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Um ano após "dia do fogo", Amazônia segue em chamas

10 de agosto de 2020

Crime ambiental organizado por fazendeiros e empresários no Pará completa 12 meses, e ninguém foi preso. Apesar de ação das Forças Armadas, número de focos de incêndio na Amazônia já é maior do que no ano passado.

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Queimadas na Amazônia
Dados dos satélites do Inpe mostram que, até 9 de agosto, 23.749 focos de calor foram detectados na AmazôniaFoto: Reuters/U. Marcelino

Nos arredores de Novo Progresso, sudoeste do Pará, a fumaça das queimadas incomoda bastante quem vive na área urbana. A cidade de pouco mais de 25 mil habitantes está entre os dez municípios brasileiros com mais focos de calor em 2020, segundo indica o sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Também entre as campeãs em desmatamento de 2019, Novo Progresso foi palco de um evento trágico organizado por fazendeiros, empresários, advogados e pessoas ligadas ao setor agropecuário que chocou o mundo: o chamado "dia do fogo", em 10 de agosto do ano passado.

Adécio Piran, jornalista do jornal Folha do Progresso que denunciou o plano, ainda vive sob ameaças, um ano depois. "Tive que recuar. Sou atacado até hoje", disse à DW Brasil por telefone.

Entre os dias 10 e 11 de agosto de 2019, para quando o grupo organizou o ataque ambiental, o Inpe detectou 1.457 focos de calor no estado. Um dia antes, 101 haviam sido contabilizados.

"Eles fizeram isso para mostrar que estavam aqui. A queima tinha que acontecer para chamar a atenção do presidente Jair Bolsonaro, uma forma de apoio a ele. Achavam que não haveria punição", detalha Piran, que, à época, acompanhou os bastidores do planejamento por meio de um grupo de conversas por aplicativo no qual a ação foi combinada.

Naquele mesmo mês, a Polícia Federal iniciou uma investigação para apurar a participação de produtores rurais e comerciantes no crime ambiental. Segundo o Ministério Público Federal do Pará, que acompanhou parte das investigações, o inquérito segue em sigilo.

Informações divulgadas durante a operação apontavam que os participantes fizeram uma "vaquinha" para dividir os custos do combustível para queimar a floresta. Motoqueiros também teriam sido contratados para espalhar a mistura inflamável pela mata.

Um ano depois, ninguém foi preso ou indiciado.

Onde o fogo arde

Em julho passado, uma equipe do Greenpeace sobrevoou as áreas mais afetadas pela ação organizada de 2019, como os arredores da BR-163 e São Félix do Xingu. Eles avistaram áreas completamente desmatadas, algumas já convertidas em pasto com atividade pecuária. Também encontraram regiões em fase de desmatamento, que podem virar cinzas em breve.

A ONG fez uma análise com base nos dados das queimadas obtidos pelos satélites do Inpe e em informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR), e descobriu que 49,9% dos focos de calor registrados no "dia do fogo" foram em propriedades rurais cadastradas.

"Na época dessas queimadas, o governo dizia que elas aconteceram na beira de estradas e que queimaram só pastos. Por isso fizemos essa análise, para entender o que aconteceu", diz Rômulo Batista, da campanha Amazônia do Greenpeace, em entrevista à DW Brasil.

Dos 478 imóveis identificados, pelo menos 66 tinham algum tipo de embargo prévio por crime ambiental, aponta o relatório, que analisou os cadastros das cidades de Novo Progresso, São Félix do Xingu, Itaituba, Altamira, Jacareacanga e Trairão. Desse total, 207 imóveis incendiaram áreas de floresta.

"Foi um ato político. Uma reunião de fazendeiros e pecuaristas como uma aprovação à política antiambiental de Jair Bolsonaro", analisa Batista.

Uma outra análise feita pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) debruçou-se sobre os dados de queimadas registrados em 2020 em toda a Amazônia. O estudo revelou que 50% dos focos de calor nos primeiros seis meses ocorreram em imóveis rurais médios e grandes.

"Outros 10% aconteceram em imóveis rurais com até quatro módulos fiscais, que se somam aos 11% dos focos registrados em assentamentos rurais, contemplando agricultura de pequeno porte e familiar", explica a nota técnica.

O estudo mostrou ainda que, entre 2016 e 2019, cerca de 64% dos focos de calor foram detectados em áreas recém-desmatadas ou já convertidas para uso agropecuário. "É incontestável a relação entre as duas questões: a queimada é o passo seguinte da derrubada. Ainda há uma grande área desmatada na Amazônia no ano passado que não foi queimada, cerca de 4,5 mil km²", ressalta o documento.

Somado ao desmatamento de 2020, que atingiu níveis altos segundo o sistema de alerta em tempo real do Inpe, o potencial de estrago do fogo nesta temporada é considerado altíssimo.

Falta de fiscalização

As queimadas feitas como consolidação do desmatamento preocupam procuradores do Ministério Público Federal (MPF) que criaram a Força-Tarefa Amazônia, grupo de apoio que investiga crimes ambientais nos nove estados amazônicos há dois anos.

"Essas queimadas são a última etapa de um processo de aproveitamento econômico da madeira, de grilagem de terra. E esse tipo de queimada tem sido a causa do grande aumento visto nos últimos anos", afirma à DW Brasil Igor Spíndola, procurador e integrante da força-tarefa.

O trabalho do grupo para inibir o crime, porém, encontra diferentes níveis de barreiras. "Com esse governo, a gente tem tido dificuldades enormes impostas por quem deveria ser parceiro, como Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], Funai [Fundação Nacional do Índio], governo federal, Ministério do Meio Ambiente. Eles acabam se transformando em inimigos", relata Spíndola.

Para o procurador, o atual governo tem reduzido a proteção ambiental e desconstruído órgãos de fiscalização, substituindo as ações de comando e controle por operações militares. "Isso é feito de uma maneira ilegal, pois a lei que transforma o Ibama em autarquia exige que o Ibama seja protagonista nas políticas de proteção ambiental. E ele está sendo descartado", critica.

Um levantamento feito pelo Fakebook.eco, iniciativa do Observatório do Clima e uma rede de organizações da sociedade civil para combater a desinformação ambiental, revelou que, até 31 de julho, o Ibama gastou apenas 20,6% dos R$ 66 milhões autorizados para ações de fiscalização. É a execução mais baixa dos últimos anos.

A aplicação de multas também caiu: foram 3.421 autos de infração de janeiro a julho, uma queda de 52,1% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em 2019, primeiro ano em exercício de Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, uma redução de 17% das multas ambientais havia sido observada.

Queimadas em alta

Questionado, o Ministério da Defesa respondeu à DW Brasil por meio de nota e informou que a Operação Verde Brasil 2, que prevê ações de prevenção às queimadas, "permanece ativa e atuante em toda Amazônia Legal". A nota não detalhou, porém, o número de equipes em campo nesta temporada e os locais onde atuam.

Em Novo Progresso, onde o crime ambiental de grande escala no Pará foi organizado no ano passado, não há viaturas disponíveis do Ibama para combater as chamas, disse Adécio Piran, jornalista da Folha do Progresso.

Dados dos satélites do Inpe mostram que, até 9 de agosto, 23.749 focos de calor foram detectados na Amazônia. Um aumento de 1% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve 23.420 focos. E a temporada de queimadas está só começando: historicamente, o pico de registros acontece no mês de setembro.

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