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As histórias de crianças raptadas por regimes autoritários

26 de novembro de 2023

Ditaduras mundo afora sequestraram crianças para reprimir, intimidar e punir seus desafetos. Uma exposição na Rotes Rathaus, em Berlim, dá nome e rosto a esse crime, que continua atual.

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O argentino Leonardo Fossati Ortega, um homem de 46 anos, cabelo preto e barba grisalha, posa de terno e gravata ao lado de um pôster que conta sua história de vida.
O argentino Leonardo Fossati Ortega, que só conheceu sua família verdadeira quase três décadas depois de nascer, compartilha sua história pessoal em exposição em cartaz em BerlimFoto: Bundesstiftung Aufarbeitung

Quando o argentino Leonardo Fossati Ortega nasceu, em 1977, seu país estava sob o controle de uma ditadura militar. A mãe dele, Inês, uma adolescente de 17 anos à época, militava em uma organização juvenil. O pai, Ruben, era um estudante universitário. Ambos foram perseguidos pelos militares e desapareceram. Nunca mais foram vistos; provavelmente, foram assassinados – assim como muitos outros compatriotas desaparecidos durante a ditadura militar na Argentina, que só terminou em 1983.

A história dele e de outros que tiveram um destino parecido é contada em uma exposição elaborada pela Fundação para o Estudo da Ditadura na Alemanha Comunista e a Fundação Elisabeth Käsemann, e em cartaz na Rotes Rathaus, prédio da Prefeitura de Berlim.

Leonardo não foi criado pelos pais biológicos. "Sempre questionei minha identidade, porque meus pais eram mais como avós em comparação com os pais dos meus amigos. Também não conseguia encontrar semelhanças com a aparência deles", disse à DW. Foi apenas aos 20 anos que Leonardo começou a interrogar seus tutores sobre seus verdadeiros pais. "Aí eles me contaram a verdade."

Seus pais adotivos disseram que ouviram de uma parteira do bairro que Leonardo era o filho abandonado de uma jovem de La Plata que não queria ficar com o menino. Leonardo então procurou a parteira, mas não teve sucesso. Um dia, um amigo na escola de teatro em Buenos Aires sugeriu que ele entrasse em contato com as avós do grupo Praça de Maio.

Em busca de suas raízes

Esse grupo de mulheres corajosas foi formado durante a ditadura militar argentina. Elas pressionavam aqueles no poder a revelar o paradeiro de suas filhas e netos, alguns dos quais nasceram na prisão ou foram sequestrados. Depois que a junta militar caiu, o grupo usou amostras de sangue para criar um banco de dados genético.

Esse banco de dados permitiu que Leonardo descobrisse a identidade de seus pais e conhecesse seus avós. "Minha família biológica, cujas amostras de sangue estavam armazenadas no banco de dados, estava procurando por mim há quase 28 anos."

Há uma foto do pai biológico de Leonardo em exibição na exposição de Berlim. Mas da mãe, até hoje, ele não tem nem sequer uma foto. Leonardo se consola com o fato de que agora conhece a verdade. "Pela primeira vez, reconheço semelhanças com outras pessoas, com minha família."

Assim como ele, outros cerca de 130 argentinos eventualmente conseguiram localizar suas famílias. Mas também há muitas centenas que foram separados de seus pais quando crianças e nunca mais voltaram a vê-los.

Hoje aos 46 anos, Leonardo não quer perder a esperança. Ele se vê como parte de uma comunidade maior, unida por uma experiência compartilhada. "É muito importante para nós continuar a busca por nossas famílias, fazer novos amigos e nos conectar."

Filhos dos campos de trabalho forçado do pós-guerra

Outra história contada na exposição de Berlim é a de Alexander Latotzky. Ele nasceu em 1948 no campo de prisioneiros de Bautzen, sob administração soviética e próximo da fronteira da Alemanha com a Polônia e a República Tcheca.

A mãe de Latotzky, acusada de espionagem, foi condenada a 15 anos de prisão e trabalho forçado. Durante os dois primeiros anos de vida, ele foi transferido para diferentes campos até ir parar em um abrigo para crianças.

Alexander Latotzky, um homem careca e grisalho de 75 anos, posa diante de placas que contam a história de sua infância
Alexander Latotzky nasceu em um campo de prisioneirosFoto: Bundesstiftung Aufarbeitung

Há muitas histórias semelhantes que se desenrolaram após o final da Segunda Guerra Mundial na zona de ocupação soviética, que mais tarde se tornaria a República Democrática Alemã (RDA).

Foi só em 1956 que Latotzky, hoje com 75 anos, foi autorizado a voltar para sua mãe, após ela ser libertada da prisão devido a uma doença grave. Ela morreu aos 41 anos, em 1967. Quanto ao pai – um ucraniano deportado pelos nazistas para a Alemanha em 1943 para trabalhos forçados –, ele nunca pôde conhecê-lo.

"Esta exposição é incrivelmente importante para mim porque tenho tentado chamar a atenção para as histórias de prisioneiros políticos e seus filhos há décadas", disse Latotzky à DW.

O interesse por esses destinos familiares trágicos aumentou após a queda do Muro de Berlim em 1989, só para desvanecer logo depois. "Tenho a sensação de que as pessoas não acham [esse tema] mais tão importante", disse Alexander.

Alemanha Oriental ameaçava com a destituição da guarda de crianças

Na antiga Alemanha Oriental, as autoridades frequentemente ameaçavam tirar os filhos das mulheres se elas não cooperassem com o regime – na maioria dos casos, isso significava trabalhar para a Stasi, a polícia secreta. "É um método que ditaduras usavam repetidamente para pressionar seus opositores", explicou Latotzky.

É uma história que Evelyn Zupke conhece bem. Ela foi eleita pelo Parlamento alemão como comissária das vítimas da ditadura na Alemanha comunista. Seu trabalho é chamar atenção para a situação dos que foram perseguidos pelo regime derrubado na revolução não-violenta de 1989.

"Falar com as vítimas sobre o que aconteceu com elas é sempre emocionante para mim", disse Zupke à DW. "Romper o silêncio é um grande desafio para eles, mas fazê-lo tem um grande valor para a sociedade."

Conhecer as experiências trágicas de pessoas como Alexander Latotzky e Leonardo Fossati Ortega é dar nome e rosto a histórias aparentemente abstratas. A exposição, em cartaz até o final de novembro, traz ainda histórias de pessoas da antiga União Soviética, El Salvador e Canadá.

"A separação violenta de pais e filhos não é algo do passado", alerta uma placa na exposição. "Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, milhares de crianças foram levadas do leste ucraniano à Rússia. Na China, autoridades deportam crianças uigures para campos de 'reeducação', e organizações terroristas como o Boko Haram estão raptando meninas na Nigéria."

Marcel Fürstenau
Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.