Pearl Harbor e o fim do mito da invulnerabilidade dos EUA
7 de dezembro de 2016Como presidente, George Bush, o pai, não era nenhum mestre da palavra falada. Em 7 de dezembro de 1991, no entanto, ele fez um pronunciamento especial, provavelmente seu discurso mais emotivo – talvez até mesmo o mais emotivo de todos os presidentes dos Estados Unidos.
"Olhem em seus corações", disse, com voz apertada e trêmula e lágrimas nos olhos, "e vocês verão meninos que naqueles dias se tornaram homens, que se transformaram em heróis". Cinquenta anos depois, 13 mil veteranos de guerra voltavam à base de Pearl Harbor, no Havaí, palco de uma das maiores tragédias da história militar americana. E Bush falava do fundo dos corações deles.
Em duas ondas de ataques, bombardeiros japoneses destruíram quase toda a frota dos EUA no Pacífico, em meio à Segunda Guerra Mundial. Mais de 2.400 americanos morreram, numa ofensiva sem qualquer aviso prévio, sem declaração de guerra. Numa manhã de domingo aparentemente pacífica, os americanos viveram um trauma que perduraria por décadas.
Fim do mito da invulnerabilidade americana
"Ataque aéreo a Pearl Harbor. Isto não é um exercício." São 13h57 de 7 de dezembro do 1941, horário da Costa Leste dos EUA, quando o comunicado da Marinha chega por linha direta a Washington. Tarde demais: havia já 20 minutos, 141 bombardeiros do Japão alvejavam navios de combate, destróieres, cruzadores e navios minadores da base marítima na ilha de Oahu.
Os veículos que não foram atingidos entram na mira da segunda onda de ataque, em que 168 aviões japoneses se lançam sobre os navios Arizona, California, Oklahoma e West Virginia. Sob chuva de bombas, também são incendiados 350 aviões americanos que se encontram em terra. Conta-se que o presidente Franklin Roosevelt bateu com o punho na mesa ao receber a notícia: "Aviões americanos foram destruídos em terra – meu Deus, em terra!".
No fim, a frota do Pacífico, mobilizada de San Diego para o Havaí devido à guerra, sofrera uma derrota esmagadora. Do lado japonês, 29 bombardeiros foram abatidos, 55 soldados morreram. Uma vitória do Império do Japão que aniquilava o mito da invulnerabilidade dos Estados Unidos.
Fruto de leviandade e diletantismo
O trauma americano de Pearl Harbor também foi fruto de uma incrível leviandade. Os comandantes estavam convencidos de que o Japão poderia atacar por toda parte na região do Pacífico – por exemplo, as colônias britânicas ou holandesas – mas não a base dos EUA.
Ainda assim, tomaram-se medidas cautelares – só que as erradas. Temendo-se atos de sabotagem por parte dos 100 mil habitantes japoneses do Havaí, os 350 bombardeiros americanos foram transferidos dos limites da base para o centro. Estacionados bem juntos uns aos outros, tornaram-se alvo fácil para as bombas aéreos.
Na época, a tecnologia de radares era relativamente nova, portanto com certa desconfiança. Quando os primeiros bombardeiros japoneses apareceram no monitor, os pontos foram interpretados como tudo, menos como inimigos em pleno ataque. Em vez de estar distribuída pela base, grande parte da artilharia antiaérea se encontrava nos depósitos.
Por fim, a escolha do dia e da hora também conspirou a favor dos japoneses: às 6h37 da manhã de domingo (hora local), muitos ainda estavam na cama e os postos de comando, apenas parcialmente ocupados. A base estava praticamente indefesa.
Guinada no pacifismo isolacionista dos EUA
Já desde 1937 o Japão vinha travando combates na região do Oceano Pacífico, mas com o ataque a Pearl Harbor as confrontações entravam no nível de guerra mundial. Durante meses o país teve liberdade de ação em amplas áreas da Ásia. No entanto esse domínio ficou temporalmente limitado, até por não terem sido atingidos nem os três porta-aviões – então garantidores da superioridade militar em mar – nem os depósitos de combustível americanos no Havaí.
No 7 de dezembro, as fortalezas flutuantes dos EUA não se encontravam no porto, duas delas haviam abandonado a base apenas uns dias antes. E os japoneses haviam previsto o bombardeio dos tanques de óleo numa terceira onda de ataque, que não se realizou.
Desse modo, Pearl Harbor acabou redundando numa vitória pírrica para o Japão, que mais tarde também Tóquio condenaria como um erro estratégico, sob todos os pontos de vista. Na prática, o ataque japonês foi o que realmente fortaleceu os Estados Unidos.
"Remember Pearl Harbor!" foi o grito de combate da opinião pública americana, que de um só golpe dava fim ao isolacionismo até então praticado. O patriotismo se sobrepôs ao consenso pacifista predominante entre a sociedade dos EUA. Dentro de poucos anos, a mobilização militar, alimentada pela gigantesca capacidade industrial nacional, transformou o país numa potência mundial. E a partir de então a lembrança da humilhação de Pearl Harbor passou a alimentar a priorização da segurança.
As consequências imediatas são conhecidas: o país entrou ativamente na Segunda Guerra Mundial. Apenas quatro dias após os bombardeios no Havaí, numa avaliação totalmente equivocada das circunstâncias reais, o ditador alemão Adolf Hitler declarou guerra aos Estados Unidos. A essa altura, o inverno russo já havia encurralado as divisões nazistas às portas de Moscou.
Lágrimas negras do USS Arizona
Entre os navios militares destruídos e afundados no litoral havaiano, nenhum tem seu destino tão presente na memória quanto o USS Arizona. Às 8h06, uma bomba de 800 quilos se chocou contra o seu deque, detonando o depósito de munição. Em apenas dez minutos a embarcação tinha naufragado quase inteiramente, tornando-se a sepultura para 1.177 marinheiros, quase sua tripulação total. Apenas 200 homens sobreviveram.
Em 1961 foi construída uma plataforma onde o Arizona jaz, nas águas rasas do porto. O memorial atrai cerca de 1,5 milhão de visitantes a cada ano. E abriga um mito: no momento do ataque, o navio tinha em seu interior 1,5 milhão de galões de petróleo, que há décadas ele vem liberando, gota a gota. Apelidadas "as lágrimas negras do Arizona", na crença de alguns veteranos elas só pararão de fluir quando tiver morrido o último sobrevivente.
Pearl Harbor e a memória coletiva americana
O que permanecerá para sempre de Pearl Harbor, contudo, é a lembrança. George Bush, que contava 17 anos de idade naquele domingo de dezembro em 1941, alistou-se meio ano mais tarde, tornando-se o mais jovem piloto da Marinha dos EUA. Dois anos depois, os japoneses o alvejaram sobre o Pacífico, um submarino americano o resgatou.
"Pearl Harbor se tornou parte da minha vida", diria 50 anos depois o então chefe de Estado, bem no local em que as bombas caíram. Agora ele não acalentava mais a raiva dos japoneses e alemães que sentia na época, confessou. Naquele momento, tinha a autoridade para dizer tal coisa, pois viera mais como veterano de guerra do que como presidente.
Até hoje, Pearl Harbor está gravado mais fundo na memória americana do que o desembarque das tropas aliadas na Normandia, em 1944, anunciando o início do fim da Segunda Guerra. Mais traumático do que o bombardeio da base havaiana, só mesmo o 11 de setembro de 2001, quando desabaram as Torres Gêmeas do World Trade Center.