A energia nuclear merece uma segunda chance?
25 de maio de 2018"Nós estamos convencidos de que a energia nuclear é parte da solução para a matriz energética e o meio ambiente", diz José Ramón Torralbo, ex-presidente da associação nuclear espanhola num vídeo da Iniciativa Nuclear pelo Clima, que reúne associações nucleares de 38 países desde 2015.
O objetivo da campanha é educar políticos e público sobre a importância da energia nuclear como solução para as mudanças climáticas. Esse objetivo também é reiteradamente enfatizado por representantes do lobby da organização em conferências sobre o clima das Nações Unidas.
"A energia nuclear vai desempenhar um papel importante para o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e do Acordo de Paris", destaca Mikhail Chudakov, vice-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), sediada em Viena, em fala divulgada pela Iniciativa Nuclear pelo Clima.
Com o objetivo de pavimentar o caminho para uma economia de baixa emissão de carbono, a AIEA defende a inclusão de danos ambientais no custo de produção da energia. Um "custo CO2" é um bom instrumento para isso. E também para ajudar a tornar a energia nuclear mais competitiva.
Necessidade de expansão
Nas suas projeções para conter o aquecimento global em dois graus centígrados, a AIEA defende uma rápida expansão da capacidade nuclear. No final de 2017, usinas nucleares com uma capacidade total de 353 gigawatts (GW) estavam em operação pelo mundo. Pela projeção da AIEA deveriam ser 598 GW em 2030. Para chegar lá, as usinas agora obsoletas precisariam ser substituídas com mais frequência e pelos menos 19 GW extras – ou 19 novas usinas – deveriam ser adicionados à rede a cada ano.
A implementação desse projeto significaria um giro de 180 graus na atual política de energia nuclear: em comparação com a capacidade energética de dez anos atrás, a energia nuclear não aumentou sua fatia – chegou até mesmo a diminuir levemente. Ao mesmo tempo, em apenas alguns anos ela foi superada pelas produção eólica e solar.
A China, que impulsionara a energia nuclear mais do qualquer outro país nos últimos anos, agora indica a nova direção, diz Mycel Schneider, editor do World Nuclear Industry Report ou seja, rumo às energias renováveis.
Em 2017, apenas quatro novas usinas nucleares foram colocadas em funcionamento: três delas na China e uma no Paquistão (que foi construída com tecnologia chinesa). A capacidade total dessas usinas é de 2,7 GW. Só que ao mesmo tempo a China instalou em seu território painéis solares com uma capacidade total de 53 GW. "Até mesmo na China a energia nuclear se tornou negligenciada", diz Schneider.
Energia mais cara
A energia nuclear pode ser boa para o clima, mas vale mesmo a pena investir nela? A verdade é que o custo da energia nuclear tem aumentado constantemente. Novas usinas estão se tornando cada vez mais caras, e a sua construção é regularmente marcada por atrasos. Usinas solares ou eólicas são muito mais baratas e podem ser instaladas mais rapidamente.
A eletricidade a ser gerada pela futura usina nuclear de Hinkley Point, no Reino Unido, a partir de 2025, deve ser oferecida por 12 centavos de euro por quilowatt/hora (kWh) – a preços de hoje. Energias solar e eólica são bem mais baratas do que isso.
De acordo com um estudo do Instituto Fraunhofer para Sistemas de Energia Solar (ISE), a eletricidade gerada hoje por turbinas eólicas na Alemanha custa em média 6,1 centavos de euro por kWh – e a eletricidade de novas usinas solares chega a custar 5,2 centavos. Em países ensolarados, o custo de produção é ainda mais barato e pode cair para menos de 4 centavos de euro. Cientistas do Instituto Fraunhofer preveem que os custos da energia solar e eólica devem cair ainda mais nos próximos anos.
Mas a energia nuclear fica cara mesmo se todos os custos forem incluídos. Além dos gastos ainda não especificados com o descarte de lixo nuclear, que permanece altamente radiativo por milhares de anos, há ainda o custo de reparar os danos causados por grandes acidentes nucleares, como Chernobyl e Fukushima.
Hoje as operadoras de usinas nucleares não são obrigadas a contratar seguros contra acidentes desse tipo. Se fossem, o custo da energia nuclear aumentaria entre 11 e 34 centavos de euro por kWh, segundo um estudo do Fórum Ecológico-Social de Economia do Mercado (FÖS). Assim, até mesmo a eletricidade das usinas nucleares já existentes deixaria de ser viável.
Novas tecnologias de armazenamento
As energias solar e eólica não estão sempre suficientemente disponíveis, e isso é visto como uma de suas desvantagens. Mas esse problema pode ser solucionado por novas tecnologias de armazenamento, como a conversão de energia para gás. Com essa tecnologia, hidrogênio ou gás natural sintético é produzido a partir de eletricidade solar e eólica. Esse material é armazenado, e, se houver necessidade, e a eletricidade pode ser recuperada numa usina termoelétrica a gás.
O instituto Energy Brainpool, de Berlim, estimou que os custos para a produção segura de energia de fontes eólicas e solares em combinação com a tecnologia de conversão de energia para gás deve ficar em 12 centavos de euro por kWh nos próximos dez anos. O valor é, portanto, mais competitivo que o da energia de novos reatores. Outra vantagem de tal ciclo combinado de usinas é que a sociedade não corre riscos significativos ou tem que arcar com os custos de acidentes nucleares com o descarte de dejetos.
Lobby atômico com números defasados
A DW entrou em contato com a Iniciativa Nuclear pelo Clima e com outras associações que promovem a energia atômica para conseguir dados e questionar como a energia nuclear pode competir com as usinas eólicas e solares, especialmente se todos os custos foram incluídos.
O representante da Iniciativa Nuclear peloClima não respondeu aos questionamentos. Já o lobby que representa a associação da indústria nuclear alemã, o Fórum Atômico Alemão (DAtF), que também apoia a Iniciativa Nuclear, não quis mediar entrevistas com seus membros. "Sob condições igualitárias de mercado, a energia nuclear é econômica", se limitou a afirmar. A DAtF também informou que vê uma demanda mundial crescente em relação à energia nuclear.
A AIEA, por sua vez, se recusou a comentar sobre as comparações entre energia renovável e nuclear e disse que seus dados se baseiam em estimativas da Agência de Energia Nuclear (NEA), baseada em Paris e ligada à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No entanto, a NEA está divulgando números defasados. No mais recente relatório da organização, divulgado em abril, por exemplo, painéis solares aparecem custando o dobro do seu preço real de mercado. A DW questionou a NEA sobre essas discrepâncias e se elas foram propositais, mas não obteve resposta.
Os riscos dos velhos reatores
A França é a líder em energia nuclear. A estatal EDF, com o apoio do presidente Emmanuel Macron, quer prorrogar a vida útil dos reatores existentes em até 50 ou 60 anos. Esse velhos reatores, segundo estimativas, ainda são rentáveis para o mercado europeu de energia.
No entanto, está crescendo a oposição a esse tipo de iniciativa na Europa. O medo de que velhos reatores sejam mais suscetíveis a um acidente nuclear está crescendo.
Quinze regiões da Alemanha, Áustria e Bélgica formaram uma aliança para cobrar responsabilidade dos operadores de usinas atômicas no caso de um acidente nuclear. No momento, a cobertura do seguro das usinas só cobre 1 bilhão de euros na maior parte dos países da União Europeia, sendo que os custos de um acidente como Fukushima passaram de 100 bilhões de euros.
"Os desafios do Acordo de Paris sobre alterações climáticas só pode ser enfrentados com maior eficiência e uso das energias renováveis", disse em abril a ministra do Meio Ambiente de Luxemburgo, Carole Dieschbourg, durante um encontro da aliança de regiões. "A energia nuclear não é a solução, mas uma tecnologia cara, arriscada e inflexível."
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