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Eleição "para patriotas" consolida poder chinês em Hong Kong

William Yang
21 de dezembro de 2021

Apenas um terço dos eleitores do território compareceu às urnas no domingo após reforma eleitoral promovida por Pequim vetar candidatos críticos ao regime. Baixo comparecimento foi encarado como recado às autoridades.

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Carrie Lam segura cédula ao lado de urna eleitoral
A chefe do governo de Hong Kong, Carrie Lam, disse que estava "satisfeita" com os resultados eleitoraisFoto: Tyrone Siu/REUTERS

Os candidatos pró-China dominaram as eleições legislativas de Hong Kong realizadas no domingo (19/12), no primeiro pleito local depois que Pequim aprovou uma reforma para modificar as leis eleitorais do território.

As mudanças garantiram que somente os chamados "patriotas" pró-Pequim pudessem se lançar como candidatos.

Apesar de o número de eleitores registrados ter alcançado 92,5%, superior ao das eleições de 2012 e 2016, quando cerca de 70% dos eleitores haviam se registrado, o comparecimento às urnas foi o mais baixo de todos os tempos, de 30,2%. Além disso, 2,04% dos votos foram nulos, um recorde na história eleitoral de Hong Kong.

Críticos interpretaram o baixo comparecimento como um sinal de que os moradores de Hong Kong recusaram as mudanças no sistema eleitoral  anunciadas pela China em março e aprovadas pelo Conselho Legislativo de Hong Kong em maio.

"Muitos moradores de Hong Kong pensam que esta suposta eleição é uma farsa e se recusam a dar [à eleição] um sentido pleno de legitimidade", disse Glacier Kwong, uma ativista de Hong Kong exilada na Alemanha, à DW.

Já a chefe de governo de Hong Kong, Carrie Lam, disse na segunda-feira que estava "satisfeita" com o resultado da eleição e com o comparecimento às urnas.

Mudanças no sistema eleitoral

A reforma eleitoral reduziu o número de legisladores eleitos de 35 para 20, e ao mesmo tempo ampliou a legislatura de 70 para 90 assentos. A maioria dos legisladores foi nomeada por órgãos pró-Pequim, garantindo que eles formassem a maioria da legislatura.

Todos os candidatos que desejavam concorrer às eleições de domingo tiveram que ser avaliados previamente por uma comissão em sua maioria pró-Pequim antes de terem as candidaturas aprovadas.

As autoridades chinesas afirmaram que a reforma eleitoral visava eliminar "lacunas e deficiências" que teriam ameaçado sua segurança nacional durante os protestos ocorridos no território em 2019.

A reforma eleitoral foi amplamente criticada pela comunidade internacional e por ativistas pró-democracia. Eles argumentam que houve uma violação significativa do princípio constitucional de "um país, dois sistemas", que rege Hong Kong desde a transferência do domínio britânico para o chinês, em 1997.

Segundo esse princípio, foi prometido aos moradores de Hong Kong que eles poderiam ter "um alto grau de autonomia" e muitas liberdades políticas durante um período de 50 anos, até 2047.

Baixo comparecimento

A ativista Kwong disse que o baixo comparecimento pode ser interpretado como um sinal claro para a comunidade internacional de que os cidadãos de Hong Kong não consideram a escolha dos "patriotas" como uma eleição genuína.

"Acho que a comunidade global deveria identificar a mensagem e se recusar a reconhecer o conselho legislativo recém-eleito como representante dos moradores de Hong Kong", disse ela.

Foto mostra zona de votação em Hong Kong, com folhas de papel em primeiro plano mostrando os candidatos
Apenas candidatos pró-Pequim receberam autorização para concorrer Foto: Tyrone Siu/REUTERS

Outros especialistas destacaram a baixa participação como sintoma de um sistema democrático defeituoso.

"Essa taxa de comparecimento mais baixa na história eleitoral de Hong Kong significa que as pessoas na cidade não estão interessadas na eleição", disse Eric Lai, pesquisador de Hong Kong do Centro de Direito Asiático da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.

Clima de medo

A ativista Kwong disse que as autoridades de Hong Kong tentaram criar uma atmosfera de medo antes das eleições, e prenderam dez pessoas por supostamente pedirem a outras que boicotassem a eleição, assim como dezenas de moradores pró-democracia que pretendiam concorrer.

As autoridades de Hong Kong também emitiram mandados contra cinco ativistas que moram em outros países e pediram o boicote à eleição.

"Todos esses movimentos são parte de um sinal aos cidadãos de Hong Kong de que se você ousar resistir mais, você será feito de exemplo", disse ela.

Embora não seja ilegal votar nulo ou se recusar a votar em Hong Kong, as autoridades da cidade criminalizaram a conduta de incitar outros a boicotar a eleição ou votar nulo. Os infratores poderiam enfrentar até três anos de prisão e uma multa de 200 mil dólares de Hong Kong (R$ 147 mil).

Lai disse à DW que a série de reformas na lei eleitoral provou que o governo de Hong Kong não está interessado em permitir diversidade de expressão política ou campanhas eleitorais.

Oficiais pró-Pequim defendem resultados eleitorais

"Nesta eleição, 1,35 milhões de eleitores votaram. Eles não apenas elegeram candidatos de sua escolha ao LegCo [Conselho Legislativo], acho que foi também por causa de seu apoio à melhoria do sistema eleitoral", disse a chefe de governo Lam.

Ela parecia inabalável pela baixa participação, e disse que era uma escolha pessoal dos eleitores registrados exercer seu direito de voto.

"Hong Kong está agora de volta no caminho de um país, dois sistemas", afirmou. "Não podemos copiar e colar o chamado sistema democrático ou regras dos países ocidentais."

Vários candidatos pró-Pequim que ganharam assentos no novo Conselho Legislativo também reiteraram a ideia de que "a taxa de comparecimento não representa tudo".

Starry Lee, chefe do maior partido pró-Pequim, A Aliança Democrática para o Melhoramento e Progresso de Hong Kong (DAB), disse que o novo sistema eleitoral reflete a essência do "governo patriótico de Hong Kong", e acrescentou que a taxa de participação de 30% atende a expectativa do campo pró-Pequim.

Qual é o futuro do Conselho Legislativo?

Com um conselho repleto de políticos pró-Pequim, Kwong disse à DW que "ele será simplesmente uma máquina de fazer eco para o governo".

Ivan Choy, cientista político da Universidade Chinesa de Hong Kong, disse que o Conselho Legislativo se tornará cada vez mais semelhante ao Congresso Nacional do Povo da China, com a representação democrática substituída pela diversidade da origem dos candidatos. Para ele, isso não é um substituto para a democracia.

Essa visão é compartilhada por Lai, do Centro de Direito Asiático da Universidade de Georgetown. "Com o novo sistema eleitoral, é bastante óbvio que a nova legislatura será mais afastada da opinião pública e das demandas populares", disse. "A legislatura estará muito mais centralizada nas mãos de Pequim do que nos interesses da sociedade."

O Conselho de Estado da China divulgou na segunda-feira um relatório sobre o desenvolvimento democrático de Hong Kong sob a estrutura de "um país, dois sistemas", argumentando que o novo Conselho Legislativo é parte de um esforço para desenvolver a democracia em Hong Kong.

Isso inclui "aprovar a reforma dos procedimentos eleitorais para o chefe do Executivo e o LegCo [Conselho Legislativo], estabelecer um calendário para o voto universal e elaborar um roteiro para a eleição do chefe do Executivo por voto universal", informou o jornal estatal chinês Global Times.

Kwong e Lai, no entanto, acreditam que a reforma eleitoral é o fim de mais um canal para a democracia em Hong Kong. Mas eles continuam esperançosos de que a resistência da sociedade civil continuará.

"Para os cidadãos, eles ainda podem fazer escolhas no dia a dia para evitar se envolver com empresas pró-Pequim. Ainda há espaço para que coisas diferentes aconteçam. A única diferença é que não se trata mais de participação política ativa como em protestos", disse Kwong.