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Governo volta a contestar dados de desmatamento

2 de agosto de 2019

Em coletiva ao lado de Bolsonaro, Salles alega falhas em sistema de monitoramento do Inpe e anuncia contratação de empresa privada. Especialistas dizem que governo tenta desviar atenção do problema real.

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Jair Bolsonaro e Ricardo Salles
Bolsonaro criticou funcionários do Inpe na coletivaFoto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil

Ao lado do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o presidente Jair Bolsonaro voltou a contestar nesta quinta-feira (01/08) os recentes dados sobre o aumento do desmatamento da Floresta Amazônica e alegou que os números teriam sido "espancados" para atingir o país e seu governo.

"É muito estranho porque aconteceu num momento em que o Brasil dá sinais claros de que vai recuperar sua economia", disse Bolsonaro, durante a coletiva que foi convocada pelo governo para contradizer o recente relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o desmatamento e a metodologia da medição.

O evento ocorreu no mesmo dia em que a revista inglesa The Economist estampou em sua capa o risco de morte da maior floresta tropical do mundo e classificou Bolsonaro como "o chefe de Estado mais perigoso para o meio ambiente".

O presidente disse que foi uma irresponsabilidade a divulgação dos dados e que rótulos foram colocados nele. Ele acusou ainda funcionários do Inpe de tentarem prejudicar a imagem do país.

"A fama do Brasil e a minha é péssima lá fora ainda, tendo em vista os rótulos que foram colocados em mim. E esses rótulos têm que ser, aos poucos, combatidos na forma da verdade. Esses números que foram apresentados agora, uma completa irresponsabilidade. Até eu costumo dizer que se esses números todos fossem verdadeiros, a Amazônia já teria sido desmatada três vezes ao longo dos últimos 20 anos", alegou.

A coletiva começou com uma apresentação de Salles com mapas que mostravam o avanço de desmatamento da Floresta Amazônica. O ministro disse que os dados do Inpe eram "sensacionalistas" e "não condizentes com a realidade".

Em junho, o Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter) apontou 2 mil quilômetros quadrados de novas áreas abertas na floresta. Em relação ao mesmo período do ano passado, o aumento do corte raso foi de 88%. "O salto de 88% não é verdade", afirmou Salles ao apresentar as imagens de satélite analisadas.

Questionado, o ministro não soube informar, por outro lado, o percentual real do período, culpando "falhas no monitoramento".

 Salles apresenta mapas para justificar suposta falha no monitoramento
Salles apresentou mapas para justificar suposta falha no monitoramento Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil

Como funciona o Deter?

Desde que foi criado, há 30 anos, o programa de monitoramento do Inpe divulga, todos os anos,  os índices anuais de desmatamento e, desde 2004, emite diariamente alertas para guiar equipes de fiscalização em campo e, dessa forma, inibir a ilegalidade.

Isso ocorre por meio do sistema Deter, que emite alertas diários sobre onde a destruição está acontecendo, foi desenvolvido pelo Inpe quando o país buscava intensificar a fiscalização na Amazônia, em 2003.

As imagens usadas pelo Deter são captadas pelos satélites sino-brasileiro CBERS-4 e indiano IRS, e chegam ao fim de cada dia à rede do Inpe. Na manhã seguinte, as imagens são processadas por uma equipe em Cachoeira Paulista, interior do estado de São Paulo, e distribuídas para o time de "intérpretes" – profissionais treinados para identificar, a partir das diferentes características observadas na imagem, desmatamentos em andamento.

Na sequência, esse trabalho passa por uma auditoria para, então, ser divulgado na rede aberta do Inpe. De todos os polígonos interpretados, 20% são escolhidos aleatoriamente para validar o grau de acerto de cada lote. Ao todo, essa etapa leva três dias.

Apesar de questionar o Deter, Salles não conseguiu negar o desmatamento. Todas as áreas apontadas em sua apresentação como provas de erro nas estatísticas computadas em junho tinham, de fato, perdido a vegetação nativa. O ministro alegou que 31% dos registros das maiores áreas desmatadas contabilizadas em junho último teriam ocorrido, na verdade, em meses passados.

Especialistas em sensoriamento remoto ouvidos pela DW Brasil apontaram explicações técnicas para o atraso entre o tempo do desmatamento em terra e a contagem da área nas estatísticas, que foi apontado por Salles como falha do relatório.

"O satélite passa pela mesma área a cada cinco dias. Às vezes, na primeira passada, ele não consegue ver com clareza devido a nuvens", explicou um técnico que já trabalhou no sistema Deter e preferiu não se identificar. "Ocorre também que, nas primeiras passadas, a área pode estar sofrendo o começo de uma degradação, que só depois é reconhecido como desmatamento", acrescentou.

O climatologista e pesquisador aposentado do Inpe Carlos Nobre lembra ainda que todos os sistemas de detecção de satélite trabalham com margens de erros. "Não é correto pegar pontos onde o algoritmo não fez uma leitura corretamente e desacreditar o método, porque todos os métodos trabalham com margem de erro", declarou.

Na coletiva, Salles anunciou ainda a contratação de um novo sistema privado com imagens de alta resolução e que, segundo ele, vai melhorar o serviço de fiscalização. Ele garantiu também que o monitoramento feito pelo Inpe, órgão criado pelo governo brasileiro há 54 anos, continuará. "Queremos manter o sistema do Deter, ajudando a equipe, ajudando o Inpe para que tenha melhores serviços", disse.

Questionado sobre o número de multas e operações de fiscalização para combater os crimes ambientais na Amazônia desde o início do governo Bolsonaro, o ministro não soube dar detalhes. 

Desviar a atenção

Após a coletiva, o Inpe reafirmou a qualidade de seus dados e destacou que realiza um trabalho norteado pelos "princípios da excelência, transparência e honestidade científica". A entidade disse que participou de duas reuniões em Brasília para explicar a metodologia do Deter.

"O Inpe avalia que o estudo apresentado corrobora a metodologia do Deter, pois os alertas de desmatamento mostrados se tratavam de fato de áreas desmatadas. Qualquer comparação dos resultados do Deter com resultados de metodologias ou imagens distintas deve ser aprofundada, e requer uma avaliação mais completa", ressaltou a entidade em nota.

Para Carlos Rittl, do Observatório do Clima, ao rebaixar o trabalho da entidade o governo tenta tirar a atenção do problema. "Não tem como esconder que o desmatamento explodiu, então querem quebrar a reputação e qualidade do trabalho do Inpe", avaliou.

"O que precisa ser discutido é a falta de fiscalização, de combate ao crime ambiental, o aumento da violência contra os povos indígenas, as medidas que serão tomadas para diminuir o desmatamento", afirmou.

Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, disse que o governo mente para levar a cabo seu projeto antiambiental que favorece quem pratica o crime florestal.

"E agora, na hora de encarar as consequências de suas decisões, tenta esconder a verdade de maneira vergonhosa e culpando terceiros. Os números do desmatamento já são ruins por si só. Mentir só vai aumentar os prejuízos para o país", declarou.

É esperada para novembro a divulgação dos dados consolidados da destruição da Amazônia em 2019 medida pelo Prodes, Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, também do Inpe. No ano passado, foram 7.536 quilômetros quadrados de desmatamento, a segunda maior área registrada desde 2008.

O primeiro do governo Bolsonaro a criticar publicamente o sistema do Inpe, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, disse durante a coletiva que a divulgação de "dados falsos" prejudica a imagem do país, e coloca o Brasil "como grande destruidor do meio ambiente".

Heleno também afirmou que, sob o governo Bolsonaro, os povos da floresta receberão o "tratamento correto", sinalizando a intenção de ampliar empreendimentos de mineração e expansão do agronegócio na Amazônia.

Para Nara Baré, presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab), "é lamentável que o governo e o presidente insistam em querer falar pelos povos indígenas".

"Somos autônomos, livres. Não somos tutelados pelo Estado, falamos por nós mesmos. Eles falam isso para mascarar uma vontade deles. Por que Bolsonaro não nos recebe? Porque ele tem medo de falar com a gente", criticou Baré.

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