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Tragédia na Sibéria divide população e políticos russos

Mikhail Bushuev ca
28 de março de 2018

Enquanto Moscou lamenta as mortes no incêndio do shopping em Kemerovo, muitos desconfiam dos números oficiais. Informantes pedem para permanecer anônimos, autoridades impõem termos de sigilo aos familiares das vítimas.

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Manifestantes no centro de Kemerovo: espera em vão por uma reação oficial
Manifestantes no centro de Kemerovo: espera em vão por uma reação oficialFoto: picture-alliance/AP Photo/S. Gavrilenko

Nuvens negras pairam sobre a Rússia: a dimensão do incêndio que matou mais de 60 pessoas, a maioria crianças, na cidade siberiana de Kemerovo, vem alimentando os sentimentos de raiva e luto da população.

O devastador incêndio num centro comercial, que se alastrou no domingo e segunda-feira (25-26/03), não foi a primeira nem a maior tragédia desse tipo nos últimos anos na Rússia, mas a indignação entre a população é excepcionalmente grande. Uma das razões para tal é a forma de as autoridades e a mídia controlada pelo Estado lidarem com a catástrofe e suas vítimas.

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No domingo, quando o fogo começou no quarto andar do centro comercial, fazendo as primeiras vítimas, as grandes emissoras de TV estatais dedicaram pouco tempo de programação aos acontecimentos. Somente no dia seguinte a televisão estatal relatou detalhadamente sobre a tragédia.

Também a visita do presidente Vladimir Putin, na terça-feira, esteve no foco da mídia, mas o grande protesto na praça central da cidade, reunindo cerca de 5 mil manifestantes, sequer foi mencionado. Além disso, a mídia estatal não falou nem com os que perderam familiares no incêndio nem com testemunhas oculares.

Ira contra governador

Aman Tuleyev, governador da província de Kemerovo, causou grande indignação por não ter visitado o local da catástrofe nem falado com parentes das vítimas, mesmo dois dias depois do incêndio. Tuleyev governa a região há 20 anos, regularmente assegurando para Putin os melhores resultados eleitorais em nível nacional.

Ele provocou ainda mais descontentamento e indignação ao pedir desculpas pela catástrofe somente ao presidente. Durante uma inesperada visita de Putin a Kemerovo, Tuleyev disse: "Vladimir Vladimirovich, o senhor me ligou pessoalmente. Mais uma vez, muito obrigado. Peço-lhe perdão pelo que aconteceu em nosso território."

Aos familiares das vítimas, por outro lado, o governador não pediu desculpas. E descreveu como "agitadores" e "abutres" os milhares de manifestantes que exigiram na praça central da cidade a sua renúncia.

"Quantas vítimas são, de verdade?": moradores de Kemerovo exigem respostas
"Quantas vítimas são, de verdade?": moradores de Kemerovo exigem respostasFoto: Reuters/M. Lisova

Para Putin, Tuleyev encontrou tempo, mas não para ir até os que passaram dez horas no frio, durante a manifestação. Ele foi representado pelo vice-governador Sergei Zivilev, que na segunda-feira chegou a acusar um participante do protesto de só querer aparecer com seu sofrimento. O manifestante Igor Vostrikov respondeu-lhe que havia perdido no incêndio a irmã, a esposa e três filhos pequenos, de sete, cinco e dois anos de idade.

Só na terça-feira, diante de protestos cada vez maiores, o vice-governador decidiu fazer um gesto, ajoelhando-se perante os manifestantes e implorando o perdão de todos os afetados pela tragédia. Por isso, recebeu aplausos, mas também vaias.

Desconfiança e medo

Muitos em Kemerovo não confiam mais nas informações fornecidas pelas autoridades. Persistentemente, espalha-se nas redes sociais a tese de que o número oficialmente anunciado na terça-feira, de 67 mortos, inclusive 41 crianças, é apenas uma manobra para despistar, e que a verdadeira quantidade de vítimas seria muito maior.

Fala-se de "centenas" de mortos. Esses números não são comprovados, tendo apenas fontes anônimas como base. No entanto um grupo de ativistas locais montou sua própria lista, chegando a 85 desaparecidos, entre os quais 70 crianças.

Quando o vice-governador Zivilev anunciou o número oficial diante da multidão na praça central de Kemerovo, os manifestantes responderam com assobios longos e furiosos. Em conversa com a DW, muitos expressaram dúvidas sobre os resultados da atual investigação, e criticaram as ações das autoridades durante e após a catástrofe.

Sigilo para familiares das vítimas

Mas muitos têm claramente medo das autoridades russas. Vladimir Varfolomeyev, da influente rádio Echo Moskvy, comentou em seu perfil no Facebook que mais da metade de suas fontes não quer ser identificada ou até mesmo solicitou alteração da voz.

"E nem se trata de um ato de terrorismo, uma conspiração política ou ação militar agressiva. Que medo as pessoas não devem estar sentindo, para não ousar falar abertamente sobre o que aconteceu", escreveu o radialista russo.

Outra razão para desconfiança é os familiares das vítimas terem tido que assinar uma declaração de sigilo, ao identificar os corpos. As autoridades russas justificam tratar-se de uma medida para proteger os parentes das vítimas. Entre os afetados, contudo, alastra-se a impressão de que se queira ocultar a verdadeira extensão da tragédia.

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