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Arroz bovino: solução sustentável para quem gosta de carne?

Fred Schwaller
27 de março de 2024

Cientistas da Coreia do Sul inseriram células de carne e de gordura de gado em grãos de arroz e os cultivaram durante dez dias. Críticos, porém, questionam o valor nutricional do novo produto e sua viabilidade.

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A mão de um cientista insere carne de laboratório em um arroz que vai ser cultivado para depois ser consumido como parte da dieta de proteínas.
Produto contém 8% mais proteína e 7% mais gordura do que o arroz tradicional, mas, ainda assim, muito abaixo dos valores da carne convencionalFoto: Kim Soo-hyeon/REUTERS

Essencial para uma dieta saudável, a proteína pode ser obtida por meio de plantas e animais, como feijões, ervilhas, nozes e sementes de cereais integrais, além de peixes, aves e outras carnes.

Especialistas em nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard aconselham que a maior parte das proteínas sejam oriundas de fontes vegetais. Carnes vermelhas, como a bovina, segundo eles, "devem ser consumidas em uma base mais limitada".

A produção de carne é, por um lado, considerada insustentável em termos ambientais. E o excesso de carne também pode levar a problemas de saúde, a exemplo do câncer de intestino. Muitas vezes, isso se deve mais à forma como a carne é cozida do que à carne em si. Ainda assim, vale a pena ter em mente o ditado que diz: você é o que você come.

Muitas pessoas, porém, gostam de comer carne. Portanto, a ideia de misturar arroz – uma proteína de origem vegetal – com carne bovina sustentável, cultivada em laboratório, pode ser saudada como uma boa notícia. É isso que cientistas da Coreia do Sul dizem ter criado e estão chamando de "arroz bovino" (beef rice).

O que é o arroz bovino?

Pesquisadores de Seul pegaram células de carne e de gordura de gado, revestiram-nas com gelatina de peixe e as inseriram em grãos de arroz, onde cresceram.

O revestimento de gelatina ajudou os nutrientes do material animal – músculo bovino e células-tronco de gordura – a crescer e enriquecer o arroz.

O vegetal foi cultivado por cerca de dez dias, permitindo que a proteína e a gordura das células animais se desenvolvessem. E o que apareceu foi um grão branco-rosado.

Mas e o sabor?

"O sabor inicial é predominantemente o do arroz. No entanto, há vários sabores complexos interconectados. Tem um gosto de proteína um tanto farináceo, mas também de nozes, seguido por um sabor ligeiramente cremoso e amanteigado", revela Jinkee Hong, um dos principais autores do estudo na Universidade de Yonsei.

Vasilhame com arroz de cor rosa
Vegetal foi cultivado por cerca de dez dias, resultando em um grão de cor rosadaFoto: Kim Soo-hyeon/REUTERS

Quão nutritivo é?

Hong diz que o arroz com carne bovina contém 8% mais proteína e 7% mais gordura do que o arroz tradicional, o que o tornaria uma fonte rica de aminoácidos essenciais, que produzem proteínas.

"Isso demonstra seu potencial como um superalimento futuro e também oferece ideias para o desenvolvimento de novas formas de produtos alimentícios híbridos", afirma Hong.

Alguns especialistas em alimentos, no entanto, questionam o valor nutricional do arroz bovino.

"O produto final contém 4,8 gramas de células bovinas cultivadas por quilo de arroz. Isso significa que 0,5% do produto final é carne cultivada, e 99,5% é arroz. Para substituir a carne, a porcentagem da proteína no produto final precisaria ser maior", argumenta Hannah Tuomisto, professora de sistemas alimentares sustentáveis da Universidade de Helsinque, na Finlândia.

O arroz com carne bovina é apenas um dos vários experimentos para modificar esse grão com o objetivo de obter mais nutrientes para dietas básicas. O arroz dourado, por exemplo, é geneticamente modificado para conter uma forma de vitamina A que se descobriu estar em falta na dieta em regiões da Ásia e da África.

O professor Jinkee Hong aparece de jaleco, com luvas azuis, mostrando o arroz com carne em uma pequena vasilha.
O professor Jinkee Hong conduziu o experimento e defende a sustentabilidade futura do alimentoFoto: Kim Soo-hyeon/REUTERS

Quão "verde" é o arroz bovino?

Hong e sua equipe afirmam que o cultivo do arroz híbrido produziria menos gases de efeito estufa do que a produção de carne bovina convencional.

Segundo os pesquisadores, 100 gramas de produção de proteína de carne bovina liberam cerca de 50 kg de dióxido de carbono (um número comprovado por estudos anteriores), enquanto a produção de 100 gramas de proteína de arroz híbrido liberaria menos de 6,27 kg.

"A carne cultivada é um campo extremamente promissor devido a seus possíveis benefícios para o meio ambiente, a segurança alimentar, a sustentabilidade e a ética animal", defende Hong.

A equipe também não é a primeira a trabalhar em produtos de carne cultivados em laboratório. O primeiro hambúrguer desse tipo foi apresentado em 2013 pelo cientista holandês Mark Post.

Menos de uma década depois, o setor se expandiu para mais de 150 empresas em todo o mundo, a maioria concentrada na produção de alternativas para carnes comuns, como porco, gado e frango.

Por que é tão difícil comprar essa carne?

Hong afirma que a carne cultivada em laboratório ainda é muito cara para a produção em massa, o que significa que tem sido difícil colocá-la nas prateleiras dos supermercados.

Um dos principais desafios é que ela depende de produtos de origem animal para cultivar as células. No estudo de Hong, os pesquisadores obtiveram seus lotes iniciais de células musculares e de gordura de gado abatido em um matadouro local.

"Todas as carnes produzidas em laboratório dependem de soro bovino, o sangue de um boi, como suplemento de crescimento. É a melhor maneira que temos de cultivar uma quantidade tão grande de células com as quais se pode fazer algo. Mas isso levanta argumentos ecológicos e questões de crueldade com os animais, e é caro", diz Alfredo Franco-Obregon, da Universidade Nacional de Cingapura. Ele também já trabalhou com carne cultivada em laboratório.

Os produtores têm ainda um longo caminho até convencer as pessoas a comer carnes cultivadas em laboratório.

Uma pesquisa realizada no Reino Unido pela Agência de Normas Alimentares (Food Standards Agency) revelou que apenas um terço dos participantes está disposto a experimentar o alimento.

Quase metade relatou que nada poderia incentivá-los a experimentar carne cultivada em laboratório, e mais de um quarto disse que poderia ser persuadido se soubesse que a carne é segura para consumo.

Os desafios da produção da carne de laboratório