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"Pardos superam brancos e pela 1ª vez são maioria no país"

22 de dezembro de 2023

Em entrevista à DW, coordenadora do IBGE analisa resultados do Censo 2022 sobre cor/raça. Aumento do número de pardos, pretos e indígenas tem a ver com reflexão da população sobre autoindentificação, diz.

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Jovens tocam instrumentos em escola brasileira
Ampliação percentual da população parda aconteceu especialmente nas faixas mais jovens, de 15 e 29 anos e de 30 a 44 anosFoto: Silvio Avila/AFP

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou nesta sexta-feira (22/09) os dados do Censo 2022 sobre cor/raça da população brasileira. A principal novidade em relação ao levantamento anterior, de 2010, está da predominância de pardos, que atingiram 92,1 milhões de pessoas, ou 45,3%.

É a primeira vez, desde 1991, que esse grupo predominou. Há dez anos, o percentual era de 43,1% (82 milhões). Esse ascensão ocorre junto com o decréscimo de pessoas que se autodeclaram brancas, com uma queda de 47,7% para 43,5% – de 91 milhões para 88 milhões de cidadãos.

A pesquisa foi realizada após dois adiamentos consecutivos. O primeiro deles, em 2020, por causa da covid-19. Os recursos previstos para o levantamento, estimados em R$ 2,3 bilhões, foram destinados ao combate à pandemia. No ano seguinte, o governo reduziu a verba da pesquisa para R$ 71 milhões, inviabilizando-a. O Censo foi iniciado em agosto de 2022 e finalizado em maio deste ano, e contou com cerca de 220 mil trabalhadores.

Entre os pretos, a população aumentou. Saiu de 14,5 milhões (7,6%) para 20,6 milhões (10,2%). "Um aumento de contingente populacional bastante significativo", avalia à DW a antropóloga Marta Antunes, coordenadora técnica da diretoria de pesquisas do IBGE. Entre os outros grupos analisados, amarelos caíram de 1,1% para 0,4% (de 2 milhões para 850 mil pessoas), e houve aumento entre os indígenas, de 869 mil (0,5%) para 1,6 milhão (0,8%).

Nacionalmente, o país registra uma divisão. A Região Sul concentra o maior percentual de brancos, representando 72,6% da sua população, seguida do Sudeste, com 49,9%. O contingente de pretos está mais presente (13%) no Nordeste, seguido do Sudeste (10%). Os pardos estão mais espalhados – Norte (62,5%), Nordeste (59,6%) e Centro Oeste (52,4%). Amarelos aparecem mais no Sudeste (0,7%) e no Sul e Centro-Oeste empatados (0,4%).

Entre os estados, brancos estão em maior proporção no Rio Grande do Sul (78,4%), pardos no Pará (69,9%) e pretos na Bahia (22,%). Entre 2010 e 2022, as populações preta, indígena e parda ganharam participação em todos os recortes etários, enquanto as populações branca e amarela perderam participação.

Marta Antunes acredita que a variação positiva entre pardos ocorre a partir de debates sociais que emergiram com maior força nos últimos anos. Ela também destaca a integração de dados públicos como possível facilitador na compressão que os brasileiros têm de si.

"Informações do Ministério da Saúde e da Educação, que estão em conformidade com o IBGE, apresentando as mesmas categorias de brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas. A população tem essa reflexão sobre a autoindentificação em outras esferas, e isso não mais provocado apenas pelo Censo. O questionamento se torna menos aleatório, porque já aconteceu ao longo da década."

Antes de entrar nos dados, qual é a importância do Censo e como seus dados podem ser utilizados em políticas públicas?

O Censo é a única pesquisa que oferece dados para os menores recortes territoriais do país. Quando pensamos a implementação de políticas públicas, no monitoramento dos impactos dessas políticas, nos caminhos para conhecermos nossa sociedade e os recortes mais próximos da realidade das pessoas, o Censo é a pesquisa com essa capacidade, destrinchando em cinco grupos específicos: brancos, pretos, amarelos, pardos e indígenas.

Quando analisamos nossas pesquisas amostrais, não conseguimos ter dados com a categoria preta de forma isolada, porque não é possível cruzá-los com outras variáveis. O Censo tem esse potencial de se conhecer enquanto sociedade brasileira e possibilitar que nós possamos ajudar quem cria políticas ao olhar a diversidade nacional e também nos municípios.

Como os recenseadores lidam com as dúvidas do informante no momento da entrevista?

Eles recebem um treinamento dedicado a trabalhar a questão da identificação ético-racial, quais são cada uma das categorias, suas definições e a forma de leitura da pergunta. A depender da escolha do informante, o recenseador deve retomar a questão. No dispositivo móvel há também um ponto de interrogação com a definição de cada categoria e, em caso de dúvidas do informante, essa mensagem deve ser lida da maneira como aparece no dispositivo, e isso é bastante importante.

No Censo de 2010, por exemplo, nós não levamos a campo uma definição para a categoria parda. Assim, cada recenseador dava sua percepção do que significaria a categoria. Nossa explicação para as dúvidas está alinhada com textos históricos que datam de 1872, mas também com um olhar para como a população justifica essa escolha nos testes pré-Censo. A tentativa é de trazer uma linguagem mais atual e de fácil compreensão à sociedade.

Quais são os principais achados do Censo?

A mudança de categoria com maior predominância no país. Em 2010, o Brasil tinha uma população com 47,7% que se autodeclarava branca, mas esse segmento caiu para 43,5%. Os pardos, em compensação, pularam de 43,1% para 45,3%. A categoria parda, que é investigada pelo Censo com as mesmas opções de respostas desde 1991, pela primeira vez na história do Censo assume a liderança na população nacional. Assim, pardos eram 82 milhões de brasileiros em 2010, e hoje são 92 milhões.

Houve uma variação positiva entre pretos?

Sim. Ela saltou de 7,6% para 10,2%. Quando nós olhamos esses quase 3%, em termos de variação absoluta, isso representa um crescimento de 6 milhões de pessoas. É um crescimento de aumento de contingente populacional bastante significativo.

Mas ainda são minoria entre pessoas acima de 75 anos.

Os pretos concentram 70% do seu contingente nos grupos de idade entre 15 e 59 anos. É um dado interessante também para ser pensado do ponto de vista de critério de pertencimento e, claro, sociológico e antropológico. É uma população que nos mostra uma grande concentração de 30 a 44 anos, seguido de 15 a 29 anos e depois de 45 a 59 anos. É uma pirâmide mais estreita e muito diferente das outras categorias.

O que explica a variação para baixo entre pessoas amarelas?

Nós fizemos algumas mudanças, inclusive tecnológicas neste Censo, e uma delas foi uma mensagem para o informante que declarasse um morador do domicílio como amarelo. Nessa mensagem nós explicamos o que o IBGE define como população amarela–- alguém de origem oriental, japonesa, chinesa, coreana, etc. Com isso, a população amarela sai do patamar acima de 1% e recua para 0,4%, que é um percentual identificado nas aferições em 1991 e 2000. Esse é um ajuste que nós fizemos e nos coloca diante de uma caracterização desse grupo mais próximo da realidade do que nós tínhamos em 2010, quando não havia essa mensagem explicativa.

É possível entender as nuances dessa mudança que fez os amarelos regredirem?

Percebemos que as pessoas estavam operando com uma compreensão de amarela mais ligada à gradação de cores de pele, como se fosse uma escala de cores mais próxima entre os brancos e pardos, e não um pertencimento étnico-racial de forma mais complexa envolvendo a declaração das pessoas em cada uma das categorias. Entendemos que a mensagem teve um comportamento positivo no sentido de ajudar a população a compreender a definição oficial.

Há fatores sociais que explicam o aumento de pardos e pretos para além das questões técnicas do Censo?

Quando trabalhamos com estatística social respeitando o princípio da autoindicação, há sempre uma dimensão para entender quais critérios estão sendo acionados pelas pessoas para definir seu pertencimento. É a cor da pele? São os traços físicos? Ancestralidade? Origem geográfica dos familiares? Pertencimento ético ou comunitário? Olhamos isso com a noção de que esses critérios são acionados dependendo do contexto socioeconômico e de interação interracial de cada um deles. São fatores que estão sendo discutidos e não podem ser desprezados. Nesse contexto, importante destacar que a ampliação percentual da população parda acontece nas faixas mais jovens, entre 15 e 29 anos, e entre 30 e 44 anos. Vários fatores podem estar influenciando essas mudanças, inclusive geracional.

Pode haver um processo de reflexão mais elaborado, portanto?

Há uma padronização ocorrida na última década dos registros oficiais, ou seja, dos cadastros das pessoas que acessam políticas públicas. Dados do Ministério da Saúde, da Educação, que estão em conformidade com o IBGE, apresentando as mesmas categorias de brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas. A população tem essa reflexão sobre a autoindentificação em outras esferas, e isso não mais provocado apenas pelo Censo.

O questionamento se torna menos aleatório, porque já aconteceu ao longo da década. Embora não seja raro encontrar nos testes famílias que fizeram esse tipo de ponderação pela primeira vez no contato com o Censo. Nesse momento, os recenseadores exercem a paciência e calma obtidos no treinamento para que o informante reflita e possa chegar ao processo de autoafirmação e à uma ideia de pertencimento.

O Brasil ainda é um país bastante dividido?

Sim, e isso aparece nitidamente no cartograma de preponderância de cor/raça. Brancos estão na região Sul como um todo, e uma boa parte da região Sudeste, enquanto pardos estão concentrados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os 33 municípios de preponderância indígena aparecem na fronteira acompanhando Roraima, Amazonas, um pedaço do Acre. Já os pretos estão sobretudo no Recôncavo Baiano e no Maranhão.