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Pé na praia: O diabo na noite

Thomas Fischermann
12 de abril de 2017

As alemãs Ester e Margarete foram ao Brasil com um objetivo: expulsar o diabo. Em viagens pela Amazônia e em Porto Velho, as missionárias dizem tentar conduzir a população indígena ao caminho de Deus.

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Thomas Fischermann
Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão "Die Zeit"Foto: Dario de Dominicis

Sempre acho interessante quando encontro outros alemães em minhas viagens pelo Brasil. Muitos de meus compatriotas vivem aqui – fugitivos do frio do norte europeu, assim como eu. Mas quando se conversa com eles percebe-se que suas razões nem sempre são as mesmas. A história mais extraordinária que ouvi foi a de Margarete e Ester, duas senhoras que vieram ao Brasil com um objetivo comum: expulsar o diabo.

Conheci Ester em Porto Velho, numa rua na periferia da cidade. Ela estava junto à cerca de sua casinha de madeira e podava as flores do gerânio. Ela ficou desconfiada sobre a visita súbita de alguém de sua terra natal, mas acabou me convidando para entrar. Conheci então sua amiga Margarete, uma cuidadora de idosos diplomada e oriunda de Breckerfeld, no Vale do Ruhr. Em 2006 mudou-se para Porto Velho e foi morar com Ester, que é formada em Enfermagem e vive no Brasil há muito tempo.

As senhoras ofereceram um suco de laranja e ligaram o ventilador. Sentaram-se no sofá coberto de várias colchas de algodão coloridas. Usavam vestidos floridos de verão, que cobriam os seios enormes, e sorriam amigavelmente para mim.

"O diabo fica incomodado quando o ser humano vai à luz", disse Margarete. Quando o diabo tem raiva dela, sente-se fraca, contou. Fica andando para lá e para cá desassossegada, veias de trombose estouram em sua perna, raios caem sobre seu computador. "Nosso trabalho não é para quem tem uma mente fraca."

Ambas as senhoras são missionárias. Querem levar a população indígena do Amazonas ao caminho de Deus. Desde o fim dos anos 90 surgiu uma pequena missão alemã na periferia de Porto Velho. Alguns missionários ficam o ano inteiro por aqui, como Margarete e Ester, e outros vêm das paróquias evangélicas como visitantes por poucos meses. Ficam lá, em média, umas 20 pessoas. Na casa vizinha, explica Margarete, mora uma família de oito filhos. Há pouco, quando tiveram que batizar um indígena, pegaram emprestada uma piscininha das crianças.

Conversamos animadamente por muito tempo. As duas missionárias me contaram sobre viagens de aventura pelo rio, sobre intervenções de última hora que salvaram vidas, sobre acessos de febre e animais perigosos. Às vezes as duas mulheres vão de barco até áreas distantes da Floresta Amazônica para orientar e apoiar tribos indígenas. Outras vezes convidam aldeias inteiras para visitá-las em sua sede da missão. Lá, os habitantes da floresta aprendem a recitar versos da Bíblia, fazer suco de laranja, entalhar tábuas de cozinha com a madeira dos trópicos e manejar máquinas de costura. Tem até uma excursão no programa: "Visita ao shopping center de Porto Velho".

Margarete e Ester querem ensinar muitas coisas aos visitantes das aldeias. Explicam a eles, por exemplo, que não devem bater em seus filhos. Bem, podem sim, mas só um pouquinho, no máximo umas palmadinhas no bumbum. As missionárias aconselham as mulheres a não ter relações íntimas com seus maridos depois do nascimento de um filho. Não é saudável, dizem. E deveriam experimentar novos alimentos.

Margarete levantou do sofá e foi para a cozinha nos fundos. Fez café, um bolo, fritou bolinhos de carne na frigideira. Dava para ver a louça empilhada na pia, sobre a qual havia uma placa: "Não tenha medo, acredite em Deus!"

Ester disse que o trabalho espiritual era mais importante que as coisas práticas. Segundo ela, quando um habitante da selva se torna um cristão, ele se liberta do mundo invisível do diabo e dos espíritos do mal. Ela disse que, após um curso de Bíblia e um batismo, infelizmente os indígenas ficam vulneráveis a poderes obscuros. Tem que saber se defender.

"Eu mesma já senti um espírito que era como um gato que andava à noite sobre mim. Então levantei e disse: 'Em nome do sangue de Cristo, desapareça!'", contou. Isso ela ensinava no curso de Bíblia até para as crianças pequenas. Sempre deu certo.

Margarete e Ester não eram casadas. "Pedi a Deus para não deixar ninguém me paquerar que não tenha a intenção de casar", disse Margarete. "E mais tarde pedi a Deus para deixar para lá. O pobre homem ficaria totalmente à minha mercê!" Ester via a situação com os homens de uma maneira mais relaxada. "Bem, se aparecer alguém que também queira trabalhar com indígenas...", disse, sem terminar a frase.

Na verdade, ambas achavam que era melhor viver sem homens no alojamento da missão. Na floresta, os povos indígenas vivem sob condições tão duras que só elas, as mulheres, conseguem ir até lá. "Até hoje nenhum homem aguentou ficar", disse Margarete. Ester me serviu mais café, concordando com uma expressão séria.

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.