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Qual o impacto de toques de recolher no combate à covid-19?

Catherine Lankes | Uta Steinwehr
31 de março de 2021

Medida foi adotada por vários países e em algumas cidades do Brasil para tentar conter a transmissão do coronavírus. A DW analisou estudos e simulações que avaliaram a eficácia desta restrição.

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Rua deserta em Paris à noite
Para sair à noite, em alguns lugares é preciso boas razões, caso contrário, pode ficar caroFoto: Martin Bureau/AFP/Getty Images

Vários países e algumas cidades do Brasil adotaram o toque de recolher noturno para impedir contatos e a disseminação da covid-19. Um argumento a favor do toque de recolher é que ele evita reuniões e festas noturnas privadas. No entanto, o real impacto desta para a diminuição no número de infecções é controverso.

Um estudo britânico descobriu que os toques de recolher são muito menos eficazes do que outras medidas. Segundo os pesquisadores, quanto mais dados existem de vários países, melhor podem ser analisadas as várias restrições quanto a sua eficácia.

Para os estudiosos, continua um desafio medir os efeitos individuais de forma isolada. A limitação das reuniões sociais a menos de dez pessoas surte um efeito mais forte. Seguem-se o fechamento de escolas e universidades e o fechamento de estabelecimentos com alto "risco pessoal", como restaurantes, bares e academias de ginástica. Os toques de recolher mostraram o menor efeito entre as medidas analisadas.

A Espanha, a Holanda e outros países tiveram um rígido lockdown, com restrição total de sair de casa. Nos últimos meses do ano passado, muitos impuseram toque de recolher noturno. Os críticos temiam na França, por exemplo, que um toque de recolher fosse contraproducente porque mais pessoas iriam às compras durante o dia. O primeiro-ministro francês, Jean Castex, anunciou em 14 de janeiro que o toque de recolher seria antecipado em todo o país por duas horas, ou seja, das 20 horas para as 18 horas.

Dados de regiões onde o toque de recolher está em vigor desde 2 de janeiro mostraram que o número de infecções aumentou mais lentamente. Críticos acreditam, no entanto, que vários fatores possam ter influenciado isso e que é muito cedo para avaliar a medida adequadamente.

Efeito positivo

Uma coisa é certa: o toque de recolher tem um certo efeito sobre o processo de infecções, até os críticos não negam isso. Mas quão grande é esse efeito e se ele atende ao princípio da proporcionalidade, isso permanece controverso.

Nem todos os cidadãos veem essa proporcionalidade, um princípio básico do Estado de direito. No entanto, a maioria dos que levaram o caso à Justiça, não obteve êxito. Um tribunal da Baviera rejeitou um pedido contra o toque de recolher das 21 às 5 horas, seguindo a argumentação do governo estadual, que determinou a medida. Segundo ele, a expectativa de que a medida iria "prevenir encontros sociais particularmente contagiosos, é plausível, tendo em vista a contribuição considerável que as celebrações privadas deram ao processo de infecção nos últimos meses", anunciou o juiz.

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De acordo com um estudo realizado por pesquisadores em universidades principalmente britânicas, um toque de recolher noturno pode ter um efeito positivo no número de reprodução. O chamado valor R indica quantas pessoas um infectado pode contagiar em média. De acordo com o estudo, o toque de recolher noturno pode reduzir esse valor em 13%.

Os autores do estudo ressaltam, no entanto, que isso deve ser visto na interação com outras medidas, como o fechamento de restaurantes e a restrição de reuniões privadas. O estudo, porém, ainda não foi revisado por outros especialistas independentes.

Canadá como estudo de caso

Os canadenses têm experiência com toques de recolher. Em regiões particularmente afetadas na província de Quebec, a medida está em vigor desde o início de janeiro. Questionadas pela DW se a medida tem base científica, as autoridades sanitárias locais não deram uma resposta específica, dizendo apenas que "estudos observacionais mostram que esta medida impede reuniões de pessoas".

Jay Kaufman, epidemiologista da Universidade McGill em Montreal, disse à DW não conhecer nenhuma avaliação formal dos toques de recolher. "Nos últimos meses, os números de casos em Quebec permaneceram estáveis ou caíram, enquanto aumentaram em outras províncias", afirmou.

No entanto, o especialista não atribui isso apenas ao toque de recolher em Quebec. Segundo ele, é preciso considerar muitos outros fatores, como a taxa de vacinação, se as aulas são presenciais e o número diário de testes.

Como as noites no verão do Hemisfério Norte são longas, o início do toque de recolher foi adiado das 20h para as 21h30 em meados de março e o número de casos voltou a aumentar, diz Kaufman. "Mas o modo como as várias medidas interagem e a contribuição de cada indivíduo devem ser examinados em um estudo, e não determinados por uma impressão vaga", acrescenta o epidemiologista.

Quem viola sem justificava adequada o toque de recolher noturno, está sujeito a severas multas: 1.000 a 6.000 dólares canadenses, cerca de 4,5 mil a 27,5 mil reais. Jovens pagam 500 dólares.

Medidas amplas

Também na Alemanha faltam dados para um estudo confiável, afirma Christof Schütte, professor especializado em simulações e presidente do Instituto Zuse em Berlim. Em sua opinião, os toques de recolher podem ser muito eficazes "se forem realmente observados em conjunto com as outras medidas", disse à DW.

Schütte também atribui aos políticos a obrigação de se comunicar de maneira mais clara e uniforme. Mas ele teme que o efeito dure apenas por pouco tempo, já que as pessoas podem tentar se encontrar durante o dia. 

Amineh Ghorbani, professora da Escola Superior Técnica de Delft, na Holanda, acredita que mesmo assim os toques de recolher surtem efeito. Em seu trabalho, ela usa simulações para estudar o comportamento humano.

Junto com cientistas da França, Holanda e Suécia, ela trabalha há um ano no projeto ASSOCC, uma simulação em que uma sociedade artificial é exposta à pandemia de covid-19. Eles testam a eficácia de várias medidas restritivas e assessoraram os governos sueco e italiano.

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A simulação é parecida com o jogo de computador "The Sims", explicou Ghorbani à DW. As pessoas têm necessidades básicas, como fome ou o desejo de ver amigos. Quando o desejo fica muito forte, pode ser que desobedeçam às regras.

O resultado da simulação mostrou que toques de recolher à noite ajudam a prevenir o aumento vertiginoso do número de infecções e podem, assim, contribuir para proteger o sistema de saúde de uma sobrecarga. Mas Ghorbani também diz: "Em contraste com um lockdown rígido de duas semanas, os toques de recolher devem durar mais tempo para serem eficazes." Além disso, segundo ela, eles não são tão eficazes por si só e devem ser combinados com outras medidas.

A eficácia dos toques de recolher em comparação com outras medidas também depende de onde se está. Na Alemanha e na Holanda, os números mostram uma nova onda de infecções. "Se na simulação for determinado um lockdown rígido, seria bom que ele fosse acompanhado de um toque de recolher noturno", sugere Ghorbani. Depois de três semanas, por exemplo, o bloqueio pode ser relaxado, mas os toques de recolher devem permanecer em vigor para que seja possível manter o efeito positivo das restrições rígidas por mais tempo.

Experiência francesa não é clara

Também em grande parte da França, há meses, os cidadãos não podem sair às ruas à noite sem um bom motivo. Por vezes a partir das 20h; outras, a partir das 18h; e também já a partir das 19h.

Os cientistas não têm consenso sobre os efeitos dessas restrições. Um grupo de pesquisadores de Toulouse descobriu que o toque de recolher noturno até pode ter um efeito negativo: o toque de recolher às 20h em Toulouse reduziu a propagação do vírus, mas o toque de recolher antecipado para às 18h piorou a situação. A razão para isso poderia ser que mais pessoas estivessem se encontrando nos supermercados.

Um estudo preliminar de pesquisadores do Instituto Francês de Saúde e Pesquisa Médica basicamente é a favor do toque de recolher noturno. Ele teria sido útil para conter a propagação da Sars-Cov-2 em janeiro. No entanto, de acordo com os pesquisadores, o toque de recolher, juntamente com outras medidas de distanciamento social, não conseguiu conter a propagação da variante britânica mais agressivo, a B.1.1.7.

Checando os fatos: quem usa ou apoia o toque de recolher como medida para conter a pandemia aponta para outros países que já o usam como prova de sua eficácia. Mas até agora a quantidade de dados sobre essa eficácia ainda é pequena. Pesquisas e simulações sugerem que, sob certas condições − como a combinação com um lockdown ou a restrição de encontros privados − podem ser bastante eficazes.