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Argentina pode estar às vésperas de novo calote

Jan D. Walter as
7 de maio de 2020

Governo tenta renegociar, mas credores já sinalizaram que não aceitam novas condições propostas. Especialista vê novo calote como inevitável, seria o nono nos 200 anos de existência do país e o terceiro desde 2000.

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Sede do Banco Central da Argentina
Calote pode ser o nono dado pela ArgentinaFoto: Imago Images/ZUMA Press/R. Almeida Aveledo

Detentores de títulos da dívida pública da Argentina têm até esta sexta-feira (08/05) para decidirem se aceitam uma oferta, apresentada pelo ministro argentino da Economia, Martín Guzmán, de reestruturação de 65 bilhões de dólares da dívida que está sob jurisdição internacional.

Os fundos de investimento, ao que tudo indica, já tomaram sua decisão. Um dos maiores credores, a empresa de gestão de ativos Blackrock, já rejeitou a oferta e ofereceu uma contraproposta.

O ponto que mais deve desagradar os investidores é a intenção da Argentina de suspender o pagamento dos juros da dívida até 2023 e então retomá-lo com juros bem menores. Porém, se houver um calote, os investidores arriscam receber ainda menos.

Como de propósito, para elevar a pressão sobre os investidores, o Ministério da Economia da Argentina corrigiu nesta terça-feira suas projeções para 2020: a economia vai recuar 6,5%, e o déficit público chegará a 3,1% do PIB – três dias antes do prazo final dado, o governo pintou um cenário ainda pior do que há algumas semanas.

É claro que a pandemia de covid-19 causou estragos também na economia argentina, mas o temor de falência já vem de antes. Quando o novo presidente, Alberto Fernández, assumiu a presidência, em dezembro de 2019, ele herdou uma dívida de 320 bilhões de dólares, empilhada pelos seus antecessores Cristina Kirchner e Mauricio Macri.

Somente nos dois últimos anos, a dívida pública subiu de 57% para 90% do PIB – em parte porque a Argentina contraiu dívidas, mas também porque o câmbio foi desfavorável ao peso. O dólar vale hoje, em pesos, quatro vezes mais do que no início de 2017.

"O presidente Fernández pode ainda não ter anunciado, mas o país já estava insolvente mesmo antes de ele assumir o cargo", comenta o economista Federico Foders, professor emérito do instituto econômico alemão IfW.

A depender da evolução dos juros nos próximos anos, a Argentina poderá chegar ao montante de 45 bilhões de dólares por ano apenas no pagamento de juros, o chamado serviço da dívida. Isso equivale a 10% do PIB de 2019. "Isso é insustentável para qualquer país do mundo", avalia Foders.

Para o economista, não há mais como evitar o novo calote, que seria o nono nos 200 anos de existência do país e o terceiro desde o ano 2000. Se for levada em conta a dívida total do país, seria a maior insolvência da história. A Argentina teria, assim, recuperado esse "título" apenas dois anos depois de tê-lo perdido para a Venezuela.

A história começa no início do milênio. Em 2001, a Argentina, então com uma dívida de 132 bilhões de dólares, anunciou a maior falência de um Estado da história até então. Depois de amplos cortes, os credores tomaram um calote de 80 bilhões de dólares.

Presidente da Argentina, Alberto Fernández
Governo de Fernández apresentou proposta a investidoresFoto: Reuters/A. Marcarian

O próximo calote veio em 2014, depois de um tribunal de Nova York dar ganho de causa a dois fundos de hedge dos EUA, num processo envolvendo justamente títulos da dívida antiga, anterior ao calote de 2001.

O governo da presidente Christina Kirchner se recusou a pagar, mas o sucessor dela, Mauricio Macri, aceitou a decisão e pagou.

Com isso, Macri abriu caminho para a Argentina retornar ao mercado financeiro internacional. E os investidores confiaram em Macri, que se apresentou como contraponto liberal ao populismo de esquerda dos Kirchner.

Dúvidas geradas pelo desacreditado histórico fiscal do país e por uma economia cambaleante foram deixadas de lado, em favor de juros generosos. "Na comparação com o cenário de juros baixos nos países industrializados, a situação era atraente para os investidores", comenta Foders.

Mas não só os investidores privados se deixaram seduzir pela aura de Macri. Em outubro de 2018, com a economia argentina de novo em queda, o Fundo Monetário Internacional (FMI) emprestou 56,3 bilhões de dólares ao governo argentino.

Já na época o diretor da Blackrock Rick Rieder se mostrou cauteloso. "Acho que a Argentina pode fazer a curva. O apoio do FMI é algo grandioso", declarou à emissora Bloomberg. Mas ressalvou: "Eles têm desafios fiscais, uma eleição se aproximando, os desafios são reais. Acho que é necessário ser um pouco mais cauteloso do que no início do ano. Nós certamente estamos sendo."

Já em fevereiro – ou seja, nem seis meses depois de receber o seu maior empréstimo do FMI – o país parou de honrar pagamentos de dívida emitida sob a lei argentina. Foders diz que um novo calote seria um enorme fiasco para o FMI. "O Fundo sabe exatamente como o país funciona e qual era o tamanho da dívida."

Mas Macri, um conservador, era visto por muitos países contribuintes do FMI como um fator de estabilidade na América do Sul, marcada pelos governos de esquerda. "Principalmente os Estados Unidos, na condição de maior contribuinte, têm enorme influência dentro do Fundo. Isso sempre foi assim e não é nenhum segredo. E é bem provável que Donald Trump tenha feito pressão para que Macri recebesse o dinheiro", avalia Foders.

As negociações sobre esse empréstimo também estão em andamento, depois de Buenos Aires ter aberto as finanças públicas para o FMI. Nesta quarta-feira, 138 economistas de 20 países apelaram aos credores para que se comportem de maneira construtiva com a Argentina.

O próximo pagamento de juros da dívida que a Argentina tenta reestruturar, no valor total de 500 milhões de dólares, está marcado para 22 de maio. Se o país não honrar o pagamento, será mais um calote.

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