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Lundas: "Movimentos independentistas não têm legitimidade"

Lusa
17 de outubro de 2021

Rafael Marques defende que os movimentos que reivindicam a autonomia das províncias das Lundas não trazem benefícios às populações locais. Ativista angolano lança novo livro sobre os acontecimentos de 30 de janeiro.

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Rafael Marques
Rafael Marques lança novo livro esta segunda-feira (18.10)Foto: DW/J. Beck

Rafael Marques de Morais falou à agência de notícias Lusa a propósito do lançamento do seu livro "Magia e Miséria: Revolta em Cafunfo", uma investigação sobre os incidentes trágicos de 30 de janeiro, em que várias pessoas morreram durante confrontos com a polícia numa manifestação organizada pelo Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT).

"Não assiste aos líderes do movimento qualquer legitimidade, do ponto de vista histórico, para reclamar a independência das Lundas (províncias do norte de Angola). Nunca houve um reino Lunda Tchokwe, houve sim um reino Lunda que foi destruído por agressão pelos Tchokwe", justificou.

No livro, Rafael Marques expõe as responsabilidades estruturais do governo e do MPLA na situação das Lundas, apontando a omissão da história, o desprezo e a desatenção que dedicam ao território e a falta de investimento material e humano na educação das Lundas como fatores preponderantes.

Protesto em Luanda
Protesto em Luanda a 4 de fevereiro contra as mortes em Cafunfo Foto: Borralho Ndomba/DW

O papel do MPLA

Para o ativista e jornalista angolano, "a grande responsabilidade é do governo do MPLA que nunca se preocupou com a história e sempre adulterou também, de uma certa maneira, para beneficio próprio, a história de Angola".

A independência das províncias angolanas da Lunda Norte e Lunda Sul é reclamada por duas organizações: o MPPLT, que promoveu a manifestação em que morreram mais de uma dezena de pessoas, liderado por Zecamutchima (atualmente preso); e o Manifesto Jurídico Sociológico do Povo Lunda-Tchokwé, de Jota Filipe Malakito.

No livro que vai ser lançado esta segunda-feira (18.10) em Cafunfo, Rafael Marques usa o enquadramento histórico para refutar estas pretensões, concluindo: "Em finais do século XIX, os Tchokwe invadiram os Lunda, terminando com o seu antigo reino. A parti daí, o que existe são construções ou reconstruções efetuadas pelo poder colonial a fim de garantir seu domínio".

"Fenómeno do desespero"

O "fenómeno do desespero" nas províncias angolanas das Lundas facilita a adesão da população a movimentos independentistas e leva à radicalização de manifestantes.

Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT)
Membros do Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT)Foto: Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe

"Temos aqui o que podemos chamar de um fenómeno do desespero, qualquer proposta de mudança, por pior que seja, traduz sempre alguma esperança por que as pessoas não têm capacidade de refletir", disse, justificando desta forma a adesão a movimentos que reivindicam a independência daquele território.

"O que é pior nisto, esta população camponesa que é extremamente pobre e há décadas que é espoliada pelo seu próprio governo agora também tem de produzir mandioca e dar uma contribuição mensal para alimentar o movimento e os seus líderes", criticou, lamentando que os cidadãos sejam "explorados e basicamente abandonados pelo governo e explorados por aqueles que reclamam estarem a defendê-los".

"Nunca vi esse movimento a reivindicar questões sociais que poderiam ajudar a melhorar as condições de vida da população, ou a organizá-los no sentido de terem maior capacidade reivindicativa junto do governo", acrescentou, sublinhando que não é "pela via da violência e pela via da mentira grosseira" que se substitui um regime que está no poder há quase 50 anos.

Charge sobre ataques em Cafunfo
Ilustração do cartunista Sérgio Pirraça sobre a violência em CafunfoFoto: Sérgio Piçarra/DW

Radicalização

Os índices elevados de analfabetismo e pobreza naquela região tem contribuído para a radicalização dos movimentos e dos seus integrantes, considerou ainda o jornalista. "Quando misturamos a ignorância com a crença na magia e com líderes que exploram essa combinação para fazer cumprir a sua agenda, nunca essa agenda pode ser boa e favorável aos desígnios, às necessidades dessa mesma população", afirmou.

Rafael Marques salienta que o que se passa em Cafunfo "é vergonhoso", apontando como exemplo o facto de a localidade não dispor sequer de um acesso em condições: "É incompreensível que durante esta décadas todas o governo não tenha conseguido fazer uma estrada do Cuango a Cafunfo, que são 50 quilómetros e é uma via fundamental para abastecer aquela comunidade de quase 170 mil habitantes", sendo a única alternativa uma estrada em terra batida que passa por uma concessão mineira onde existem vários controlos.

Também "absurdo" é o facto de Cafunfo não ter estatuto político administrativo. "Cafunfo não existe no ordenamento político administrativo angolano. Isso é um absurdo. É preciso que as pessoas tenham um interlocutor. Até quando se querem casar têm de ir à polícia para remeter estes pedidos ao município do Cuango", indigna-se o ativista, que trabalha na região das Lundas há três décadas

Benefícios às comunidades locais

Mapa mostra localização de Cafunfo, em Angola

Defendendo que "os diamantes devem beneficiar as comunidades locais e não apenas as elites angolanas", Rafael Marques sugere que seja posto em prática um plano desenvolvido pelas autoridades centrais e locais, com a participação da sociedade civil.

"Obviamente que as pessoas não comem diamantes, as pessoas querem produzir, querem ter formas de rendimento, mas não há empregos locais", salientou, reforçando que a maioria dos habitantes daquelas regiões se dedicam ao garimpo por falta de alternativas.

As Lundas, Norte e Sul, estão entre as províncias mais pobres de Angola, apesar de serem das que mais geram riqueza devido à abundância de diamantes.

São também palco ocasional de incidentes violentos, como o que aconteceu no dia 30 de janeiro quando várias pessoas que integravam uma manifestação promovida pelo Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT) avançaram contra uma esquadra policial e foram mortas a tiro.