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Avança na Câmara PL que revê demarcação de terras indígenas

24 de junho de 2021

CCJ aprova o polêmico PL 490, que pode anular e dificulta demarcações. Classificada por indígenas de "agressão aos povos originários", proposta ainda precisa ser votada nos plenários da Câmara e do Senado.

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Indígenas protestam contra o PL 490 em Brasília
Indígenas protestam contra o PL 490 em Brasília nesta quartaFoto: Ricardo Mazalan/AP/picture alliance

Após horas de discussão, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (23/06) o polêmico Projeto de Lei (PL) 490/2007, que muda as regras sobre a demarcação de terras indígenas e dificulta o processo.

Numa sessão marcada por vários desentendimentos entre oposição e governistas, o texto-base da proposta foi aprovado com 40 votos a favor ao parecer de relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), e 21 contrários.

A votação dos chamados destaques, ou seja, sugestões de alteração ao texto, deverá ocorrer nesta quinta. Finalizada essa etapa, a proposta seguirá para o plenário da Câmara e, se aprovado, para o do Senado.

O PL 490 prevê a revisão do usufruto exclusivo das terras pelos indígenas, previsto na Constituição. Além disso, o projeto propõe a criação de um "marco temporal", exigindo a presença física dos indígenas nos territórios demarcados em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

O projeto determina ainda que o processo de demarcação de terras indígenas tenha obrigatoriamente a participação dos estados e municípios em que se localize a área analisada e de todas as comunidades diretamente envolvidas. 

O texto também proíbe a ampliação de terras já demarcadas e considera nulas as demarcações que não atendam às regras estabelecidas no projeto. Já os processos que estiverem em andamento, deverão seguir as novas regras.

A proposta permite ainda a retomada de áreas de reservas destinadas aos povos indígenas, "em razão da alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo".

O projeto também abre espaço para a exploração, em terras indígenas, de atividades econômicas, como as que são ligadas ao agronegócio e ao turismo. Se o PL for aprovado, o governo poderá, por exemplo, construir estradas e centrais hidroelétricas nesses territórios, sem necessidade de consultar os povos nativos da região.

Ao longo da sessão desta quarta, que durou cerca de sete horas, a presidente da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF), rejeitou pedidos da oposição para retirar a proposta da pauta ou adiar a discussão, assim como apelos por diálogo com o movimento indígena, que tenta há semanas ser ouvido sobre o projeto.

Indígena mira flecha contra policiais em Brasília
Confronto entre manifestantes indígenas e policiais em Brasília nesta terça deixou ao menos cinco feridosFoto: Eraldo Peres/AP/picture alliance

Na semana passada, indígenas foram reprimidos pela Polícia Militar de Brasília enquanto protestavam contra a iniciativa em frente à Funai. E nesta terça-feira, manifestações de indígenas em frente à Câmara dos Deputados terminaram com ao menos cinco feridos. O confronto entre indígenas e policiais militares levou ao cancelamento da reunião que analisaria a proposta na CCJ nesta terça. Bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas contra os manifestantes, que dispararam flechas.

Nesta quarta, indígenas voltaram a protestar contra o PL 490 nas imediações da Câmara dos Deputados. O ato foi pacífico.

Críticas

Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o projeto de lei afronta decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Convenção 169, da OIT e, se aprovado, "inviabilizará a demarcação de terras indígenas e permitirá atividades como o agronegócio, mineração e construção de hidrelétricas em terras indígenas demarcadas”.

"O que nós queremos é que a lei seja cumprida, que a Constituição Federal seja respeitada. Esse Projeto de Lei pode anular as demarcações de terras indígenas no país, é uma agressão aos povos originários", afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), citado em comunicado.

"A nossa Constituição não pode ser mudada por qualquer interesse egoísta, individual, de quem tem olhar de cobiça para as Terras Indígenas. Esse olhar que a gente vê em todos os discursos que querem emplacar [aprovar] o Projeto de Lei. Pura cobiça nos recursos naturais das terras indígenas, que são garantidas pela Constituição Federal", criticou Joenia Wapichana (Rede-RR), única representante indígena no Congresso.

Manifestante indígena diante de cordão policial em Brasília
Manifestante indígena diante de cordão policial em Brasília, nesta terçaFoto: Eraldo Peres/AP/picture alliance

A deputada federal argumentou que não houve consulta prévia aos povos indígenas, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além disso, segundo ela, o procedimento legislativo na CCJ falhou por não identificar a inconstitucionalidade da matéria. Na sessão desta quarta, vários parlamentares da oposição lembraram que o STF ainda deverá pronunciar-se sobre vários dos pontos previstos no projeto, a exemplo do "marco temporal". 

"O Projeto de Lei é uma bandeira de Jair Bolsonaro e da bancada que diz representar o agronegócio. Se aprovado, na prática vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas e escancará-las a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidroelétricas. A proposta é inconstitucional", afirmou a ONG Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) em comunicado. 

"O perigo [do PL 490] não é só para os povos indígenas. É para o futuro mesmo, porque isso vai trazer uma destruição social e ambiental enorme para o Brasil. E pode afetar até mesmo a economia, porque se o Brasil não respeitar os acordos estabelecidos dentro das convenções climáticas vai passar a mensagem de que não é um país de respeito, de compromisso. O Brasil vai ser visto como um país que está destruindo o futuro, desrespeitando o direito de viver das pessoas”, disse o cacique Almir Suruí, principal liderança do povo Paiter Suruí, de Rondônia, em entrevista à DW Brasil.

lf (Abr, Lusa, DW, ots)