para frente, diante de bandeira do Brasil
"O que me preocupa hoje no Lula é um excesso de protagonismo e ativismo", diz o diplomata Marcos AzambujaFoto: Eraldo Peres/AP/picture alliance

O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi acolhido internacionalmente como um doente saindo do hospital, um grande ator voltando ao palco com seu papel tradicional. Quem assim define é um dos mais destacados diplomatas brasileiros, o ex-embaixador Marcos Azambuja, de 88 anos. A imagem de doente se refere ao estado a que a política externa brasileira chegou sob o governo de Jair Bolsonaro, que Ambuja divide em dois períodos: um desastroso e o outro, medíocre.

Ex-secretário-geral do Itamaraty e ex-embaixador em Buenos Aires e Paris, dentre outras funções na chancelaria, Azambuja falou à DW sobre o momento atual e perspectivas das relações internacionais do Brasil e alertou para o que chamou de "excesso de protagonismo e ativismo" da atual política externa.

"Tenho convicção de que a política externa brasileira tem grandes rumos corretos e uma execução um pouquinho ativista demais. Declarações demais, participação demais, discurso demais. Eu preferiria algo mais sóbrio", afirma.

Para ele, o Brasil deveria defender os valores em que acredita, sem se envolver demasiado em assuntos internos de outros países. "Eu acho, primeiro, que o Brasil não pode nem deve se meter demais na vida dos países, nem ser indulgente demais com países autoritários não democráticos [...] Portanto, nem envolvimento anti-Venezuela demais nem aproximação excessiva com a Venezuela", exemplifica.

Questionado sobre o estreitamento da relação bilateral com a China, país para onde Lula viaja nesta terça-feira (11/04) e internacionalmente questionado em relação a direitos humanos, Ambuja comentou que todos os países trabalham suas relações e têm de viver em um mundo imperfeito.

"Se você começar a julgar cada país ou a fazer uma condicionalidade para os seus negócios, então você acaba não fazendo negócios com ninguém", avalia, explicando que cada nação encontra um ponto de equilíbrio entre resguardar seus valores e princípios e defender seus interesses.

DW: Como o Brasil lida com questionamentos internacionais sobre as questões sociais da China, enquanto busca avançar na parceria comercial?

Marcos Azambuja: Todo país é movido por duas forças: os seus princípios e os seus interesses. Princípios são aqueles valores que você, como membro da sociedade internacional, das Nações Unidas, dos órgãos das Nações Unidas que tratam especificamente de meio ambiente e direitos humanos, é obrigado a reconhecer e apoiar.

Os interesses são aquela trama de comércio, de investimentos, de oportunidades, de negócios que vão se criando com vários parceiros. Então o problema sempre foi conciliar valores, princípios e interesses. Todo país tem de conviver num mundo imperfeito.

Como fica na prática o relacionamento entre países diferentes?

Se você começar a julgar cada país ou fazer uma condicionalidade para os seus negócios, então você acaba não fazendo negócios com ninguém, fazendo apenas com pequeníssimo grupo. Então você tem uma situação em que cada país encontra um ponto de equilíbrio em que ele ao mesmo tempo resguarda os seus valores, seus princípios e defende seus interesses. O Brasil procura sempre fazer as duas coisas, reafirmar valores e promover interesses.

Como ficou a política externa brasileira durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro?

Vamos dividir o governo Bolsonaro em matéria de política externa em dois momentos: há uma fase Ernesto Araújo (ministro das Relações Exteriores entre janeiro de 2019 e março de 2021), em que a política era lunática e desastrada. Ela não se explica, nem se defende. Com a administração de Carlos França (ministro das Relações Exteriores abril de 2021 e dezembro de 2022), o Brasil retorna de certa forma ao prumo dos seus interesses e ao trilho da sua tradição.

Acredita que o princípio da neutralidade tradicionalmente adotado pela diplomacia brasileira foi prejudicado pelo grau de relacionamento de Bolsonaro com o ex-presidente dos EUA, Donald Trump?

Não consigo ver. Houve momentos em que os votos foram errados, algumas atitudes, mas não houve dados claramente quantificados. Houve uma aproximação excessiva com um intervencionismo na Venezuela, que ia além do que nos convinha fazer. Houve um apoio talvez excessivo à mudança da representação [de Tel Aviv] para Jerusalém. Houve uma crítica excessiva a regimes de esquerda, quando o Brasil não tem de jogar nem à esquerda nem à direita. Tem que conviver com o mundo como é.

Como vê a modelagem direita-esquerda no campo internacional?

Temos como ver que não há esquerda sem direita e não há direita sem esquerda, e mais ou menos cuidar da nossa quitanda e do nosso interesse. Portanto, o governo Bolsonaro foi desastroso durante um período e medíocre na parte final. Houve excesso de aproximação não com os EUA, um grande parceiro brasileiro através de séculos de amizade, mas uma intimidade excessiva com políticas daquele momento em Washington, que se provaram muito impróprias. Uma excessiva aproximação não com os Estados Unidos, mas com Trump.

Como viu a relação do governo Bolsonaro com os temas internos da Venezuela?

Foi intervenção nossa, preocupação excessiva com os rumos internos da Venezuela. Certamente não estávamos a favor das limitações da democracia na Venezuela, mas não deveríamos ter nos envolvido tão intensamente na escolha de candidatos. Nós nos envolvemos demais com a mecânica interna da política venezuelana. O Brasil tem de defender princípios e mais ou menos ficar quieto, porque a Venezuela é um grande vizinho e continuará sendo. O Brasil tem de defender as causas em que acredita e conviver com os seus vizinhos.

Como vê os desafios do governo atual, de Luiz Inácio Lula da Silva, no campo internacional?

O governo me parece, primeiro, que foi acolhido internacionalmente como se fosse um doente que saísse do hospital. O mundo reacolheu o Brasil com grande satisfação. A ideia de um grande ator que voltava ao palco com o seu papel tradicional. O que me preocupa hoje no Lula é um excesso de protagonismo e ativismo. Um excesso de velocidade. Eu acredito que política externa tem uma cadência, um ritmo. Nós deveríamos ser um pouco mais cuidadosos na velocidade que estamos imprimindo.

Como é o quadro atual da política externa brasileira?

No rumo geral, ela me parece adequada. A relação com os Estados Unidos está em muito bons termos. A relação com a China me parece excelente, a com a Índia também, assim como com os países europeus. Tenho convicção de que a política externa brasileira tem grandes rumos corretos e uma execução um pouquinho ativista demais. Declarações demais, participação demais, discurso demais, eu preferia uma coisa mais sóbria.

Quais seriam as evidências dessa percepção quanto ao ativismo?

Eu acho, primeiro, que o Brasil não pode nem deve se meter demais na vida dos países, nem ser indulgente demais com países autoritários não democráticos. Portanto, eu seria a favor de um discurso mais sóbrio, mais medido, mais ponderado. Que o Brasil tivesse uma situação em que ele defendesse os valores em que acredita, mas não se envolvesse na economia interna do que acontece dentro de cada país. Portanto, nem envolvimento anti-Venezuela demais, nem aproximação excessiva com a Venezuela.