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Arte e consumo em "Shopping"

Neusa Soliz26 de outubro de 2002

"Shopping" transformou o museu Schirn-Kunsthalle, de Frankfurt, num templo do consumo. De Duchamp a Warhol, dos surrealistas a Beuys, vários artistas "brincaram" com as relações entre produto e objeto de arte.

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Carrinho de compras tamanho "big" de Maurizio Catellan, um dos objetos da mostraFoto: AP

O mundo do consumo impôs-se como um elemento determinante na vida do ser humano. Um mundo colorido, a criar incansavelmente novos desejos e necessidades, a atrair com suas promessas de beleza e felicidade. Fazer compras virou ritual público, atividade de lazer e entretenimento. Em suma: um prazer, refletindo, como poucas atividades, a cultura e os valores da sociedade de consumo.

A exposição Shopping, que o museu Schirn-Kunsthalle de Frankfurt apresenta de 28 de setembro a 1º de dezembro, procura documentar cem anos do fascínio, da inter-relação e da aproximação entre as artes plásticas de um lado e a cultura do consumo de outro, com sua estética própria, suas estratégias e técnicas de sedução. Mundos que acabaram se interpenetrando e recorrendo um ao outro.

Shopping, organizada juntamente com o museu Tate de Liverpool, mostra mais de 70 "posições artísticas" ou maneiras de encarar o tema, entre as quais trabalhos de Marcel Duchamp, Gerhard Richter, Claes Oldenburg, Andy Warhol, Eugène Atget, Man Ray, Roy Lichtenstein, Christo, Joseph Beuys, Andreas Gursky e Jeff Koons.

A exposição inclui obras cedidas por museus e colecionadores particulares, instalações de grande porte como as de Damien Hirst e Sylvie Fleury, a reconstrução da legendária exposição de pop art American Supermarket e trabalhos especialmente criados para Shopping por artistas como Haim Steinbach, Barbara Kruger, Ben Vautier, Olaf Nicolai, Guillaume Bijl e Surasi Kusolwong.

Consumo, logo sou

"Shopping é a primeira exposição que trata das relações entre a cultura consumista da sociedade de massas e a arte moderna e contemporânea. Durante todo o século 20, os templos do consumo e catedrais da abundância, com suas formas sutis de apresentação das mercadorias, sempre exerceram grande atração sobre os artistas plásticos", diz Max Hollein, um dos curadores da mostra.

Fato é que o museu no centro de Frankfurt e situado próximo à zona comercial e aos calçadões de lojas transformou-se num desses templos em que o visitante procura distinguir entre o "ser e a ilusão de ser", muitas vezes perguntando se realmente há criatividade em obras artísticas que procuram copiar o real, ou que se limitam a uma seleção metódica de objetos, dispostos em determinado arranjo.

O irresistível charme da estética de vitrines

Um bom exemplo disso é Pleasure, de Sylvie Fleury (1996): um arranjo bonito e displicente de sapatos e caixas de calçados, a desordem natural que sobra numa loja, depois da escolha de um cliente. Ou então uma serigrafia de Barbara Kruger com os dizeres "I shop therefore I am ", de 1987, uma composição de imagem e texto em estética de supermercado e que acabou virando um ícone. Por mais interessante que a frase soe aos ouvidos críticos, não passa de uma variação do célebre "penso, logo existo".

O aspecto crítico foi pouco explorado na exposição de Frankfurt, como se o museu e os próprios artistas sucumbissem ao encanto dos produtos e sua estética, como se a luta entre a arte e o consumo já estivesse definitivamente perdida para a arte.

O que fazer na era em que as "as qualidades de vitrine das coisas" - para usar uma expressão do filósofo Georg Simmel - se tornam cada vez mais importantes, em que a estética fica por conta dos publicitários e da propaganda, em que pintores e escultores parecem não ter vez ? A concorrência tornou-se acirrada e a arte tem que disputar espaço na selva de imagens, onde até um tênis ou o sabonete de uma certa marca são estilizados em ícones.

A arte sob a égide do visual

Nesse "salve-se quem puder", "alguns artistas partiram para o minimalismo, outros refugiaram-se no Absurdistão ( o mundo do absurdo). A maioria, porém, foi contagiada pelo poder do visual. Esses são os que tiveram suas obras expostas em Frankfurt. Entraram, portanto, num jogo que só podiam perder", escreve o semanário Die Zeit, para quem o museu se transformou numa feira.

O carrinho de compras foi o objeto que mais inspirou os artistas. Fleury deu um banho de ouro em um deles, enquanto Catellan espichou o seu até transformá-lo numa limusine e Christo optou - como não poderia deixar de ser - por empacotá-lo.

Em sua forma normal, o visitante de Shopping pode ver vários deles na réplica de um supermercado alemão da cadeia Kaiser Tengelmann, obra de Guillaume Bijl. Ali tem de tudo o que se encontra num supermercado de verdade, desde salsicha até ovos e pão, pelo que as mercadorias frescas são revisadas e substituídas diariamente. Qual é a arte no caso? Provocar o estranhamento no visitante, levá-lo a reconhecer como bizarro e artificial os lugares que ele freqüenta e encara como parte do "normal"?

Estética de supermercado

Mudar radicalmente o contexto dos objetos era a tática de Duchamp, muito bem aplicada por Jeff Koons em sua interessante série de aspiradores de pó, de 1987. Retirado de seu esconderijo na despensa, o indispensável limpador de tapetes e carpetes foi colocado em novas formações de destaque, devidamente iluminadas. Querer fazer de um aspirador algo imortal é um sarcasmo, uma ironia que joga com a admissão de que qualquer mercadoria pode se tornar um fetiche.

O supermercado de Guillaume Bijl traz a recordação do American Supermarket de quase 40 anos atrás, que Warhol, Lichtenstein e outros expoentes da arte pop montaram em Nova York, mas em que os produtos são de gesso ou plástico, portanto, nem arte nem objeto diário.

Nos anos 60, a transformação de uma galeria num mercadinho tinha algo de escandaloso e divertido ao mesmo tempo. Hoje, não desperta mais do que um sorriso nostálgico. A brincadeira com os produtos, sua própria caricatura, usada e abusada como recurso de publicidade, é demasiado trivial para chegar a causar sensação.

Triunfo do mercado?

Mesmo as obras de grandes dimensões parecem perder a luta pela atenção do espectador. Para atrair visitantes à exposição, por exemplo, Barbara Kruger cobriu uma loja de departamentos com duas enormes faixas, onde se vê um olho gigantesco e os dizeres: "Você quer, você sonha, você compra e você esquece".

Quem esperava uma abordagem crítica da sociedade de consumo pode até esquecer o que viu na Schirn-Kunsthalle. Mas sairá de lá com a preocupação de que, depois da arte, um museu também se inspire na lógica do mercado e das mercadorias. A previsão de Andy Warhol de que os museus se transformariam em lojas parece cumprir-se, observa o Die Zeit, concluindo que tudo estará perdido no momento em que até a arte não passar de um produto.