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MigraçãoBrasil

Trump e os imigrantes fãs de líderes anti-imigração

Nina Lemos
Nina Lemos
19 de março de 2024

Nos EUA, Portugal e Alemanha, muitos brasileiros apoiam políticos que querem fechar fronteiras e fazer deportações. Já vi brasileiras aqui falando: "eles não são contra nós, casadas com alemão, são contra os refugiados."

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Casal com camisa da seleção brasileira carrega faixa onde se lê "Trump 2024" em uma rua de Buenos Aires
Em páginas do Facebook de brasileiros nos Estados Unidos, muitos imigrantes defendem TrumpFoto: Gustavo Ortiz/AFP

"Não sei se podemos chamá-los de gente. Em alguns casos, na minha opinião, eles não são gente." Esse discurso foi feito pelo ex-presidente dos Estados Unidos, e agora candidato, Donald Trump, no último sábado (16/03), em Ohio.

Sua narrativa contra a imigração parece estar mais forte ainda nesta campanha presidencial. Ao vencer as prévias do partido, ele chamou imigrantes de terroristas e disse que eles haviam sido soltos de prisões e hospitais psiquiátricos em seus países de origem (uma fake news descarada), e por aí vai. Ele também promete fazer a maior deportação já vista na história.

Não moro nos Estados Unidos nem tenho planos de fazê-lo. Mas, como imigrante na Alemanha, sinto enjoo ao ler essas declarações que nos desumanizam.

E lembro também que as coisas não andam fáceis para nós, imigrantes na Europa. Vários países no continente registram crescimento dos partidos populistas de direita, que são, por aqui, essencialmente nacionalistas e anti-imigração.

Esse é o caso do partido alemão de ultradireita AfD, atualmente a segunda legenda em intenções de voto no país, o que é apavorante. E também do partido Chega, de Portugal, que ficou em terceiro lugar nas últimas eleições e registrou um grande crescimento, elegendo 48 parlamentares, quatro vezes mais do que os 12 que havia conquistado nas eleições de 2022.

No meio dessa situação preocupante, um fenômeno especial me intriga: o dos imigrantes que votam e fazem campanha para esses partidos que são contra eles mesmos. Em páginas do Facebook de brasileiros nos Estados Unidos, muitos imigrantes defendem Trump. A página Brasileiros com Trump tem 14 mil participantes. Muitos deles são imigrantes nos EUA, país que tem uma comunidade de cerca de dois milhões de brasileiros. Muitos imigrantes são ilegais.

Brasileiros em Portugal

Em Portugal, esses eleitores com "síndrome de Estocolmo" fazem parte da base eleitoral do Chega, que defende políticas anti-imigração. Detalhe: os casos de xenofobia contra brasileiros dispararam no país nos últimos anos (subiram 833% de 2017 a 2022).

Em um vídeo publicado aqui na DW, brasileiros fizeram uma defesa apaixonada do partido. "Na verdade, eles não são contra a imigração, são contra a imigração desorganizada", disse uma entrevistada. 

Acho que esses imigrantes se sentem menos imigrantes quando se associam com seus algozes. E alguns deles são, inclusive, contra a imigração de brasileiros mais vulneráveis. Assim, talvez tenham a ilusão de que não são mais uma minoria, um grupo de risco.

Os brasileiros do partido anti-imigração de Portugal

Existe também uma "casta" de imigrantes para alguns. Por exemplo, imigrantes brasileiros se sentem menos imigrantes que muçulmanos. E, até dentro da comunidade brasileira, existem os que se acham "mais integrados, ou menos imigrantes".

Sim, parece loucura. Mas já vi em comunidades de mulheres brasileiras que moram no exterior algumas falando: "eles (extrema direita) não são contra imigrantes como nós, que somos casadas com alemão, são contra os refugiados". Esse tipo de discurso "não é com a gente" varia de formato. O "casada com europeu" pode ser substituído por "eu que tenho emprego", "eu que tenho avô europeu" e por aí vai.

Existe até uma expressão para designar esse comportamento: drawbridge mentality (mentalidade de ponte levadiça), que resume essa ideia de que "agora que eu entrei, não quero que ninguém mais entre".

"Volte para a sua casa!"

Talvez essas pessoas não queiram se sentir imigrantes. Isso porque ser um não é fácil. E, por mais que existam certas passabilidades (por exemplo, sou branca, então não sou reconhecida como estrangeira no primeiro momento), nós somos minoria e parte visada pelos fanáticos anti-imigrantes sim!

Por exemplo, minha suposta passabilidade não impediu que um dia um senhor bêbado gritasse para mim no meio da rua: "Você não está na sua casa! Você está em Berlim, Alemanha." Quando isso aconteceu, eu morava aqui há oito anos. Respondi que estava, sim, na minha casa, e tive apoio de outros imigrantes (turcos e árabes) que viram a cena. Eles entenderam que, apesar das diferenças, estamos no mesmo barco.

No caso dos brasileiros imigrantes nos Estados Unidos que apoiam Trump, acredito que eles estão vendo as novas declarações anti-imigrantes do ex-presidente e pensando: "Ele disse que certos imigrantes não são pessoas. Então, ele não está falando de mim." Desculpe, mas acho que está sim. E mesmo se não fosse contra seu caso específico, você acha ok que um presidente diga que outros imigrantes "não são pessoas"?

Uma prova de que o ódio xenófobo da direita radical mira todos: em janeiro, o veículo alemão de jornalismo investigativo Correctiv divulgou uma reportagem sobre um encontro com extremistas de direita e membros da AfD no qual falou-se sobre um plano de "remigração" que atingiria até pessoas com origem migratória que têm passaporte alemão.

Desde então, milhares foram às ruas e existem pedidos de que o partido seja proibido. Duvido que eles consigam implementar tal plano. Mas, pensem, o ódio desses fanáticos é, sim, contra todos os imigrantes. E os imigrantes somos nós.

Nina Lemos
Nina Lemos Colunista
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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.