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Pé na Praia: Estratégia no lago

Thomas Fischermann
18 de janeiro de 2017

Na coluna desta semana, o jornalista Thomas Fischermann relata um encontro entre um prefeito da região amazônica e um da Renânia: uma troca cultural em busca de um improvável ponto em comum.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Os termômetros estavam mostrando zero grau, os jornais locais publicaram fotos de guerras de neve, e a loja de descontos anunciava ofertas para luvas e gorros de lã. Asiel Bezerra suportava o frio com abnegação. O prefeito de Alta Floresta, uma cidade de 60 mil habitantes no norte de Mato Grosso, assoava o nariz avermelhado de gelo. Entrava uma sala de reuniões aquecida na prefeitura de Eschweiler: uma cidade de também aproximadamente 60 mil pessoas, mas localizada na Renânia, Alemanha. Ou seja, no Polo Norte, da perspectiva amazônica.

Alta Floresta e Eschweiler querem intercambiar informações sobre a administração de suas cidades. Altos funcionários da promoção econômica teuto-brasileira e do think thank da FGV pensaram que cidades alemãs e brasileiras deveriam conversar umas com as outras, e por isso, o prefeito de Eschweiler, um social-democrata com barriga de estadista, convidou os colegas de Alta Floresta para se conhecerem. No inverno! Foi o primeiro erro de cálculo cultural.

É o seguinte: Alta Floresta e Eschweiler não têm muito em comum – pelo menos, não à primeira vista. O prefeito Bezerra entrou na prefeitura de Eschweiler com um sorriso de conquistador nos lábios. Em Eschweiler, as pessoas sorriem menos do que na Amazônia. Não dão tapinhas nos ombros e muito menos se abraçam. Em vez disso, sempre tinham tudo preparado: colocaram uma bandeira brasileira sobre uma mesa na sala de reuniões, os funcionários municipais ficaram na frente, e especialistas em urbanismo usavam Powerpoint.

"Vamos começar com os temas básicos que gostaríamos de mencionar em cinco categorias”, disseram as pessoas de Eschweiler a seus visitantes da Amazônia. E discorreram sobre sua cidade alemã bem alimentada, de alto poder aquisitivo e, acima de tudo, infinitamente monótona. As áreas industriais. As áreas de extração de carvão vegetal na região. As piscinas públicas. O shopping. Estações de recarregamento de carros elétricos. Vias asfaltadas para cadeirantes. Os jardins de infância. Os parques de energia eólica.

"O próximo item não é necessário explicar: o carnaval!” disseram, mas teria sido melhor se tivessem explicado. O carnaval em Eschweiler não é compreensível de imediato para brasileiros. A pequena cidade na Renânia tem, segundo as estatísticas oficiais, o terceiro desfile de carnaval mais comprido da Alemanha. Na época de carnaval, em Eschweiler, o prefeito fica em frente à prefeitura, e então elogia o "clima digno de um imperador” em sua cidade.

Ele fala no dialeto cantante de sua região, o Aischwiile Plat, no qual um restaurante do McDonald's é chamado de "Mäckes”, um hospício "Jeckes” e assim por diante. Homens e mulheres agitam bandeiras em ruas congeladas e tocam instrumentos de sopro. Enquanto o representante do departamento de imóveis, economia e turismo mostrava tudo isso em um vídeo, o prefeito da Amazônia teve um acesso de tosse.

O breve vídeo de apresentação sobre Alta Floresta que os visitantes trouxeram era bastante profissional e mostrava um mundo que os funcionários municipais de Eschweiler provavelmente associaram com "Tarzan”. Onças, safaris na selva e em rios, flores exóticas, rios magníficos e árvores milenares.

O prefeito da Floresta Amazônica relatou sobre a corrida do ouro dos anos oitenta, sobre projetos de barragens gigantescas em sua região e que a fronteira agrícola passa bem no meio da área de sua cidade. A floresta desaparece nessa região, a agricultura é o mercado de desenvolvimento do futuro, as monoculturas do agronegócio vão devorando áreas cada vez mais profundas dos paraísos de Alta Floresta e seu entorno.

O prefeito de Eschweiler pretende, nos próximos meses, também ir à Amazônia. Até lá, os dois lados refletem sobre o que aprender um com o outro. Encontraram alguns pontos em comum: por exemplo, que os arredores de ambas as cidades se constituem de infernos deixados pela exploração da natureza. Alta Floresta e sua floresta agonizante, que a administração da cidade quer salvar pelo menos um pouco com projetos referentes à natureza – e Eschweiler, cercada por crateras de carvão gigantescas, que devem ser transformadas em parques e campos no futuro.

Quando, à tarde, as duas delegações foram visitar o balneário de Eschweiler, as discussões foram ganhando vida. A represa que serve de balneário em Eschweiler é uma antiga cratera de carvão no entorno da cidade que encheram de água. "Balneário em Eschweiler” no português corrente seria mais adequadamente traduzida como "cratera de tortura”, como a média de temperatura anual nessa parte da Renânia é de 11 graus Celsius, mas tudo bem: a represa de Eschweiler foi construída em parte com a finalidade de lazer e em parte para proteção ambiental. "Gostaríamos de ter construído esta represa com o dobro de tamanho, mas tivemos que lidar com a resistência de agricultores, que exigiam áreas maiores para plantações”, esclareceu o prefeito de Eschweiler.

Aí os ânimos da delegação brasileira ficaram bem mais exaltados. Os visitantes da Amazônia juntaram suas cabeças, riram e discutiram brevemente. Então o secretário para assuntos econômicos de Alta Floresta se manifestou, com o olhar sério: "Alguém pensou em fazer uma oferta melhor ao agricultor?”, perguntou. "Talvez eles tivessem concordado com uma represa maior, se vocês lhes tivessem oferecido retirar água para irrigação. A gente tem que saber negociar com agronegócio!”

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.