1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

A Zâmbia está cada vez mais chinesa

Abu-Bakarr Jalloh | Fang Wan md
11 de abril de 2019

Muitos africanos se assustam com a crescente presença dos chineses. Na Zâmbia, a estreita parceria comercial começa a incomodar. Até 30% dos 8,3 bilhões de euros da dívida externa do país têm origem em Pequim.

https://p.dw.com/p/3GZtQ
O presidente zambiano, Edgar Lungu, com o presidente chinês, Xi Jinping
O presidente zambiano, Edgar Lungu, com o presidente chinês, Xi JinpingFoto: picture-alliance/Xinhua News Agency/P. Xinglei

No aeroporto Kenneth Kaunda, de Lusaka, o mandarim é onipresente: quase metade de todos os passageiros que passam por ali fala a língua chinesa. Em frente ao edifício, os visitantes são recebidos por outdoors gigantes da construtora Jiangxi International. A estrada do aeroporto ao centro da capital da Zâmbia está ladeada com muitos desses cartazes anunciando empresas chinesas.

Tudo isso deixa claro que a China é o parceiro de negócios mais importante da Zâmbia. E isso, apesar das preocupações crescentes sobre a crescente dívida dos países africanos em relação ao poder econômico asiático.

Os investimentos chineses na Zâmbia aumentaram dez vezes nos últimos anos. Em termos práticos, isso significa que a China tem um controle firme sobre a economia da Zâmbia. Os muitos acordos entre Pequim e Lusaka não são de fácil acesso: os projetos não são apresentados publicamente nem são fiscalizados pelas instituições relevantes, incluindo o Parlamento.

Mídia

Por exemplo, o projeto de migração de mídia financiado pela China, destinado a levar a mídia zambiana da era analógica para a digital. O projeto chega às manchetes à medida que os fatos sobre o acordo vão sendo revelados.

Primeiro, o banco chinês Exim Bank tinha dado um empréstimo de 243 milhões de euros ao projeto. Este dinheiro foi recebido pelo grupo de mídia chinês StarTimes, em nome da emissora estatal ZNBC. Juntos, StarTimes e ZNBC formaram uma joint venture chamada TopStar. Esta companhia, então, ganhou o controle de duas importantes licenças: transmissão de sinal e programação.

"O governo nos informou que a ZNBC seria responsável, depois de a migração estar completa, pelo conteúdo, e a TopStar, pela transmissão e pelo equipamento técnico", explica um funcionário de alto escalão da equipe da ZNBC em entrevista à DW. Ele esteve envolvido no processo, mas quer permanecer no anonimato.

Edifício azul da empresa TopStar, em Lusaka, na Zámbia
Edifício da empresa TopStar: zambianos têm que pagar por recepção de canais abertos de TVFoto: DW/F. Wan

Na verdade, as leis da Zâmbia proíbem que empresas de mídia detenham ao mesmo tempo licenças para produção e para transmissão. "Os funcionários da ZNBC e de outras emissoras de TV ficaram chocados quando souberam que a TopStar seria responsável não só pela transmissão do sinal mas também atuaria como fornecedora de conteúdo", diz o executivo da ZNBC.

Um detalhe particularmente irritante para muitos zambianos: após a conclusão da conversão para o padrão digital, a TopStar passou a transmitir todos os canais de TV zambianos livres apenas de forma criptografada. Desde então, quem quiser assistir TV na Zâmbia, tem que pagar uma taxa mensal à TopStar. A joint venture também exige altas taxas de emissoras locais.

Críticos reclamam sobretudo da falta de transparência em todos os níveis do projeto de migração de mídia – e dos altos custos. De acordo com dados da rede anticorrupção Sanac, o governo da Zâmbia pagou até cinco vezes mais do que os seus vizinhos para mudar de transmissão analógica para digital.

Espaço aéreo

Outro projeto polêmico foi a construção da nova ala envidraçada do aeroporto Kenneth Kaunda. Mais uma vez, o crédito veio do Exim Bank, desta vez no valor de 323 milhões de euros. "Além do projeto do aeroporto, havia um segundo empréstimo para a modernização da Força Aérea da Zâmbia", disse um funcionário do aeroporto que quer permanecer anônimo.

Vista do exterior do aeroporto Kenneth Kaunda, em Lusaka, Zâmbia
A nova ala do aeroporto Kenneth Kaunda, em Lusaka, foi financiada com dinheiro chinêsFoto: DW/F. Wan

Um colega dele de alto escalão, que trabalhou na parte militar do controle de tráfego aéreo do aeroporto, contou-lhe sobre o acordo. "É um segredo aberto, porque todo mundo vê o pessoal militar chinês na torre de controle, que pertence à Força Aérea da Zâmbia."

Oficialmente, os chineses apoiam a Força Aérea da Zâmbia – que é responsável pelo monitoramento do espaço aéreo sobre o país – no treinamento de controladores de voo. Mas, de acordo, com a fonte anônima, os chineses teriam construído sua própria estrutura paralela no aeroporto. No entanto, a fonte não acredita que a China tenha controle absoluto sobre o espaço aéreo da Zâmbia, como alguns usuários de mídia social suspeitam.

Bilhões em dívidas

A presença da China na Zâmbia remonta a 1976, quando o governo de Pequim implementou seu primeiro grande projeto no continente africano: a ferrovia Tanzânia-Zâmbia (Tazara). A Zâmbia tem orgulho de poder se chamar como o país que tem a amizade mais antiga com a China na África. Mas cada vez mais a amizade se transforma em um relacionamento entre credor e devedor. De acordo com o governo da Zâmbia, até 30% dos 8,3 bilhões de euros da dívida externa da Zâmbia se devem aos empréstimos chineses.

A soma real pode ser ainda maior. Os números oficiais "não incluem empréstimos para instituições paraestatais e garantias do governo", diz o ex-ministro da Informação Chishimba Kambwili. "Se somarmos todos os fundos para projetos e garantias, a Zâmbia deve à China 20,4 bilhões de euros", avalia. Para efeitos de comparação, o Produto Interno Bruto (PIB) da Zâmbia em 2017 era de cerca de 23 bilhões de euros.

O próprio Kambwili era uma das pessoas mais próximas do presidente Edgar Lungu e liderou dois ministérios em sua administração. Ele era considerado um defensor da atitude amigável em relação à China – até que foi demitido. Na época, ele foi acusado de querer substituir o presidente como presidente do partido do governo, o Frente Patriótica.

Mercado chinês na capital da Zâmbia
Mercado chinês na capital da ZâmbiaFoto: DW/Abu-Bakarr Jalloh

"Uma peste"

O empresário e político do cinturão de cobre do país, rico em minerais, agora tem que enfrentar julgamento por corrupção. Ele considera as alegações politicamente motivadas.

Depois de ter sido retirado do governo, Kambwili tornou-se um dos críticos mais duros da política do presidente em relação à China. "Para mim, os chineses não são investidores, mas uma praga, e para cada dólar que eles dão, eles fazem cinco dólares de lucros", diz Kambiwili.

De acordo com estatísticas oficiais do governo, a Zâmbia gastará cerca de 17,7 bilhões de euros em projetos de infraestrutura entre 2011 e 2021. Oitenta e três por cento desses projetos serão financiados e implementados por empresas com vínculos com o governo chinês.

Outro fator que assusta muitos zambianos é o número de chineses que chegam ao país para estabelecer negócios. De acordo com estatísticas oficiais, apenas 20 mil chineses vivem atualmente na Zâmbia. No entanto, muitos zambianos se sentem oprimidos pela presença dos chineses.
"Os chineses assumiram negócios que eram administrados pelos habitantes locais", diz o ex-ministro da Informação Kambwili. "Até a criação de frango e a torrefação de milho são feitas pelos chineses."
"Eu não ficaria surpreso se viermos a ter ministros chineses nos próximos três ou quatro anos", diz.

______________

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube 

WhatsApp | App | Instagram | Newsletter