Jomav, o grande derrotado pelo povo guineense nas eleições
27 de novembro de 2019Os resultados provisórios divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) confirmam um grande dilema para José Mário Vaz (Jomav), que terá de entregar a cadeira presidencial a um dos primeiros-ministros que demitiu, por diferenças políticas, Domingos Simões Pereira ou Umaro Sissoko Embaló, que vão a segunda volta. Jomav falhou a reeleição, sendo o quarto mais votado, com 12,41% dos votos.
Domingos Simões Pereira, o candidato apoiado pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), obteve 40,13% dos votos e Umaro Sissoco Embaló, apoiado pelo Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), conseguiu 27,65% dos votos. Os dois antigos chefes de Governo disputam a segunda volta das presidenciais a 29 de dezembro.
Os dados evidenciam que o Presidente cessante e candidato a um segundo mandato foi o "grande perdedor" das eleições presidenciais de 23 de novembro. É um caso inédito para um chefe de Estado em funções na jovem democracia do país, porque pela primeira vez um Presidente se recandidata ao cargo e não consegue ir a segunda volta.
José Mário Vaz nem sequer alcançou os votos necessários para chegar à segunda volta do escrutínio, tendo sido superado pelo candidato que derrotou em 2014, Nuno Gomes Nabiam. O líder de APU-PDGB foi o terceiro mais votado destas eleições presidenciais, com 13,16% dos votos, e Jomav, que se lançou à corrida como independente, caiu para o quarto lugar, muito abaixo das suas expetativas.
"José Mário Vaz perdeu a legitimidade"
"O Presidente José Mário Vaz perdeu a legitimidade como chefe de Estado há muito tempo e tudo já sabia que não estava em condições de continuar no poder. Um Presidente que concorrer a um segundo mantado e que obteve pouco mais de 60 mil votos, num universo de 700.000, é um sinal de que teve um mandato catastrófico, que destruiu o país em todos os sentidos", comenta em entrevista à DW África o politólogo guineense Rui Landim. O analista considera que foi uma "punição severa" do povo guineense ao mandato de José Mário Vaz.
Antes mesmo das presidenciais, Jomav pediu apoio para a sua candidatura aos seus aliados diretos, durante os mais de quatro anos de luta acesa pelo controlo de poder na Guiné-Bissau. Mas recebeu um não do Partido da Renovação Social (PRS), que apoiou Nuno Nabiam, e também do MADEM-G15, que se esquivou e apoiou um dos líderes fundadores do partido, Umaro Sissoco Embaló.
Abandonado à sua sorte, o Presidente não quis render-se ou passar uma imagem de fraqueza política e decidiu apresentar-se como candidato independente. Teve ao seu lado Botche Candé, a quem chamam "Leão de Leste", que nas últimas presidenciais foi eleito deputado pelo PRS, partido que obteve a sua maior derrota nas legislativas, tendo perdido o estatuto de líder da oposição.
"Teve algumas alianças ao longo do percurso da nova legislatura. Mas essas alianças não foram fiéis, sobretudo no caso do PRS e do MADEM-G15, que o abandonaram a meio do caminho. Abandonado pelos seus parceiros e assessores, José Mário Vaz não tinha condições de ter um desempenho eleitoral favorável que o colocava entre os vencedores e venceu apenas numa região", salienta em declaração à DW África o analista Rui Jorge.
Com o apoio do PAIGC, o maior partido político da Guiné-Bissau, José Mário Vaz chegou a Presidente do país em 2014. Um ano depois, alegando grave crise institucional, corrupção e nepotismo, demitiu o Governo do seu partido, que acabara de conseguir promessas de apoio na mesa redonda com os doadores internacionais, em Bruxelas, no valor de mais de mil milhões de euros. Jomav nunca provou na justiça as acusações feitas contra o então Governo liderado por Domingos Simões Pereira.
Uma Presidência, sete governos
Em cinco anos, José Mário Vaz nomeou sete Governos e nove primeiros-ministros - alguns dos quais não conseguiram sequer formar Governo - e trocou vários procuradores-gerais da República, sob a alegação de querer "combater a corrupção". O país mergulhou numa grave crise que levou à paralisação das principais instituições do Estado.
A crise foi tão grave que o Conselho de Segurança das Nações Unidas mandatou a União Africana, que por sua vez, delegou à CEDEAO, organização sub-regional, a mediação da crise guineense, que teve início em 2015. Crise que deverá agora chegar ao fim com o regresso à normalidade constitucional esperado neste pós-eleições presidenciais.
Jomav foi o primeiro Presidente que sentiu na pele a mobilização dos jovens na era das redes sociais para os protestos de rua. Diz que deu ao povo guineense a liberdade de expressão, de se manifestar e de imprensa. "Ao longo do meu mandato, ninguém foi morto, espancado ou intimidado devido à política", disse sempre José Mário Vaz, que foi também acusado de roubar o arroz do povo, doado pela China, o que lhe valeu muitos insultos nas redes sociais. Ainda assim, José Mário Vaz apresenta-se como um "Presidente de paz", que defende o camponês com a sua Fundação "Mão na Lama".
"Quando diz uma coisa faz diametralmente o oposto do que diz. Não estava minimamente preparado para liderar o país, porque foge a todos os parâmetros do raciocínio", disse o sociólogo Rui Landim.
Para o político guineense José Paulo Semedo, ainda é cedo chegar à conclusão de que Jomav foi o grande perdedor. Sem citar nomes, Semedo diz que o grande perdedor foi o candidato que investiu "rios de dinheiro" na campanha e não obteve o seu objetivo eleitoral.
Vida política futura?
Com a derrota nas presidenciais, o futuro político do Presidente cessante, que nunca teve apoio dos seus pares na sub-região, é colocado em questão. "Nunca teve um passado político, não tem no presente e nunca terá um futuro político", observa o analista Rui Landim.
José Mário Vaz chegou à presidência da Câmara de Comércio em 1993 e, no ano seguinte, foi mandatário da campanha presidencial de Nino Vieira, algo que lhe valeu um lugar de membro do Conselho de Estado.
Depois de eleito Presidente da Câmara Municipal de Bissau, em 2004, Jomav chegou rapidamente a ministro da Economia e Finanças, no Governo liderado por Carlos Gomes Júnior, e que foi destituído através do golpe de Estado de 12 de abril de 2012, quando faltavam poucas horas para o início da campanha eleitoral para a segunda volta das presidenciais.
Na altura, José Mário Vaz era conhecido como "ministro 25", porque pagava salários aos funcionários públicos no dia 25 de cada mês. Em 2013, José Mário Vaz, então ministro das Finanças, foi detido pelo alegado desvio de 12 milhões de dólares - um apoio do governo angolano ao Orçamento Geral de Estado (OGE) da Guiné-Bissau, no quadro da cooperação entre os dois países.
No próximo dia 10 de dezembro, José Mário Vaz completa 62 anos de idade. Formado em Economia em Lisboa, o ex-chefe de Estado da Guiné-Bissau fez-se um empresário de sucesso no país, com a fundação do grupo JOMAV.