Agência da ONU alerta contra aumento de lixo eletrônico
14 de maio de 2015Televisores fumegantes, geladeiras, rios contaminados fazem parte do cotidiano das pessoas em Agbogbloshie. O bairro da metrópole Accra, em Gana, se tornou símbolo do impacto do consumo global de eletrônicos.
Os trabalhadores, a maioria jovem, usam pneus de borracha e placas de espuma de geladeiras velhas como material combustível para derreter cobre e outros metais encontrados nos aparelhos. "Podemos dizer que a expectativa de vida dessas pessoas diminui significativamente", diz Matthias Buchert, do Instituto de Ecologia Aplicada de Darmstadt, Alemanha.
Devido aos gases tóxicos liberados pela queima dos aparelhos, o Instituto Blacksmith, dos Estados Unidos, incluiu Agbogbloshie, de 40 mil habitantes, na lista dos 10 lugares mais poluídos do mundo. Segundo as autoridades ganenses de proteção ambiental, 250 mil moradores das cercanias são afetados pela poluição.
Tsunami do lixo
Um estudo do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma) comprovou situações similares em outras cidades da África e da Ásia. "Estamos diante de um tsunami de lixo eletrônico sem precedentes", compara o diretor do Pnuma, Achim Steiner, durante o lançamento do relatório Waste crimes, waste risks (Crimes de lixo, riscos do lixo).
Na África, os países mais afetados são Gana, Nigéria, Costa do Marfim e República Democrática do Congo. Na Ásia, a China, Índia, Paquistão e Bangladesh são os maiores destinos de aparelhos descartados ilegalmente.
A ONU estima que a montanha de lixo eletrônico global cresce quase 42 milhões de toneladas anualmente. Como é crescente demanda por eletrônicos, a organização teme que até 2017 esse número aumente em outros 10 milhões de toneladas.
Bênção e maldição
Agbogbloshie é estação final de dispositivos eletrônicos. Antes que de acabar lá, eles passam por vários intermediários, que ganham um bom dinheiro. O Pnuma avalia em cerca de 17 bilhões de euros o faturamento obtido com transferência e exploração de lixo eletrônico em todo o mundo.
"Não devemos esquecer que estes dispositivos são uma importante fonte de renda para muitas centenas de milhares de pessoas", ressalta Matthias Buchert. Há muitos anos ele estuda a cadeia de abastecimento de sucata eletrônica. "Temos nesse negócio pessoas muito experientes e qualificadas, que pegam televisões, celulares e computadores para consertar e reutilizar."
Para muitos, os dispositivos recondicionados são os únicos que têm meios para adquirir. O problema surge quando os aparelhos não são mais reparáveis. "Faltam, então, estruturas básicas para eliminação e reciclagem dos dejetos", lembra Buchert. A consequência são pilhas de lixo fumegantes, como as de Agbogbloshie, em Gana.
Muito lixo da Alemanha
A Alemanha é um dos maiores produtores de sucata eletrônica. Cada alemão produz uma média de 21,6 quilos de dejetos eletrônicos por ano – em Gana, essa quantidade é de apenas 1,4 quilo. Embora a exportação de dispositivos eletrônicos defeituosos seja proibida, cada vez mais navios carregados com lixo eletrônico deixam os portos alemães. O Pnuma calcula que "até 90% do lixo eletrônico global seja eliminado e negociado ilegalmente".
Por isso, a entidade pede que os governos imponham proibições a esse tipo de exportação. "Isso não é uma tarefa fácil e requer pessoal suficiente e bem treinado", comenta Buchert. Há alguns anos, ele estudou o embarque de dispositivos defeituosos no porto de Hamburgo.
"Carros e caminhões velhos são abarrotados de dispositivos eletrônicos. Mas também são carregados contêineres inteiros", diz, acrescentando ser muito difícil descobrir o que é lixo e o que ainda está funcionando.
Soluções alternativas
O ministro alemão do Desenvolvimento, Gerd Müller, admitiu, durante uma visita a Agbogbloshie, que a Alemanha tem uma parcela de responsabilidade pelas consequências ambientais e de saúde: "A maioria dos aparelhos eletrônicos descartados na Europa, também da Alemanha, vem parar aqui, legal e ilegalmente."
Em março, o governo da Alemanha formulou um projeto de lei que inverte o ônus da prova. Exportadores de eletrônicos têm que provar que os produtos são realmente úteis. "Uma simples declaração de que o aparelho funciona não é mais suficiente", informa Buchert. A lei ainda precisa ser aprovada por ambas as câmaras do parlamento alemão.
As autoridades também consideram outras soluções para reduzir o lixo eletrônico. Uma delas prevê que no ato da compra se pague um depósito sobre o aparelho, a ser devolvido quando o consumidor se desfizer dele num estabelecimento autorizado. O sistema seria semelhante ao já adotado para garrafas e latas, por exemplo.