Crise na Hungria pode derrubar primeiro-ministro
19 de setembro de 2006O caos se instalou na capital húngara depois que a imprensa divulgou no domingo (17/09) uma fita gravada secretamente em maio deste ano, na qual o primeiro-ministro Ferenc Gyurcsany afirma textualmente que seu governo não alcançou nada além de "bobagens" e que, para ser reeleito, mentiu repetidamente durante dois anos para a população sobre a real situação do país.
Milhares de pessoas tomaram as ruas de Budapeste exigindo a renúncia do premiê. A multidão incendiou carros e invadiu o prédio da emissora de TV estatal. A polícia reagiu com canhões d'água e gás lacrimogêneo.
Os enfrentamentos deixaram cerca de 150 feridos – a maioria policiais – e uma grave crise política no país, cujos impactos na área econômica devem ser expressivos, de acordo com especialistas.
Segundo Lars Christensen, analista do Danske Bank, o primeiro-ministro, ex-comunista e pertencente ao Partido Socialista (MSZP), está em situação delicada. "Acho que ele vai sobreviver este ano, mas ficará muito enfraquecido", afirmou em entrevista ao portal de notícias húngaro Portfolio.
Além disso, as eleições municipais deste ano, previstas para 1º de outubro, podem reforçar essa tendência. "Se os socialistas saírem derrotados, as pressões internas para a renúncia do premiê vão crescer", prevê Christensen. Antes da crise, o partido de oposição Fidesz já liderava as pesquisas, com 34% das intenções de voto, contra 23% dos socialistas.
Crise moral
Após admitir que o conteúdo da fita é verdadeiro, Ferenc Gyurcsany recusou-se a renunciar e surpreendeu ao dizer que a polícia deve "usar todos os meios necessários para restabelecer a ordem" no país.
Ele se limitou a informar, por meio de seu diário eletrônico na internet (blog), que se arrepende da linguagem vulgar que utilizou na ocasião em que a fita foi gravada – uma reunião com representantes do seu partido. Entretanto, o premiê não se desculpou perante a população. Segundo o presidente húngaro, László Sólyom, o país vive uma "crise moral".
O governo do primeiro-ministro Gyurcsany havia começado a implantar um pacote de duras e impopulares reformas, exigidas pela União Européia para que a Hungria possa adotar o euro – a moeda atual do país é o forint.
Entre as medidas estava a redução dos subsídios à economia local, corte de gastos públicos e aumento de impostos, visando à diminuição, até 2009, do déficit público dos atuais 10,1% do PIB para 3,2%.
Reformas dificultadas
O analista do Danske Bank diz que a crise vai dificultar tremendamente a implantação das reformas, que em condições normais já demandariam uma grande dose de sacrifício por parte do governo. "A perda de credibilidade torna muito mais difícil ao primeiro-ministro implementar reformas de impacto", afirmou.
Caso o governo não consiga introduzir as mudanças exigidas pela União Européia, as conseqüências poderiam ser desastrosas. "Teríamos uma queda nas avaliações feitas pelas agências de risco, especialmente a Moody's", declarou Christensen. "Sem dúvida todo esse escândalo é muito negativo para os mercados húngaros", concluiu.
A situação da Hungria já vinha se deteriorando. No final de agosto, o Banco Central húngaro elevou a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual, atingindo 7,25%, a mais alta de toda a União Européia. A inflação de agosto também havia subido.
Na ocasião, o analista do Deutsche Bank Gillian Edgeworth disse que a vulnerabilidade econômica do país havia atingido níveis alarmantes e previu queda no PIB e aumento do desemprego.
Questão interna
Em entrevista coletiva nesta terça-feira (19/09), o primeiro-ministro finlandês, Matti Vanhanen, cujo país ocupa a presidência semestral rotativa da União Européia, disse que o bloco não deve tomar quaisquer medidas em relação à crise húngara.
"Trata-se de uma matéria relativa à democracia interna de um país-membro. Espero que a situação se acalme e seja debatida pelo Parlamento húngaro, que encontrará soluções", resumiu Vanhanen.
O comissário da União Européia e ex-ministro húngaro de Relações Exteriores László Kovacs, lamentou os recentes acontecimentos em seu país. Ele condenou a reação dos manifestantes e conclamou que a tranqülidade volte à Hungria.
"Certamente queimar carros e edifícios públicos não é a solução. É de total interesse do povo húngaro e da União Européia que a situação seja estabilizada o mais cedo possível", declarou.