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Salles pede demissão do Ministério do Meio Ambiente

23 de junho de 2021

Secretário Joaquim Pereira Leite é nomeado novo ministro. Com gestão marcada por polêmicas e desmatamento e queimadas recordes, Salles é alvo de dois inquéritos no STF, ambos envolvendo comércio de madeira ilegal.

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O agora ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, com o presidente Jair Bolsonaro ao fundo
Ao longo de sua gestão, Salles foi acusado de improbidade administrativa pelo MPF e criticado por tentativas de "passar a boiada"Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República do Brasil

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu demissão do cargo ao presidente Jair Bolsonaro nesta quarta-feira (23/06). A exoneração foi publicada no Diário Oficial da União, informando que o desligamento foi feito a pedido do próprio ministro.

Bolsonaro nomeou como novo titular Joaquim Álvaro Pereira Leite, que é próximo a Salles e até então ocupava o cargo de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais do ministério. Antes, Leite foi diretor do Departamento Florestal da pasta.

Salles, ministro do Meio Ambiente desde o início do governo Bolsonaro, é alvo de dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), ambos envolvendo o comércio de madeira ilegal. Sua gestão foi marcada ainda por desmatamento e queimadas recordes, ataques a ONGs e críticas por parte de entidades ambientalistas e da comunidade internacional.

Também foi sob seu comando que ocorreu a paralisação do bilionário Fundo Amazônia. O programa foi criado em 2008 e era financiado por Alemanha e Noruega para proteger a maior floresta tropical do mundo, bancando projetos que combatessem o desmatamento.

Em 2019, Salles disse, sem provas, ter encontrado "indícios de irregularidades" no gasto de verbas e promoveu mudanças unilaterais na gestão do fundo, sem consultar os doadores. O Tribunal de Contas da União investigou os projetos e não constatou nenhuma irregularidade. Salles ainda criou atritos adicionais com os doadores ao tentar direcionar recursos do fundo para projetos de regularização fundiária, algo não previsto no estatuto do mecanismo.

Já em abril de 2020, declarações do então ministro do Meio Ambiente durante uma reunião ministerial com Bolsonaro geraram notas de repúdio por parte de entidades ambientalistas internacionais e de parlamentares europeus. Na reunião, Salles sugeriu que o governo aproveitasse que a atenção da imprensa estava voltada para a pandemia para avançar algumas mudanças nas leis ambientais que, em circunstâncias normais, poderiam ser recebidas com fortes críticas pela mídia e pela opinião pública.

"Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid-19, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", disse ele na ocasião.

Além disso, por mais de uma vez, o Ministério Público Federal (MPF) tentou, por meio de recursos, afastar Salles do cargo. Ele foi acusado pelos promotores de improbidade administrativa e de desestruturar intencionalmente os órgãos estatais de proteção ambiental, a fim de favorecer interesses que não condizem com aqueles que a pasta deveria defender.

Pronunciamento à imprensa

Após o pedido de demissão nesta quarta-feira, Salles fez um pronunciamento no Palácio do Planalto em que tentou dar um balanço de sua atuação à frente da pasta. Sem máscara, ele disse ter desempenhado o cargo "da melhor forma possível", procurando colocar em prática as orientações de Bolsonaro – entre elas, manter o Brasil um grande líder do agronegócio.

"Orientação esta que foi equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente; cuidado com todos os aspectos daquele ministério; ao mesmo tempo respeito também ao setor privado, ao agronegócio, ao produtor rural brasileiro, aos empresários de todos os setores, de mineração, imobiliário, setor industrial; a necessidade de o Brasil ter as suas obras de infraestrutura; a necessidade de o Brasil continuar sendo um grande líder do agronegócio", disse o ministro.

Salles também contestou críticas à sua gestão. "Nós experimentamos, ao longo desses dois anos e meio, muitas contestações sobre as medidas que foram tomadas ou sobre as medidas que foram planejadas, uma tentativa de dar a essas medidas um caráter de desrespeito à legislação, desrespeito à Constituição, o que não é absolutamente verdade."

Por fim, ele confirmou seu pedido de demissão. "Entendo que o Brasil, ao longo deste ano e no ano que vem, na inserção internacional e também na agenda nacional, precisa ter uma união muito forte de interesses e de anseios e de esforços. E para que isso se faça da maneira mais serena possível, eu apresentei ao senhor presidente o meu pedido de exoneração, que foi atendido", afirmou.

Na terça-feira, o então ministro foi elogiado por Bolsonaro em evento de lançamento do Plano Safra no Palácio do Planalto. O presidente disse que Salles fez parte do "casamento da agricultura com o meio ambiente, um casamento quase perfeito". "Parabéns, Ricardo Salles, não é fácil ocupar o seu ministério. Por vezes, a herança fica apenas uma penca de processos", afirmou Bolsonaro.

Inquéritos no STF

O agora ex-ministro é alvo de dois inquéritos no STF. O mais recente foi autorizado pela ministra da Corte Cármen Lúcia no último dia 2 de junho, e apura se Salles atuou em favor de madeireiros investigados pela Polícia Federal (PF) por retirada ilegal de madeira na Amazônia.

Ele é investigado por crimes como advocacia administrativa, obstrução de investigação ambiental e dificultar investigação de infração penal por organização criminosa.

A apuração foi pedida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e derivou de uma notícia-crime apresentada em abril pelo ex-superintendente da PF no Amazonas Alexandre Saraiva. O delegado acusou Salles de atrapalhar a maior apreensão de madeira ilegal do Brasil, feita no âmbito da Operação Handroanthus no fim de 2020.

Segundo o STF, a investigação da PF levou à apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira extraída ilegalmente por grupos criminosos. O montante apreendido na divisa do Pará com o Amazonas foi avaliado em R$ 129 milhões.

Um dia após enviar a notícia-crime ao Supremo, Saraiva foi demitido do cargo de superintendente no Amazonas, que ocupava há quatro anos. Em entrevista à DW Brasil no final de abril, ele disse que a carga de madeira que Salles tentava liberar tinha sido alvo de "fraudes grotescas" e que o ministro agiu para tentar "passar a boiada".

Salles já era investigado em outro inquérito no Supremo, que é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, por suspeita de facilitar exportação ilegal de madeira.

Em 19 de maio, Salles e o presidente do Ibama, Eduardo Bim, foram alvos da Operação Akuanduba, da Polícia Federal, que investiga a exportação ilegal de madeira para os Estados Unidos e Europa.

Moraes determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Salles, o afastamento preventivo de Bim do comando do Ibama e o afastamento de outros nove agentes públicos que ocupavam cargos e funções de confiança naquele organismo.

A Polícia Federal declarou que a operação tem o objetivo de apurar crimes contra a administração pública (corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, especialmente, facilitação de contrabando) praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.

Segundo a PF, as investigações foram iniciadas em janeiro deste ano, a partir de informações obtidas junto de autoridades estrangeiras noticiando possível desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira.

ek (ots)